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Avaliação Genética da Raça Santa Gertrudis1

José Bento Sterman Ferraz2, Joanir Pereira Eler2 e Andréa R. V. R. Horimoto3

Introdução

A pecuária de corte brasileira está se adaptando a uma nova realidade, com o advento da economia globalizada e da inflação controlada. A estabilidade da moeda tem feito com que os pecuaristas deixem de especular com a inflação e invistam em melhoria da produção, buscando a competitividade necessária para enfrentar os tempos modernos, o que faz com que a pecuária de corte evolua para uma situação onde a alta produtividade é necessária para a permanência no mercado. A busca de animais geneticamente superiores tem se tornado imperativa.

Assim, a condução de um programa de melhoramento genético vem se tornando cada vez mais importante para a produção bovina no país, em que a identificação dos melhores reprodutores se torna indispensável para se otimizar o ganho genético.

O gado Santa Gertrudis é considerado a primeira raça bovina sintética formada nas Américas, com base no cruzamento entre zebuínos e taurinos visando a produção econômica de carne. A raça foi formada no Texas, Estados Unidos, por volta de 1920, sendo originária do cruzamento das raças Sorthorn (Bos taurus taurus) e Brahman (Bos taurus indicus). Desta maneira, na formação do Santa Gertrudis se utilizou a rusticidade e habilidade materna do Zebu com a precocidade e o maior ganho de peso da raça Shorthorn.

Essa raça foi introduzida no Brasil em 1954 com a importação de 487 animais dos Estados Unidos. Novas importações foram realizadas nos anos seguintes e se intensificaram a partir de 1966. Informações adicionais sobre esta raça podem ser encontradas em CARTWRIGHT (1978).

A criação de bovinos de corte tem mudado de maneira extremamente rápida e a nova pecuária do século XXI nos apresentará um cenário no qual apenas os criadores com alta produtividade permanecerão no mercado. Aumentar a produtividade e melhorar a qualidade dos produtos, sempre a custos minimizados, são palavras de ordem e essenciais à sobrevivência no agribusiness da pecuária de corte. Apenas aqueles criadores que tiverem seus animais geneticamente avaliados venderão reprodutores e matrizes, pois o mercado estará cada vez mais exigente e competitivo e o material genético oferecido deverá demonstrar com clareza suas especificações e o seu potencial. Os ganhos genéticos de cada rebanho dependerão também do uso de animais geneticamente superiores nos processos seletivos dentro de cada plantel.

O uso de touros melhoradores, ou seja, aqueles que aumentam a média de produção dos rebanhos, é uma prática da maior importância para os produtores de material genético, desde que os criadores saibam como detectá-los no universo de animais disponíveis.

A seleção de animais feita pelos critérios tradicionais, através da escolha direta de animais mais produtivos, identificados por simples medições ou observação visual, e baseada em critérios sem relevância econômica, leva a ganhos genéticos muito inferiores aos ganhos que seriam obtidos caso os animais fossem selecionados com base nos seus valores genéticos.

Preocupada com essa nova situação, a Associação Brasileira de Criadores de Santa Gertrudis fez uma parceria com o Grupo de Melhoramento Animal da Faculdade de Zootecnia e Engenharia de Alimentos da Universidade de São Paulo para realizar os trabalhos necessários à implantação de um programa de avaliação genética nos rebanhos daquela raça. Esse trabalho já resultou em um Sumário de Touros, publicado em maio de 2000, e num segundo Sumário, com publicação prevista para outubro de 2000. Esses Sumários têm contribuído para promover grandes mudanças na velocidade dos ganhos genéticos.

A avaliação genética do ano 2000

A avaliação genética dos animais da Associação Brasileira de Criadores de Santa Gertrudis realizada este ano, deu origem ao Sumário Brasileiro de Touros Santa Gertrudis Corte 2000 e foi produzida com dados colhidos nas condições da pecuária brasileira e analisado, no Brasil, pelos geneticistas do GMA – Grupo de Melhoramento Animal da Faculdade de Zootecnia e Engenharia de Alimentos da USP. Esse Sumário, expresso em DEP´s (diferenças esperadas de progênie), deverá constituir-se em importante ferramenta auxiliar de seleção, não só aos criadores de Santa Gertrudis Corte, mas também dos que se utilizam de nosso material genético para cruzamentos industriais.

Um dos principais efeitos de um programa de avaliação genética como esse é o retorno, aos criadores participantes do programa de avaliação genética, das avaliações de todos os animais de suas propriedades, incluindo vacas e tourinhos. Isso tem sido de extrema valia para as decisões de venda, preços e descarte, devendo acelerar de maneira muito intensa o progresso genético nas criações. Isso também deverá servir de estímulo à participação de outros criadores em nosso programa de melhoramento genético. O programa conta com a participação de mais de vinte criadores.

As características avaliadas na avaliação do ano 2000 foram:

Peso ao nascer = peso real ao nascimento, em kg. Este peso deve ser monitorado para evitar-se um aumento significativo no peso ao nascimento dos bezerros, com conseqüentes problemas de dificuldade de parto. Este peso é o melhor indicador da facilidade de parto.

Peso aos 120 dias = peso, em kg, medido próximo aos 120 dias de idade do animal, quando ele ainda depende quase que totalmente de suas mães. A DEP para este peso reflete o potencial de aleitamento das vacas.

Peso à desmama = peso, em kg, medido na desmama do bezerro. A DEP para este peso reflete o potencial que o animal tem para desmamar, independente da produção de leite de sua mãe, ou seja, a ação direta dos genes do próprio animal. Este peso é muito importante para os produtores de bezerros.

Materno total = peso à desmama, em kg, que as filhas de um reprodutor deverão desmamar, devido à ação de seus genes. Reprodutores com DEP´s positivas e elevadas são mais interessantes. Essa característica é muito importante para a escolha de touros que vão gerar vacas de reposição nos rebanhos.

Peso aos 12 meses = peso, em kg, medido aos 12 meses do animal. A DEP para este peso reflete o potencial que o animal tem para crescer em ambiente independente dos cuidados maternos e, em raças precoces como a Santa Gertrudis Corte, refletem seu potencial de ganhar peso precocemente.

Peso aos 18 meses = peso do animal, em kg, medido a uma idade próxima dos 18 meses. A DEP para este peso reflete o potencial de ganho de peso até o abate.

Peso aos 24 meses = peso do animal, em kg, medido a uma idade próxima dos 24 meses. A DEP para este peso reflete o potencial peso dos animais adultos.

Perímetro Escrotal aos 9, 12, 18 e 24 meses = estas medidas, expressas em cm, são tomadas nos machos na época das pesagens aos 9, 12, 18 e 24 meses e são correlacionadas com idade à puberdade, qualidade e quantidade de sêmen, fertilidade, desenvolvimento ponderal e precocidade sexual das filhas e irmãs dos tourinhos. O uso destas características para compor os critérios de seleção em bovinos de corte tem sido prática comum na maioria dos bons programas de melhoramento em todo o mundo. O perímetro escrotal aos 12 meses indica a precocidade sexual. As DEP´s mais elevadas são as melhores. A seleção para PE, no entanto, não é uma substituição para a seleção direta sobre o desempenho reprodutivo da fêmea.

Não foi proposto nenhum índice de seleção empírico, pois cada cliente tem seus objetivos e necessidades. A Associação de Criadores de Santa Gertrudis entende que assim estará prestando um serviço mais amplo e de melhor qualidade aos criadores.

Para se ter uma idéia do material genético utilizado nesta avaliação, a Tabela 1 apresenta os números de observações e média das diversas características analisadas.

Tabela 1 – Número de observações e média das características observadas nos animais utilizados na avaliação dos touros incluídos no Sumário de Touros Santa Gertrudis Corte 2000

Tabela 1

As análises realizadas

Os dados foram analisados segundo metodologia de modelos mistos, considerando-se um modelo animal completo, específico para cada variável, em análises bi-caráter, sendo a característica Peso à Desmama considerada a “característica âncora” em todas as análises, o que aumenta a acurácia das predições. As análises consideraram:

* os efeitos fixos de grupo de contemporâneos, que consideraram a fazenda, o sexo, o grupo de manejo do animal, a estação de nascimento e a safra. Ainda foram consideradas as covariáveis idade da vaca ao parto e idade do animal quando da medição

* efeitos aleatórios dos genes do animal (efeitos genéticos diretos) e de suas mães (efeitos maternos)

* efeitos aleatórios permanentes que as vacas propiciam aos seus bezerros

Foram utilizados parâmetros genéticos obtidos através do uso dos programas reunidos no MTDFREML (Boldman & Van Vleck, 1995), conforme apresentado na Tabela 2. As soluções das equações de modelos mistos foram obtidas com utilização de softwares apropriados, tais como o ABTK (Golden et al., 1992) e TKBLUP (Golden et al., 1995). Estes programas são utilizados em todo o mundo em análise sob modelo animal, são bem conhecidos da equipe de geneticistas e contam com suporte permanente de seus autores, aos quais a equipe agradece.

Tabela 2. Coeficientes de herdabilidade para efeitos diretos (h²) e efeitos maternos (h²m) para as características analisadas no Sumário Brasileiro de Touros Santa Gertrudis Corte 2000

Tabela 2

Acurácia das estimativas

A ACURÁCIA ou confiabilidade de uma estimativa é uma medida da correlação entre a estimativa obtida e o “valor real” do parâmetro. Ela reflete o quanto o valor estimado está “próximo” do valor real. O limite da acurácia é 1 (100%), que significa que temos total confiança na estimativa. Quanto mais informações existirem a respeito de um touro, mais acurada ou mais “confiável” será a estimativa.

A acurácia, no entanto, não depende somente do número de filhos avaliados ou mensurados de um reprodutor que foram medidos, mas, principalmente, do número de parentes medidos que esse reprodutor teve e dos diferentes ambientes a que tais progênies foram expostas. Assim, é comum touros com menor número de filhos do que outros terem acurácias maiores, devido à contribuição de maior número de parentes na estimação de seu valor genético ou de diferentes ambientes.

Este conceito de acurácia é muito importante para as decisões de um criador, pois indica o “risco” da decisão. Se o criador tiver um pequeno rebanho de alto valor genético, fica muito difícil utilizar-se um reprodutor cujo valor genético (DEP) tenha baixa acurácia, pois o valor estimado não é muito “confiável” e quando aumentarem as informações a respeito daquele reprodutor, por exemplo na próxima avaliação ou no próximo ano, aquele valor genético previsto poderá diminuir e o pequeno criador terá à venda então filhos de um touro inferior ao que ele achava que teria. Mas aquele valor poderá também subir e então o criador terá filhos de um bom touro. A acurácia indica em última análise a “segurança” que se tem de que aquele valor estimado vá mudar ou não.

A acurácia expressa neste Sumário segue as indicações do Beef Improvement Federation (BIF), dos Estados Unidos da América, que adotou uma fórmula alternativa, que varia linearmente com o número de progênies e cuja interpretação é mais facilmente explicável aos criadores, sendo mais conservadora nos valores obtidos.

Base Genética

É importante ressaltar que o objetivo do uso de Diferenças Esperadas de Progênie (DEP´s) é identificar os animais geneticamente superiores. Isso é válido não somente para os touros, mas, principalmente, para os animais jovens, reprodutores e matrizes, auxiliando não só nas definições de acasalamento, mas também no descarte de animais. O uso das DEP´s da maneira adequada aumenta muito o ganho genético por ano.

Em um bom programa de avaliação genética, tanto os machos quanto as fêmeas devem ser avaliados, devendo ser incluídos todos os animais nascidos.

A base genética refere-se a um grupo de animais ou determinado animal em que a média das DEP´s é assumida como zero. A escolha de determinada base genética não altera a classificação dos animais, uma vez que as diferenças entre as DEP´s permanecem as mesmas. O grupo de animais, ou o animal escolhido, serve apenas como referência.

A base genética utilizada neste ano foi a média das DEP´s de todos os animais da população avaliada neste presente Sumário. Entendemos que, nesse momento, a melhor forma de comparação seria com a média geral dos animais da raça avaliados.

É importante ressaltar que o rebanho de bovinos da raça Santa Gertrudis é um rebanho de alto padrão genético e seu mérito genético médio deve ser superior ao de outros rebanhos comerciais. Assim, as diferenças esperadas de progênie, expressas neste Sumário do ano 2000, podem ser ainda maiores quando nossos reprodutores forem utilizados em outros rebanhos.

Tendências Genéticas

Os gráficos abaixo demonstram as tendências observadas na média do mérito genético dos animais, por ano de nascimento – as tendências genéticas.

Gráficos

Conclusão

A Associação de Criadores de Santa Gertrudis é um excelente exemplo da integração que é possível entre os centros de pesquisa e a iniciativa privada, pois seu intenso esforço, que já havia sido iniciado em 1995 junto ao Departamento de Genética da Faculdade de Medicina de Ribeirão Preto e que continuou com a parceria com o Grupo de Melhoramento Animal da FZEA/USP tem resultado em importantes frutos, com a disponibilização, aos criadores em geral, de importantes informações a respeito do valor genético dos animais.

A citada associação está continuando o trabalho, melhorando a consistência de suas informações de pedigree, o que deverá ser muito importante para a obtenção de estimativas mais acuradas do valor genético dos animais.

Referências Bibliográficas relacionadas ao assunto

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1Pesquisa apoiada pela FAPESP e CNPq
2Grupo de Melhoramento Animal
Faculdade de Zootecnia e Engenharia de Alimentos da USP
Cx. Postal 23 – 13630-970 – Pirassununga, SP
e.mail: jbferraz@usp.br ou joapeler@usp.br
3Associação dos Criadores de Santa Gertrudis

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