Iveraldo S. Dutra1 , Jürgen Döbereiner2, Ivan Valadão Rosa3, Luiz A.A. Souza4 e Mário Nonato4
Botulismo é uma intoxicação de bovinos e outras espécies animais, resultante principalmente da ingestão de toxina previamente formada pelo Clostridium botulinum. Assume importância econômico-sanitária no Brasil o botulismo epidêmico, relacionado com a osteofagia e sarcofagia observadas em bovinos mantidos em áreas deficientes em fósforo, sem a adequada suplementação mineral, e com a presença na pastagem de restos de cadáveres contaminados. Surtos têm sido registrados nos últimos anos em extensas regiões do País acometendo sobretudo fêmeas em gestação ou lactação, com a estimativa de centenas de milhares de mortes, atribuídas às toxinas botulínicas C e D. Um importante fator que contribuiu para o agravamento do problema foi a intensificação da contaminacão ambiental pelo C. botulinum, principalmente a partir de cadáveres que entram em decomposição no pasto. Por outro lado, são freqüentemente observadas situações em que, pelas características e condições epidemiológicas, permite-se associar a ingestão de água contaminada à ocorrência de surtos da doença. Surtos de intoxicação botulínica associados à ingestão de água foram descritos acometendo bovinos no Senegal e em búfalos no Brasil. Na África do Sul, é mencionada a ocorrência de surtos de botulismo em bovinos e ovinos, com o envolvimento de centenas de animais.
Dutra et al. (2001) descreveram sete surtos da intoxicação onde os dados clínico-patológicos, epidemiológicos e os achados laboratoriais indicaram a possível ingestão da toxina através da água contaminada. O coeficiente médio de mortalidade foi de 20,1%, com letalidade de 99,92% e morbidade de 31,62%. Dos cerca de 9.000 bovinos envolvidos nos surtos, 2.844 morreram com quadro clínico predominantemente superagudo e agudo. A alta morbidade e mortalidade foram registradas num curto período de tempo e envolveram todas as categorias animais, com quadro clínico-patológico caracterizado por paresia e paralisia da musculatura da locomoção, deglutição e mastigação e ausência de lesões macroscópicas. As circunstâncias em que ocorreram os surtos estiveram relacionadas com a existência de carcaças de animais decompostas ou matéria orgânica vegetal na água de dessedentação. Foram detectadas toxinas botulínicas C e D nas coleções de água, nas vísceras e no soro sangüíneo de parte considerável dos materiais examinados.
Figura 1: Carcaça de bovino em coleção de água utilizada na dessedentação
Figura 2. Bebedouro artificial onde haviam duas carcaças de tatus Peba (Euphractus sexcintus) em decomposição no seu interor, desencadeando surtos de botulismo com detecção de toxina no limo.
1 Depto de Apoio, Produção e Saúde Animal, Unesp-Campus de Araçatuba, C. Postal 533, 16050-680 Araçatuba, SP.
2 Projeto Saúde Animal/CNPAB Embrapa, Km 47, 23851-970 Seropédica, RJ; bolsista CNPq.
3 Centro Nacional de Pesquisa de Gado de Corte, Embrapa, Campo Grande, MS.
4 Médico Veterinário, Defesa Sanitária Animal, Secretaria de Agricultura e Abastecimento do Estado de São Paulo, José Bonifácio, SP.
Fonte: Dutra I.S., Döbereiner J, Rosa I.V.; Souza L.A.A. & Nonato M. 2001. Surtos de botulismo em bovinos no Brasil associados à ingestão de água contaminada. Pesq. Vet. Bras. 21(3):43-48.