Marcelo de Queiroz Manella1 e Celso Boin 2
O mercado mundial da carne vem sendo “sacudido” com o reaparecimento de focos de febre aftosa nas áreas, até então consideradas livres, como alguns países da Europa, Argentina, Uruguai, e com novos casos de Encefalopatia Espongiforme Bovina (BSE), amplamente divulgados pela imprensa mundial. A opinião pública, principalmente dos países mais ricos reagiu com grande diminuição do consumo , gerando incertezas no Mercado Internacional da Carne.
A causa dos novos focos de aftosa refletiu no fechamento das fronteiras para cerca de 1/4 da carne bovina mundial e aproximadamente 40% das exportações de carne suína. Segundo Morgan e Yanagishima (2001), o fechamento aconteceu primeiro para as carnes originárias da Europa, e mais recentemente para as da Argentina, Uruguai, e do sul do Brasil.
A febre aftosa espalhou-se por todos os continentes, sendo que em muitos países esta situação é endêmica, principalmente nos países em desenvolvimento. Apenas Estados Unidos, Austrália e Nova Zelândia estão aparentemente livres deste mal, sendo boas expectativas de exportação de carne originária destes países. Destaque deve ser dado aos países da Oceania, que surgem como fortes competidores para a carne norte americana, pois apresentam preços mais competitivos.
A opinião pública, em relação à segurança alimentar da carne bovina, reagiu com queda inicial de quase 40% do consumo no Oeste Europeu, com o ressurgimento da BSE. Esta queda se estabilizou em 18%, que associado aos embargos das importações de carne e seus derivados, provocou uma queda em 20% do preço da carne na Comunidade Européia.
Enquanto isto, o desencadeamento da febre aftosa nos países europeus, provocou reduções na produção e exportação de carne bovina, quer pelo abate massivo do rebanho, ou pela vacinação. Desta forma, países que eram considerados livres da doença e exportadores em potencial, tiveram o seu comércio de carne prejudicado devido às barreiras sanitárias impostas por países importadores, especialmente de carne fresca. Egito e Japão, estabeleceram barreiras à carne Européia, sendo esta substituída pela carne americana, ou ainda a neozelandesa e australiana.
A instabilidade no mercado da carne, não está restrita apenas aos países atingidos, mas também aos outros, pois como estratégia de combate à doença, há a necessidade de testes laboratoriais específicos para produtos importados, levando ao aumento do preço da carne para o consumidor, em curto prazo. E, no médio prazo, com a diferenciação entre países livres e atingidos pela aftosa, ocorreria maior diferenciação nos preços da carne no mercado mundial, com queda acentuada nos países afetados, o que atualmente é o caso de regiões específicas Brasil, Argentina e Uruguai.
Economistas da FAO, órgão da ONU para alimentos e agricultura, avaliaram o impacto, no curto prazo, das doenças (Febre Aftosa e BSE) no mercado mundial da carne, através de modelo econômico, em relação às projeções feitas até 2010 (Morgan e Yanagishima, 2001). Para este modelo foi assumido que:
* impacto da BSE resulta em queda de 15 a 12% no consumo europeu de carne em 2001 e 2000, e no resto do mundo de 1 a 2%. A mudança na preferência por outras carnes, que não a bovina, foi assumido;
* foi assumida a redução no rebanho afetado por aftosa na Europa em 4,4 milhões de cabeças, com as devidas proporções de cada espécie (bovina, suína e ovina). Foi considerado que o restabelecimento dos rebanhos ocorreria entre 2 e 4 anos, dependendo da espécie e tipo animal;
* foi assumido que a restrição às carnes Argentina, Uruguaia e Européia resultaria em diminuição nas exportações por 2 a 3 anos.
Segundo os autores, tanto produtores como consumidores sofrerão com a “Crise da Aftosa”. As estimativas, no curto prazo, do impacto dos focos de aftosa nos países exportadores, são de menor disponibilidade de carne livre de aftosa no mercado internacional, e alta nos preços. As barreiras impostas aos países da comunidade Européia e da América Latina, provocam uma queda em 3% na comercialização de carne, correspondendo em 3,5% de aumento nos preços da carne (Tab. 1). Segundo os autores, os efeitos negativos da aftosa no mercado internacional de carne, se dissipariam por volta de 2003, retornando aos valores base, conforme os países afetados forem reassumindo as exportações.
Tab.1: Efeitos do aparecimento das doenças na comercialização e preço mundial da carne
*Mudanças percentuais em relação às projeções base
Apesar dos preços elevados, leves quedas no consumo mundial foram observadas. O aumento na demanda de carne de aves leva ao aumento no consumo, sendo os produtores capazes de responder rapidamente aos preços mais elevados (Tab. 2).
Tab.2: Efeitos do aparecimento das doenças no consumo e produção mundial da carne
*Mudanças percentuais em relação às projeções base
Os autores relatam que o verdadeiro impacto da aftosa no mercado da carne ainda é obscuro, associado às incertezas que giram em torno das respostas do consumidor e às ocorrências de BSE em países Europeus previamente considerados livres de BSE. A inclinação do consumidor em trocar a carne bovina por outras é restrito ao mercado Europeu, levando as avaliações acima serem bastante precisas quanto à produção, consumo e preços.
O mercado Europeu consome em média 7,7 milhões de toneladas de carne por ano, aproximadamente 13% da produção mundial de carne. Desta forma, uma diminuição no consumo de 15% de carne bovina na Europa, e de 2% no resto do mundo, acarretaria em uma diminuição na demanda mundial de carne bovina em cerca de 2 milhões de toneladas, ou 3,3%. A BSE provocou, de forma geral, uma queda no consumo mundial da carne, sendo estimado queda de 11% na comercialização da carne, gerando um excedente que pressionaria a queda de preço da carne, que está estimado em 2% para o ano 2001. Porém, com consumo “permanente” aparentemente diminuído, os preços caíram ainda mais. Por outro lado, em decorrência, há maior demanda por carnes alternativas (suína, ovina, aves) em função da BSE. Desta forma, as projeções para 2000 e 2001 são de elevação marcante dos preços.
Os efeitos da BSE e da aftosa, também afetam outros mercados, que não o da carne, como o do leite. Calcula-se que os abates atingirão, nos próximos anos, cerca de 1,5% das vacas leiteiras na União Européia. Com a diminuição do rebanho Europeu, a demanda por grãos irá diminuir, ocasionando queda nos preços (Tab. 3). Os farelos protéicos permanecerão inalterados, podendo apresentar aumento na demanda, e talvez até nas importações, devido às restrições às fontes protéicas de origem animal.
Tab.3: Efeitos das doenças em outros setores
*Mudanças percentuais em relação as projeções base
Segundo os autores, as previsões feitas estão vulneráveis às mudanças nas políticas e reações dos consumidores perante produtos de origem bovina. No entanto, as aparições de aftosa de BSE levaram mais de 40 países impor proibições e barreiras sanitárias aos produtos cárneos, bem como a exigência da utilização de técnicas laboratoriais específicas, além da rastreabilidade.
De forma geral, as tendências do preço da carne bovina no mercado internacional é de queda. Porém aos países produtores de carne onde não foi detectado BSE e que permaneceram “livres de aftosa” , as perspectivas de exportações são promissoras. Se países onde a aftosa têm ocorrido de forma endêmica, como da América do Sul, inclusive o Brasil, não adotarem medidas e programas não conflitantes no curto prazo, tanto em nível de país como de continente, poderão permanecer às margens dos principais mercados importadores de carne bovina.
Referência:
Nancy Morgan and Koji Yanagishima: Animal Diseases -Implications for International Meat Trade. Artigo enviado por e-mail na lista de discussão Meat Trade-FAO.