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Carne Argentina: Gigante adormecido

Com exceção do tango existe alguma coisa mais argentina do que a carne? Em maio de 1997 quando a Argentina foi declarada um país livre de aftosa, um novo horizonte parecia se abrir para a carne. Sem embargos, porém com a falta de inovação do produto, problemas de evasão fiscal, diminuição do consumo interno e das exportações, dentre outros fatores, transformaram a indústria da carne argentina em um gigante poderoso, porém cheio de interrogações.

A Argentina é o quinto produtor mundial de carne bovina com um rebanho de 50 milhões de cabeças, 400 empresas (nenhuma detém mais que 5% do mercado) disputam um mercado de US$ 400 milhões ao ano. Os argentinos que já chegaram a consumir 100 quilos de carne bovina ao ano por pessoa ainda mantém um consumo elevado, entre 55 e 60 Kg ano per capita, superando por exemplo os Estados Unidos (45 Kg) e a Europa (20 Kg).

Depois de firmar em 1987, um tratado para combater a febre aftosa do gado, os países do Mercosul puseram mãos a obra. O Uruguai deixou de vacinar seu rebanho em 1995 e já no ano seguinte foi declarado país livre de aftosa. O Brasil anunciou em 1994 um plano composto de três etapas consistindo de um período inicial nos estados do sul, uma segunda fase nos estados do centro oeste e uma terceira fase que deverá ser concluída em 2000 e incluirá todo o país. O Paraguai por sua vez firmou o acordo em 1992 mas até o momento não apresenta nenhum resultado visível.

Graças a uma série de programas coordenados pelo SENASA, a Argentina alcançou seu objetivo em Maio de 1997 quando o país foi declarado livre de aftosa com vacinação. Em Agosto de 1999 aconteceram os primeiros embarques de carne bovina para os Estados Unidos, concretizando assim um sonho longamente esperado. Em 1997 também firmou um acordo para exportar carne para a China.

A abertura das exportações de carne argentina para os Estados Unidos e a vitória na luta contra aftosa dão a idéia de uma situação promissora. Sem embargo, alguns índices permitem sinalizar que a realidade não é completamente otimista. Depois de cinco anos com preços baixos o rebanho bovino foi diminuindo até chegar a 50 milhões de cabeças.

No ano passado, durante a Sial do Mercosul realizada em Buenos Aires, Felipe Solá, Secretário da Agricultura, Pesca e Pecuária, disse: – “Só podemos exportar 20.000 toneladas de carne aos Estados Unidos, e sendo assim, deve ser uma carne de muito boa qualidade. Austrália e Nova Zelândia podem exportar muito mais. Por isso necessitamos conseguir uma cota maior dos Estados Unidos”.

A Argentina não está conseguindo conquistar outros mercados. O sudeste asiático, por exemplo, está sendo dominado por outros protagonistas. Em 1997 a Austrália e os Estados Unidos exportaram nada menos que US$ 2.500 milhões de carne bovina para o Japão e Coréia do Sul.
Enquanto isso, no mercado interno em 1997 foram registrados níveis historicamente baixos para o consumo per capita, que é explicado pela diminuição de políticas de marketing definidas, inovadoras e motivadoras e aos supermercados que não conseguiram assimilar esse mercado. Sessenta por cento dos argentinos continuam comprando carnes nos açougues do bairro, um fator que complica a ação mercadológica dos frigoríficos maiores. A carne argentina não se modernizou em sua tecnologia de processamento, em marketing ou em embalagens. Ficou para trás se comparada a outros produtos que se modernizaram como o leite, pizzas etc.

Uma questão arraigada na indústria argentina de carnes é a evasão fiscal. Os empresários do setor calculam a evasão ao redor de US$ 500 milhões ao ano, porém na realidade é difícil confirmar as cifras. Segundo os dados das empresas do setor, o rebanho está ao redor de 29 milhões de cabeças, enquanto segundo o SENASA são 50 milhões de cabeças. As contas como em outros setores argentinos não fecham adequadamente. Segundo o Secretário da Indústria Argentina, 48% do abate (aproximadamente 2,8 milhões de toneladas) está totalmente ou parcialmente afetada pela evasão fiscal, após um estudo levado a efeito sobre uma denúncia apresentada pela Associação das Indústrias Argentinas de Carnes. Stella Martinez, representante da associação afirmou: “com esses níveis de evasão a competição se torna desleal”.

Nos últimos anos os grãos e outros negócios produtivos estão tomando o lugar da carne bovina. Muitos investimentos e dólares foram investidos no campo, motivados pelos negócios de grãos.

Em 1998 foram produzidas 61 milhões de toneladas de grãos, a melhor colheita do século. Só nos últimos sete anos a colheita passou de 40 para 61 milhões de toneladas e o consumo de fertilizantes de 200 mil toneladas para 1.6 milhões de toneladas.

Como consequência do sucesso alcançado pela produção de cereais e de oleaginosas no pampa úmido, aproximadamente 700 mil vacas tiveram que ser transferidas para zonas marginais. O abate de gado como consequência dos bons rendimentos dos grãos, diminui o rebanho e os preços dispararam para cima, ao ponto da carne Australiana ficar mais barata que a Argentina. Calcula-se que em 1998 se importaram ao redor de 40 mil toneladas de carne da Austrália ou Nova Zelândia, só no primeiro semestre, 12.449 toneladas de carne por US$ 203 milhões, a um preço médio por tonelada de US$ 1592,00. As importações aumentaram 121% em volume e 208% em valor.

Há ainda aqueles que apostam na indústria da carne pois a veem como um negócio ainda imaturo. Um exemplo é a compra de 70% do Frigorífico CEPA ( maior exportador de carnes do país ) em 1997 pelo grupo Garovaglio e Zorraquin.

Segundo estudos internacionais, o consumo de carne bovina e de aves deverá aumentar 29% nos próximos 10 anos como consequência do crescimento da população e melhoria do sudeste asiático, com os mais otimistas chegando a prognosticar um “boom” na pecuária.

Na Argentina, os pecuaristas e a economia local cruzam os dedos e imaginam um amanhã promissor, enquanto isso, a carne, o “mais argentino” de seus produtos, é um gigante adormecido no ponto de abrir os olhos para o mundo.

Comentário: Sonegação fiscal, falta de modernização no setor, falta de políticas mercadológicas, perda de competitividade, dentre outros. Qual lição podemos tirar da situação argentina para não incorrermos nos mesmos erros ?

Adaptado de: “Alimentos Procesados” – Fev. 1999

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