O comércio entre o Brasil e a China vai bater novo recorde neste ano, e coincide com uma fase mais estável nas relações bilaterais depois da diminuição de ataques de bolsonaristas contra Pequim, dizem fontes que acompanham a situação.
Após a eclosão da covid-19 e a saída de Ernesto Araújo do comando da diplomacia brasileira, a mudança no tom, mais cuidadoso, no governo de Jair Bolsonaro em relação à China, se não gerou uma mudança de qualidade pelo menos colocou a relação em rota de normalidade.
Assim, os elogios do presidente Jair Bolsonaro à parceria com a China, proferidos durante a cúpula dos Brics ontem, ao mencionar o uso de insumos do gigante asiático na produção de vacinas, ilustram a nova situação, também em razão de seu isolamento na cena internacional.
Em outras ocasiões, Bolsonaro acusou a vacina Coronavac, desenvolvida no país asiático e produzida no Brasil pelo Instituto Butantan, de ser ineficaz e insegura, além de insinuar que o coronavírus pode ter sido criado em laboratório, de forma proposital, pela China.
Isso elevou tensões bilaterais. O laboratório chinês Sinovac chegou a mencionar a autoridades brasileiras a preocupação de que, ao fazer negócios com o Brasil, isso tivesse repercussão política negativa na China. Recebeu de Brasília a resposta de que, apesar dos ruídos, o país tinha todo interesse na vacina chinesa e que ela fazia parte do programa nacional de imunização.
Na área econômica, na verdade, dizem fontes, a relação não foi seriamente abalada. A visão chinesa é centrada em interesses muito concretos. Pequim quer, primeiro, ter a certeza de que receberá a soja, minério de ferro, carnes que compra, para assegurar suas cadeias de produção. E, segundo, que seus investimentos já feitos ou a fazer no país não sofram discriminação.
A freada de comentários considerados provocativos por Pequim, que partiam inclusive de filhos do presidente, e causavam tensões nos governos e mercados, permitiu em todo o caso uma maior fluidez na relação, dizem fontes.
Pela primeira vez, no ano passado, o comércio total bilateral (soma de exportações e importações) atingiu US$ 101 bilhões. Neste ano, até agosto, as trocas já tinham atingido US$ 93,8 bilhões, ou 34,7% a mais do que no mesmo período ano passado. Uma estimativa de comércio bilateral de US$ 120 bilhões neste ano tende a ser superada.
As exportações brasileiras continuam puxadas pela soja, apesar de os EUA ter voltado a vender o produto no mercado chinês. As exportações brasileiras de carne bovina estão suspensas, por causa de dois casos atípicos de vaca louca, seguindo o protocolo sanitário especial com Pequim. Mas a expectativa em Pequim e Brasília é de que essa parada seja por pouco tempo.
O que poderia afetar o comércio bilateral seria a possível escassez de contêineres, até por causa de sua concentração na China. Os chineses estão importando mais do que vendem e os contêineres vão para o mercado chinês e não voltam. Há país que não consegue mandar produto por falta de como embarcá-lo, segundo fontes.
Depois da baixa de investimentos chineses no Brasil, na esteira da covid-19, há sinais recentes de retomada de interesse chinês. Instituições chinesas voltaram a organizar seminários com empresários chineses e brasileiros, com vistas à participação em programas de infraestrutura no país.
Com relação ao 5G e o papel da Huawei na infraestrutura de telecomunicações no Brasil, aparentemente a companhia aguarda uma separação entre rede do governo, que não seria aberta a ela, e a outra comercial, em que teria participação.
A questão é se a Huawei conseguiria fornecer equipamentos que o Brasil precisará, por conta de barreiras impostas pelos EUA ao fornecimento de microprocessadores para a empresa, por exemplo. Essa é uma dificuldade que está no radar.
Também há movimentação na área diplomática visando a realização da Comissão Sino-Brasileira de Alto Nível de Concertação e Cooperação (Cosban), principal mecanismo de coordenação da relação bilateral entre o Brasil e a China. Ela poderá ocorrer no final deste ano ou começo do ano que vem, organizada pelo Brasil.
As dúvidas hoje em Pequim e Brasília são outras. Com relação à China, tem a ver com restrições regulatórias que colocam em questão a continuidade de reformas e de como será seu desenvolvimento econômico pela frente. Também os ruídos hoje sobre o Brasil são alimentados por incertezas sobre o crescimento do país diante da instabilidade causada pelo presidente da República.
Fonte: Valor Econômico.