O bem-estar animal tem sido preocupação crescente entre pesquisadores, produtores e consumidores de todo o mundo que passaram a exigir com maior intensidade uma conduta humanitária no tratamento dos animais, no que diz respeito à produção, transporte e abate.
Assim, para mostrar o que está acontecendo de mais atual no Brasil e no mundo frente a área de bem-estar animal, na cadeia produtiva bovina, o BeefPoint preparou algumas entrevistas com diversos pecuaristas brasileiros e diversos profissionais da área, em diversos países, os quais já adotam medidas de manejo que visam as boas práticas de manejo, compartilhando assim alguns casos de sucesso na pecuária de corte nacional e internacional.
Confira abaixo, entrevista exclusiva ao BeefPoint, com Elissa Lane, vice-diretora de bem-estar de animais de produção da Humane Society International (HSI), uma das maiores organizações globais de proteção animal, com sede em Washington (EUA) e escritórios ao redor do mundo.
Elissa Lane dirige o trabalho da HSI com animais de produção no Brasil e em toda a América Latina, que é focado em promover melhores padrões de bem-estar animal para animais de produção entre produtores, varejistas do setor alimentício e governos. Ela já palestrou sobre o assunto em diversas conferências internacionais, como o Workshop Internacional de Bem-Estar dos Animais de Produção de 2013, em São Pedro (Brasil), e a conferência da FAO sobre bem-estar animal em Jaboticabal (Brasil).
Elissa nasceu e cresceu em Scottsdale, estado do Arizona, nos EUA. Ela concluiu seu bacharelado em Biologia e Espanhol na Northern Arizona University e seu mestrado em Estudos Latino-Americanos na American University em Washington, com foco nos impactos sociais, ambientais e de bem-estar animal da pecuária industrial na América Latina.
Elissa morou e trabalhou no Chile e no Brasil. Ela viaja regularmente para a América Latina para dar continuidade às campanhas da HSI na região.
BeefPoint: Por favor, conte sobre o trabalho que vem desenvolvendo na área de bovinocultura de corte e bem-estar animal nos EUA.
Elissa Lane: A Humane Society International (HSI) e sua organização parceira, a Humane Society of the United States (HSUS), constituem uma das maiores organizações de proteção animal do mundo, e trabalham com programas de bem-estar para animais de produção, animais de estimação, animais silvestres e animais de laboratório.
Nós abordamos muitas questões no que se refere ao bem-estar dos animais de produção, mas uma das nossas principais prioridades é diminuir o confinamento intensivo, e mais especificamente o uso de gaiolas em bateria para galinhas poedeiras e gaiolas de gestação para matrizes suínas.
Nós temos nos esforçado para banir essas formas de confinamento, nas quais os animais têm pouquíssima liberdade de movimento. Nós temos campanhas ativas focadas nesses sistemas em diversos países como Índia, Brasil, Costa Rica e México. E nós também estamos iniciando esse tipo de trabalho na África e em outras partes da Ásia.
Nós não temos uma campanha ativa dedicada a questões de bem-estar na criação de bovinos de corte, mas nós trabalhamos extensivamente com produtores do setor. Nós constituímos nosso primeiro Conselho Estadual de Agricultura em 2011 e desde então estabelecemos diversos desses conselhos em muitos estados dos EUA.
Os conselhos são compostos por produtores dedicados (muitos dos quais são produtores de bovinos de corte) que compartilham nossos princípios. Os membros dos conselhos fornecem aconselhamento e orientação para a HSUS, e também ajudam outros produtores familiares que querem adotar práticas de criação mais humanitárias.
Ao dar destaque a fazendas que são exemplos das melhores práticas, e ao conectar esses produtores a mercados em crescimento, esses conselhos promovem políticas que beneficiam melhores práticas em termos de bem-estar animal, gestão ambiental e uma economia mais humanitária.
BeefPoint: Qual é a sua visão sobre as práticas de bem-estar animal em seu país?
Elissa Lane: Cada vez mais, os consumidores nos EUA e ao redor do mundo estão demonstrando um imenso interesse e preocupação sobre como os animais são tratados durante a produção de alimentos. Algumas das maiores empresas alimentícias de varejo estão indo de encontro a essa preocupação ao adotarem importantes medidas para melhorar o bem-estar animal em suas cadeias de fornecimento.
Um crescente número de varejistas do setor alimentício também está adotando políticas com melhores padrões de bem-estar animal em suas cadeias de fornecimento de ovos, abandonando o uso de ovos convencionais produzidos em gaiolas em bateria e os substituindo por ovos produzidos em sistemas mais humanitários, sem o uso de gaiolas. A Unilever, por exemplo, já anunciou que usará apenas ovos livres de gaiolas (cage-free) em nível global até 2020.
Os consumidores brasileiros também se importam sobre como os animais criados para consumo são tratados e querem ver melhores práticas de bem-estar animal sendo implementadas no país. Estudos conduzidos no Brasil mostram que os consumidores preferem comprar produtos de origem animal que foram produzidos com melhores padrões de bem-estar animal. A HSI trabalha com empresas alimentícias e produtores no Brasil para que essas políticas de eliminação do uso de gaiolas de gestação e gaiolas em bateria sejam estendidas ao país.
BeefPoint: Em relação ao manejo de bovinos, quais os erros mais comuns cometidos pelos pecuaristas?
Elissa Lane: Embora não sejam necessariamente erros cometidos por parte dos produtores, nós temos uma série de preocupações acerca do bem-estar de bovinos que nós esperamos que a indústria global possa começar a resolver. A maioria do gado é inicialmente criada em sistemas extensivos, em pastos, então nessa fase inicial eles não são submetidos ao confinamento intensivo, que é o foco principal da maioria de nossas campanhas.
Mas atualmente, o gado de corte nos EUA e em diversos outros lugares é submetido a procedimentos e práticas estressantes e dolorosos que nós gostaríamos que fossem modificados. Por exemplo, os bezerros são frequentemente castrados, descornados e marcados sem nenhum tipo de medicação para aliviar a dor. Com base em literatura científica, nós sabemos que esses procedimentos causam dor e estresse mensurável.
Nos EUA, um esforço de pesquisa conjunto para examinar e aprovar medicações para aliviar a dor está em andamento, e nós gostaríamos de ver progressos similares em outras regiões do mundo. Nossos conselhos de agricultura procuram encontrar e testar alternativas a esses procedimentos que limitam a dor e o estresse, como a criação de machos intactos ou raças sem chifres.
BeefPoint: Você acredita que o pecuarista tem procurado empregar técnicas de manejo racional, treinar mão de obra, assim como reestruturar seus hábitos e tradições de anos?
Elissa Lane: Nos EUA, existe um esforço conjunto da indústria da carne para fornecer informação e aconselhamento sobre melhores práticas. Por exemplo, recentemente aconteceram workshops com boa receptividade sobre o manejo de bovinos com baixo-estresse e uma campanha informativa sobre o pré-condicionamento de novilhos antes do transporte para prevenir o desenvolvimento do complexo respiratório bovino (“shipping fever”).
Embora não seja estritamente necessário, muitos produtores estão optando por não marcar seus rebanhos. Nós vemos esses fatos como passos positivos e uma indicação de que a indústria da carne está começando a abraçar conceitos de bem-estar animal, não apenas para os animais, mas também porque geralmente existem benefícios econômicos na reavaliação de hábitos e costumes enraizados.
BeefPoint: Que mensagem você deixaria para os pecuaristas em âmbito de bem-estar animal?
Elissa Lane: Se torne mais familiarizado com os temas de bem-estar animal e seja pró-ativo. Coloque os animais como ponto central todas as vezes que tenha que tomar uma decisão. A preocupação acerca do bem-estar dos animais criados para consumo está crescendo ao redor do mundo, e a atenção do público em geral a respeito tende a aumentar.
Examine as alternativas que existem para substituir práticas dolorosas e estressantes em sua propriedade e trabalhe para que elas sejam implementadas. Desenvolva um plano de longo prazo. Muitos produtores nos EUA ainda estão tentando defender práticas obsoletas, como o corte de caudas do gado leiteiro, que o público em geral vê como cruéis e injustificáveis. Esse tipo de repercussão negativa pode ter implicações econômicas devastadoras para os produtores.
De forma individual, avalie suas práticas e faça o que você puder para realizar melhorias, e como indústria unam-se para concluir pesquisas. Isso te levará a um futuro mais humanitário e socialmente sustentável.
Confira algumas imagens de Elissa Lane:
Comentário BeefPoint:
Se você também quiser compartilhar seu caso de sucesso na área de bem-estar animal, ou conhece alguma fazenda destaque para entrevistarmos, nos envie um comentário com seu nome e e-mail; bem como o nome da fazenda e região, e e-mail da mesma!