Análise semanal – 03/08/2005
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Crise de preços: causas e consequências

Em julho a cotação média do boi gordo em São Paulo ficou em R$53,38/@, para pagamento a prazo, sem isenção de Funrural. Tal cotação, com base numa série de mais de 35 anos de preços corrigidos pelo IGP-DI (desde janeiro de 1970), é a mais baixa já registrada.

Observe na tabela 1 as variações das cotações do boi gordo, ao longo deste ano, em 25 praças pesquisadas pela Scot Consultoria.

Tabela 1. Variações das cotações do boi gordo entre janeiro e julho de 2005.


Os índices técnicos e econômicos da pecuária nacional nunca estiveram tão altos. As exportações avançam de forma consistente e até o consumo interno de carne bovina reagiu um pouco.

Mas ainda assim o produtor amarga uma das piores crises de preços da história pecuária.

São vários os fatores que têm alimentado o movimento baixista, dentre os quais, destacam-se:

– oferta elevada: entre 2002 e 2004 a quantidade de animais abatidos no Brasil aumentou 30,5%. Por conta disso, a produção de carne bovina passou de 7.139 mil toneladas equivalente carcaça para 8.674 mil toneladas equivalente carcaça. É o resultado do processo crescente de aplicação de tecnologia e do descarte “forçado” de gado, sobretudo de fêmeas, graças à fase de baixa do ciclo pecuário e ao avanço da agricultura sobre áreas de pastagens.

– dólar baixo: a cotação do boi gordo está atrelada ao dólar, como foi demonstrado na análise semanal de 27/07/05 (clique aqui para acessá-la). Quando o dólar cai, as pressões baixistas sobre as cotações internas da arroba aumentam.

– retração dos preços dos subprodutos: se a oferta de gado aumenta, a produção de subprodutos cresce na mesma proporção. Diante de um mercado saturado, as cotações do couro verde, sebo, farinha de sangue e farinha de carne e ossos recuaram, respectivamente, 41,2%, 69,2%, 9,1% e 16,7% em São Paulo ao longo deste ano. Caíram, portanto, mais que o boi.

Além da oferta elevada, outros fatores favoreceram a retração dos preços dos preços dos subprodutos. Para as farinhas, os problemas começaram há alguns anos, com o advento da vaca loca, que baniu produtos de origem animal das dietas de bovinos. A União Européia vetou o uso também nas rações para avicultura e governo nacional baixou regras mais rígidas de manipulação e higiene para fabricação, que implicam em aumento de custos e perda de competitividade frente a outras fontes de proteína, como os farelos de soja e algodão.

Quanto ao sebo, o aquecimento da economia, com redução de desemprego e melhoria de renda, favorece as vendas de produtos mais nobres. Para o setor de higiene e limpeza, isso implica em aumento da demanda por sabão em pó e redução da procura por sabão em barra. O primeiro, ao contrário do segundo, não leva sebo em sua composição.

Observação interessante. Talvez o sebo seja um dos poucos produtos do mercado que não se beneficia da expansão da economia. O problema se agrava uma vez que quase toda a produção é comercializada internamente. A exportação é insipiente.

Por fim, o couro. Como 70% da produção nacional é exportada, do agronegócio pecuário o setor coureiro-calçadista é o que mais sofre com o real sobre valorizado. E somente o couro chega a responder por 13% do faturamento de um frigorífico.

Fora esses três fatores, que podem ser considerados os alicerces da crise de preços, tem-se que considerar também a forte concorrência que a carne bovina enfrenta, principalmente da carne de frango; os entraves logísticos e de infra-estrutura; as barreiras tarifárias e não-tarifárias incidentes sobre as exportações; a pesada e mal aproveitada carga tributária e, por fim, as estruturas oligopolizadas antes da porteira, e oligoponizadas depois da porteira que, em certa medida, contribuem para que os efeitos nefastos da crise sejam potencializados, prejudicando principalmente os pecuaristas.

A conjuntura atual, extremamente adversa em termos de rentabilidade, tem implicado em reações que já são de pleno conhecimento do mercado, mas que vale a pena serem reavaliadas.

Observe na figura 1 a evolução dos abates de bovinos no Brasil.


Os números são do Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística (IBGE). São subestimados, é verdade, uma vez que no Brasil cerca de 35% a 40% dos abates ainda ocorrem à margem da fiscalização. Mas o comportamento que reportam é real.

Veja que o abate de fêmeas tem crescido num ritmo significativamente superior ao de machos. Na verdade, entre 2002 e 2004 o número de vacas enviadas para o gancho cresceu 87,7%, enquanto o de bois evoluiu apenas 11,1%.

E ao longo do primeiro trimestre deste ano o abate de fêmeas, em relação ao mesmo período do ano passado, cresceu 18,6%. O de machos aumentou somente 0,2%. Essa disparidade na variação dos abates entre machos e fêmeas indica que está havendo descarte de matrizes.

A Scot Consultoria estima que essa situação provocará uma retração de quase 2 milhões de cabeças na safra de bezerros de 2006. Aliás, a disponibilidade de bezerros no mercado já recuou sensivelmente este ano. Um dos indicadores é o preço médio da categoria, que em São Paulo, por exemplo, subiu 0,5% de janeiro pra cá, ao passo que, no mesmo período, a arroba do boi gordo caiu 12,2% (veja tabela 1). Ou seja, o mercado se manteve relativamente firme para bezerros.

Os preços permanecem baixos, é verdade, mas pelo menos pararam de cair. Isso é sinal de virada de ciclo. Frente a uma nova redução de oferta, a tendência é que os criadores passem a desfrutar de um mercado em recuperação no médio prazo.

A partir daí o descarte forçado, principalmente de fêmeas, deve se reduzir, levando também o mercado do boi gordo a trabalhar em ambiente firme. É o ciclo de alta. Que seja bem vindo!

Outros dois fatores podem favorecer o aquecimento do mercado, em curto prazo. Primeiro, é a crise política, que já começa a esbarrar na economia. Se o dólar subisse, o cenário se tornaria mais favorável à recuperação da arroba.

Depois, observa-se uma tendência de retração no número de cabeças confinadas e semiconfinadas.

Em maio, um levantamento preliminar da Scot Consultoria apontou para uma intenção de aumento de 3% a 5% no número de cabeças confinadas em 2005, comparando com 2004. Com relação ao semiconfinamento, a tendência era de crescimento de 1,5%.

A redução dos preços dos concentrados, as relações de troca relativamente favoráveis para a aquisição de animais de reposição e o bom ritmo de aplicação de tecnologia levaram a crer em expansão, ainda que comedida, mesmo com os preços baixos ofertados pelo boi gordo.

No entanto, em recente reavaliação, observou-se redução no número de estadias em boitéis, queda nas vendas de suplementos minerais para engorda intensiva e aumento dos abates de animais escorridos, que deveriam ter ido para o cocho, mas não foram.

É um movimento inverso ao observado no ano passado. Em 2005 as boas expectativas com relação aos preços de final de ano – lembram da arroba a R$70,00? – fizeram com que o número de animais confinados e semiconfinados aumentasse. Este ano, é o pessimismo com relação aos preços que derruba as estimativas. A pesquisa ainda está em andamento, mas a retração deve ser significativa.

Quanto mais enxuto o mercado, e mais alto o dólar, mais fácil o boi sobe. Quem sabe o ciclo não começa a mudar mais cedo?

Por fim, duas últimas considerações.

O abate de matrizes e a inversão do ciclo não ameaçam a hegemonia brasileira no mercado internacional da carne bovina. É um ajuste até que bem vindo, uma vez que a economia mundial deve atravessar um período de acomodação.

Além do mais, a recuperação dos preços deverá estimular, em médio prazo, um novo ciclo de investimentos, que dará nova força ao avanço quantitativo e qualitativo da produção nacional.

Também é importante que o período de relativa bonança, que parece estar por vir, não afaste da memória as tempestades passadas e jogue por terra todos os esforços e avanços de ordem estrutural e organizacional implementados pelo setor produtivo, principalmente nos últimos dois anos.

Costuma-se dizer que com crise se cresce, e é verdade. Mas o contrário não pode e não deve ser verdadeiro.

0 Comments

  1. Walter Magalhaes Junior disse:

    Caro Fabiano,

    Mais uma vez o parabenizo pelo brilhantismo da análise. A base de dados está impecável, com um conteudo invejável.

    Falamos muito em ganhos de produção quando analisamos a situação atual do mercado de carne no Brasil. Muitas vezes nos esquecemos de mencionar os aspectos relacionados com os custos. Creio que esta é uma variável que está desempenhando um papel importantíssimo na formação dos preços atualmente. Isto porque, de um modo geral, os pecuaristas jamais tomarão a decisão de venda com base na era ou no número de dentes do boi.

    Por regra, eles continuam a decidir sobre a venda dos seus animais com base no preço. Se estão colocando os animais no mercado, mesmo a estes preços aviltantes, é por que, algo os está pressionando para assim agirem. E a meu ver, esta pressão chama-se custos. Daí, inclusive, a razão de estarem sacrificando as fêmeas aos preços atuais, com a clara intenção de preservar os machos para os momentos mais oportunos. Tomara que possuam vacas suficientes para aguardar dias mais promissores no futuro.

    Apenas para ilustração, passo-lhe a informação de que alguns frigoríficos do MS apresentam uma relação de abate de machos e fêmeas nunca vista. Vi dados em que, de janeiro a junho de 2005, o patamar de abate de fêmeas chegou a inacreditáveis 51,0 por cento. Brincadeira?

    Diante disto, qual poderia ser o prognóstico de preços para os próximos 2 anos? E para 2009?

    Pessoalmente, creio que para este ano nada mais vai acontecer. Os preços do ano estão aí e nada irá alterá-los. Para 2006, aqueles que fizerem hedge para outubro, nos valores atuais, estarão bem garantidos.

    Uma pequena melhora e recuperação, ao meu ver, poderemos esperar somente para 2007. Assim mesmo, nada especial. Somente correções de valores, em termos reais. Mas, por um outro lado, para 2008 e 2009, espero que os frigoríficos façam caixa suficiente no momento atual para poder atender as necessidades que virão.

    No mais tardar em 2009 haverá valorização inimaginável do boi, quando poderemos experimentar uma grande transferência de recursos no setor, só que, agora, para o lado do produtor.

    Um forte e fraternal abraço,

    Walter Magalhães Junior