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Síntese agropecuária BM&F – 31/03/2006
3 de abril de 2006

Diferenças nos sistemas de produção e benefícios aos consumidores

Por Angélica Simone Cravo Pereira1 e Gabriela Aferri2

A variação genética entre as raças é de importância econômica, assim como a variação dentro da mesma raça. Estudos realizados por Dikeman (1990) e Marshall (1994) indicaram que algumas características associadas com a composição corporal, como rendimento, podem ser controladas geneticamente.

Algumas características consideradas de média a alta herdabilidade, tais como, a composição da carcaça, o rendimento de cortes, a deposição de gordura subcutânea e de marmorização, têm sido objeto de muitos estudos recentes.

Já para o atributo de qualidade maciez da carne a herdabilidade estimada é mais variável, entre 0,02 a 0,53. Entretanto, essas características podem sofrer influência de alguns fatores externos, como o número de animais utilizado nos experimentos e o monitoramento das condições pós-morte, que devem ser considerados ao avaliar as carcaças e os atributos de qualidade dos cortes cárneos. Dessa forma, torna-se cada vez mais importante entender a influência genética e não genética sobre a qualidade da carne de bovinos.

As diversidades entre raças são significativamente amplas para a característica de maciez da carne, embora diferenças para a suculência e sabor ainda sejam práticas de seleção de pequena importância, de forma que essas diferenças poderiam ser facilmente exploradas quando comparadas às diferenças dentro da mesma raça.

Considerando os aspectos quantitativos da composição da carcaça pode-se observar que a maior parte das estimativas da porcentagem do rendimento de cortes tem alta herdabilidade, oferecendo um bom potencial dentro de programas de seleção para tais atributos.

No entanto, há uma relação moderadamente antagônica entre o rendimento e a marmorização dos cortes cárneos e esta relação deve ser considerada, quando houver intenção de aumentar as porcentagens de rendimento dos cortes cárneos, para que não haja perda da qualidade sensorial dos mesmos.

Algumas estimativas de herdabilidade para avaliações de maciez objetiva (Warner Bratzler Shear Force) indicaram que essa característica tem de média herdabilidade.

Recentes pesquisas utilizando um amplo número de carcaças e diferentes métodos de análises observaram que a maciez da carne tem baixa herdabilidade em Bos taurus taurus e moderada herdabilidade em Bos taurus indicus e sintéticas de Bos taurus indicus. Foi observado ainda, que a força de cisalhamento tem forte correlação com a atividade da calpastatina, 24 horas pós-morte.

Entretanto, correlações fenotípicas entre os valores de força de cisalhamento e atividade da calpastatina foram consideradas baixas.
Há ainda a possibilidade que efeitos genéticos mitocondriais ocorram em alguns atributos da carcaça e da carne.

Para melhor entender as diferenças existentes, Johnston et al. (2003) realizaram um trabalho com o objetivo de quantificar os efeitos de terminação a pasto ou em confinamento na expressão fenotípica de algumas características qualitativas da carcaça, por meio da avaliação de dois músculos de raças taurinas e adaptadas para estimar parâmetros genéticos, incluindo herdabilidade e correlações genéticas e fenotípicas para algumas características de qualidade da carne dessas raças.

Foram retiradas amostras dos músculos Longissimus thoracis e lumborum – LTL (contra-filé) e do m. Semitendinosus – ST (lagarto). Para LTL e ST foram realizadas as análises de maciez objetiva (aparelho Warner Bratzler Shear Force), perdas totais ao cozimento, pH final (48 horas pós-morte) e cor (aparelho Minolta). Já as amostras de LTL foram maturadas por 14 dias e realizadas as análises de avaliação sensorial, por consumidores, utilizando-se uma escala de 0 a 100, incluindo as características de maciez, suculência, sabor e aceitação geral. É importante ressaltar que diferenças no acabamento dos animais, peso da carcaça e manejo pós-abate (uso da estimulação elétrica) dificultaram algumas comparações.

Bovinos terminados em pasto apresentaram carnes mais duras (avaliação objetiva) e menores escores de aceitação de maciez por meio da avaliação dos consumidores, em que taurinos tiveram de 61,9 e 59,3 e os adaptados, de 47,8 e 40,9, para a carne de bovinos terminados em confinamento e em pasto, respectivamente.

De acordo com Harper (1999), o padrão de crescimento consiste em um fator importante no contexto de maciez e dureza da carne. Certamente, neste estudo, houve uma ampla diferença nos padrões de crescimento, principalmente entre os grupos terminados em sistemas de confinamento e em pasto.

Por outro lado, Perry et al. (2002) relataram um pequeno efeito da taxa de crescimento nos escores de palatabilidade de alguns cortes, avaliados por consumidores. No entanto, animais mais velhos apresentaram cortes mais duros, devido ao possível aumento das ligações cruzadas do colágeno (Harper et al., 1999).

Apesar das diferenças entre os dados da literatura pode-se considerar que há oportunidade no Brasil para inclusão de características qualitativas e quantitativas nos programas de melhoramento genético. No entanto, é preciso lembrar que para se obter algum resultado destes programas é essencial suprir as exigências mínimas dos animais, sem as quais o potencial genético não se expressa ou é minimizado.

Não há um caminho curto a percorrer, mas se os programas devem trazer benefícios para os produtores, já é tempo de considerar também as expectativas dos consumidores em relação à qualidade da carne.

Referências bibliográficas

DIKEMAN, M.E Genetic effects on the quality of meat from cattle. In: Proceedings of the Fourth World Congress on Genetics Applied to Livestock Production XV, p.521-530, 1990.

HARPER, G.S. Trends in skeletal muscle biology and the understanding of toughness in beef. Australian Journal of Agricultural Research, v. 50, p.1105-1129, 1999.

JOHNSTON, D.J. et al. Genetic and phenotypic characterization of animal, carcass, and meat quality from temperate and tropically adapted beef breeds. 3. Meat quality traits. Australian Journal of Agricultural Research, v.54, p.135-147, 2003.

MARSHALL D. M. Breed differences and genetic parameters for body composition traits in beef cattle. Journal of Animal Science, v.72, p.2745-2755, 1994.

PERRY, D. et al. Effect of growth rate on palatability in beef cattle. In: Proceeding of the 48th International Congress of Meat Science and Technology. Rome, Italy, v.48, p.276-277, 2002.

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1Angélica Simone Cravo Pereira, doutora USP-FZEA
2Gabriela Aferri, doutoranda USP-FZEA

0 Comments

  1. Marco Antonio Bensimon Gomes disse:

    Excelente artigo. Precisamos de novas técnicas para sustentar nossa vocação pecuária, aproximando as necessidades do consumidor interno e ou externo à nossa pecuária e pecuarista, agregando valor a nossos produtos.

    O desafio maior é conseguir padrão, maciez e boas qualidades sem descaracterizar a nossa pecuária realizada em pastagens, uma enorme vantagem, senão a maior em relação a outros sistemas mais intensivos e muitas vezes mais onerosos.