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Falta de mão-de-obra imigrante preocupa frigoríficos nos EUA

Quando os filhos adultos de Martha Kebede imigraram da Etiópia e se reuniram com ela no Estado de Dakota do Sul neste ano, eles tinham poucas oportunidades de trabalho.

Falando mal o inglês, os irmãos conseguiram trabalho no frigorífico suíno da Smithfield Foods em Sioux Falls, um trabalho cansativo e cada vez mais arriscado, uma vez que o coronavírus já deixou doentes milhares de
trabalhadores da indústria americana de processamento de carne. Certo dia, metade dos trabalhadores de uma linha de corte caiu doente; posteriormente os irmãos testaram positivo para o vírus da covid-19. “Foi muito triste, muito. Os meninos ficaram arrasados”, diz Kebede.

Os irmãos – que não quiseram ser identificados por temerem retaliações no trabalho – estão entre os cerca de 175.000 imigrantes que trabalham na indústria de processamento de carne dos Estados Unidos. O setor historicamente sempre dependeu da mão-de-obra estrangeira – de pessoas em situação irregular ou ilegal no país a refugiados – para um dos trabalhos mais perigosos na América.

Agora essa dependência e a incerteza com um vírus que matou pelo menos 20 trabalhadores e fechou temporariamente vários frigoríficos, alimentam preocupações com uma possível falta de mão-de-obra para atender a demanda por carne bovina, suína e de frango.

Companhias que lutavam para contratar antes da pandemia estão agora gastando milhões de dólares em novos incentivos. Sua capacidade de contratação depende do desemprego, das mudanças no setor, da sensação de segurança dos funcionários e das erráticas e agressivas
políticas de imigração do presidente Donald Trump.

Trump restringiu quase toda a imigração, mas seu governo recentemente concedeu prorrogações de 60 dias a trabalhadores sazonais, afetando um pequeno número de processadoras de carne de frango e bovina. Cerca de 350 trabalhadores estrangeiros receberam permissão para trabalhar nessas empresas em 2019, segundo Daniel Costa do Economic Policy Institute. Esses detentores do visto H-2B, que chegam ao número máximo de 66.000 anualmente, geralmente são usados em resorts e na área de paisagismo.

Mas há uma disposição em ampliar isso. Um plano para acrescentar 35.000 trabalhadores sazonais – o que Trump apoia em mercados de trabalho apertados – foi suspenso em abril por causa das “circunstâncias econômicas do momento”.

Os imigrantes representam quase 40% de um setor com cerca de 470.000 trabalhadores, com maiores concentrações em estados como Dakota do Sul, onde eles são 58% dos trabalhadores, e Nebraska, onde representam 66%, segundo o Migration Policy Institute, uma instituição sem fins lucrativos. As estimativas sobre os imigrantes ilegais variam
de 14% à maioria em alguns frigoríficos.

O setor afirma que oferece muitos empregos com benefícios e oportunidades de desenvolvimento para todos os trabalhadores. Paulina Francisco diz que seus 21 anos na Smithfield de Sioux City, Iowa, a ajudaram a comprar uma casa, algo que ela não imaginava ser possível quando imigrou da Guatemala. Hoje ela é cidadã americana.

Mesmo assim, a maioria dos empregos está nas áreas rurais, limitando o acesso dos trabalhadores a advogados, leis sindicais favoráveis e outros empregos. Os salários pagos por hora são baixos e chegam a US$ 12,50 para um trabalho exaustivo. Os trabalhadores ilegais não reclamam as condições por temerem ser deportados do país. “As populações vulneráveis funcionam bem para eles [o setor]”, diz Joshua Specht, professor da Universidade de Notre Dame.

As fábricas de processamento de carne de frango recrutaram imigrantes de forma intensa na década de 90, com o aumento da sindicalização dos trabalhadores afro-americanos. Um frigorífico de Morton, Mississippi, fez anúncios em lojas comerciais cubanas e jornais de Miami, em busca de trabalhadores dispostos a aceitar salários menores, uma tática reproduzida em todo o sul dos EUA, segundo Angela Stuesse, antropóloga da University of North CarolinaChapel Hill.

Inicialmente, foram os imigrantes com autorização de trabalho, mas eles foram substituídos por mexicanos e guatemaltecos em situação ilegal. Argentinos, uruguaios e peruanos vieram em seguida. Nos anos 2000, o mercado de trabalho se auto-sustentava com a propaganda boca a boca. “Isso é parte da maneira como o setor funciona, tendo essas comunidades diferentes que ele pode usar para manter os custos baixos e as linhas em operação”, diz Stuesse.

Uma janela na resposta do setor à falta súbita de mão de obra são as invasões migratórias. Em 2006, agentes vasculharam fábricas de Swift & Co, prendendo 1.300 pessoas, na maior batida a um único local de trabalho na história dos EUA.

A produção plena foi retomada meses depois. Umas fábrica de Greeley, no Colorado, ofereceu um remuneração maior, contratando cerca de 75 trabalhadores, a maior parte deles cidadãos americanos e refugiados somalis, segundo o Centro de Estudos de Imigração, que apoia a restrição da imigração.

Hoje, o setor de processamento de carne tem a quinta maior concentração de trabalhadores refugiados dos EUA, segundo o Fiscal Policy Institute, outra organização sem fins lucrativos. O refugiado sudanês Salaheldin Ahmed, 44, ficando sabendo das vagas na Smithfield quando estava em New Hampshire e mudou-se para Dakota do Sul há seis anos. Após fugir da guerra, pouca coisa amedronta e condutor de empilhadeira, nem mesmo um teste positivo para a covid-19.

“Eles matavam pessoas na sua frente”, diz Ahmed, que apresentou sintomas leves, sobre as atrocidades que testemunhou. “O coronavírus não é nada.”

Alguns dados sugerem que as batidas das autoridades podem reduzir temporariamente a contratação de imigrantes. Os imigrantes ilegais representavam 52% da mão-de-obra da indústria de processamento de carne em 2006, caindo para 42% em 2008, segundo Michael Clemens do Centro de Desenvolvimento Global. Ele cita uma pesquisa anual sobre o nível de emprego divulgada em março. Mas essa tendência foi revertida durante o pico de desemprego da Grande Recessão. Em 2011, os trabalhadores ilegais eram cerca de 56%.

Após as batidas do ano passado aos frigoríficos avícolas do Mississippi, alguns cidadãos foram contratados mas muitos imigrantes retornaram ao trabalho, segundo ativistas e líderes locais.

“Há uma necessidade de trabalhadores e eles não têm outras opções”, diz o reverendo Roberto Mena, cuja congregação Forest inclui trabalhadores de processadoras avícolas. A Koch Foods e a Peco Foods, as maiores companhias visadas, não responderam pedidos para comentários. Ambas afirmam usar sistema federal E-Verify para confirmar a eligibilidade dos trabalhadores.

Alguns culpam o modelo de negócios. Com uma rotatividade acelerada, não é incomum para os frigoríficos recontratar anualmente toda a força de trabalho, segundo afirma o National Employment Law Project, uma entidade de defesa dos trabalhadores. “Essa é uma visão míope do setor”, diz Debbie Berkowitz, uma diretora da entidade. “Eles querem encontrar trabalhadores que possam explorar, em vez de trabalhadores que se sentiriam à vontade para levantar preocupações.”

Depois que a pandemia fechou vários frigoríficos, eles tiveram a ajuda de Trump: ele emitiu uma ordem classificando o processamento de carne como essencial.

O North American Meat Institute estima que a maioria dos frigoríficos estão produzindo com 70% da capacidade. Muitos implementaram barreiras de acrílico e outras proteções.

Little, a porta-voz do instituto, observa que muitas processadoras de carne continuam pagando os funcionários mesmo com as unidades fechadas e sugere que mais pessoas poderão ser atraídas para o setor em meio ao desemprego elevado. “Há muitas incógnitas. Não sei o que nos aguarda”, afirma ela.

A pandemia acelerou as decisões de alguns trabalhadores. Guadalupe Paz, 62, provavelmente não retornará ao seu trabalho na JBS Packerland de Green Bay, Wisconsin, depois de ser hospitalizado com a covid-19. Mais fraco, ele teme pegar mais doenças, segundo afirma sua filha Dora Flores. Paez imigrou do México através de um programa de trabalhadores convidados da década de 80 e obteve o “green card”. “Ele só sai de casa para as consultas médicas. Está traumatizado”, diz a filha.

Fonte: Associated Press, publicada no Valor Econômico.

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