José Bento Sterman Ferraz
Introdução
Qual seria o impacto na produção da pecuária de corte e de leite do Brasil, caso o uso de touros avaliados como geneticamente superiores fosse disseminado através da inseminação artificial?
Esta pergunta com certeza ocorre a todos aqueles envolvidos no agribusiness da pecuária bovina. Para que se possa avaliar esses impactos, uma série de considerações e suposições devem ser estabelecidas, simulando-se os efeitos de uma série de agentes causais de aumento de produtividade, direta ou indiretamente ligados ao uso da inseminação artificial.
O objetivo do presente trabalho é, portanto, simular o impacto quantitativo e econômico do aumento do uso da inseminação artificial sobre a pecuária de corte e leite brasileira, partindo-se do pressuposto que serão utilizados apenas touros melhoradores, ou seja, geneticamente superiores.
As causas da baixa produtividade de nosso rebanho bovino
Por que nosso rebanho bovino não é tão produtivo quanto os rebanhos dos países de primeiro mundo, como os da Austrália, Nova Zelândia, Canadá, Estados Unidos e países da Europa? As causas logicamente são várias e citaremos apenas algumas.
Em primeiro lugar a grande diferença está na alimentação dos rebanhos. Naqueles países os rebanhos não passam fome na seca, não perdem peso ou diminuem sua produção devido à escassez de alimentos, ao contrário do que ocorre no Brasil. É certo que os custos de conservação do excedente de forragens que se verifica na estação chuvosa é cara e complicada, mas não faz sentido desperdiçar-se alimento numa estação e deixar o gado sub-alimentado na estação seca. Qual seria o custo desta perda de produtividade verificada na seca? Quantas centenas de milhões de dólares são perdidos anualmente com este problema? Os pesquisadores da agropecuária brasileira precisam, urgentemente, encontrar soluções economicamente viáveis para este problema, com a utilização de pastagens de melhor qualidade e técnicas de conservação dessas forragens.
A segunda grande causa da diferença de produtividade é o status sanitário dos rebanhos. A saúde do rebanho brasileiro, embora venha melhorando ano a ano, tem muito a melhorar. Vale a pena lembrar que apenas animais saudáveis conseguem expressar todo o seu potencial genético e atingir a produção esperada.
Uma terceira causa de extrema importância é a difusão dos conhecimentos e tecnologia e o nível cultural dos fazendeiros. Uma diferença essencial da pecuária dos países mais evoluídos é que os fazendeiros têm um melhor nível de conhecimentos, em geral vivem na propriedade e têm acesso fácil à informação, assimilando de maneira rápida e eficiente as novas tecnologias e soluções encontradas pelos pesquisadores. Isto pressupõe a existência e uma eficiente e extensa malha de extensão e assistência técnica aos produtores rurais. Alguns países chegam ao requinte de ter, em cada município, um técnico de nível superior residente, que se apresenta semanal ou quinzenalmente na Universidade regional, trazendo problemas dos produtores de sua localidade e levando as soluções correspondentes. O investimento maciço na educação do homem do campo e a existência de incentivos reais para a permanência dos jovens, que normalmente têm melhor escolaridade, na atividade agropecuária, não só diminuiria este problema de desnível do acesso à informação, mas também evitaria o acúmulo de trabalhadores nos centros urbanos.
Uma quarta e importante causa do descompasso da produtividade de nosso setor da pecuária é a nossa dependência histórica das definições e das atividades do governo. Nossa pecuária precisa realizar sua própria gestão, gerar seus próprios recursos para pesquisa e solução de problemas, promoção de seus produtos, difusão de tecnologia. Todo o agribusiness tem que participar, tendo como meta uma indústria mais eficiente e competitiva a nível internacional. Mercados fantásticos, como o da China, por exemplo, estão se abrindo com possibilidades de consumir milhões de toneladas anuais de derivados de carne e leite e nossa pecuária, se tiver competência, poderá participar do abastecimento desses mercados.
Deixamos como última grande causa da diferença da produtividade o patrimônio genético dos animais. Com certeza os bovinos criados naqueles países têm genótipos mais adequados à produção de carne, ou leite, em maior quantidade e de maneira mais precoce, tendo ainda, na maioria das situações, uma melhor qualidade. Deixamos a genética como última causa porquê ela responde apenas por cerca de 20 a 30% da produção dos animais. O resto deve ser creditado, ou debitado, ao meio ambiente e está englobado nos três grupos de causas anteriormente citados.
Alguns dados estatísticos de nossa pecuária
O Quadro I apresenta algumas informações importantes para nossa simulação, referentes à nossa pecuária. Estas informações, retiradas de várias fontes, nos dão um panorama geral de nosso rebanho, além de algumas interessantes imagens a respeito de produtividade e nível atual de inseminação artificial aplicada em nossos rebanhos de bovinos.
Há que se destacar que o número de vacas inseminadas, quer em rebanhos de corte, quer em rebanhos de leite foi calculado com base no uso médio de, respectivamente, 1,7 e 3 doses de sêmen por prenhez e nos dados de número de doses de sêmen vendidas em 1995, considerando-se, para fins de simplificação, que todas as doses vendidas foram utilizadas. Esta simplificação pode levar a pequenos desvios, mas nada que invalide, em grandes números, os percentuais de fêmeas atualmente inseminadas. Não se pretende aqui comentar de maneira crítica nossa produtividade. Os números falam por si.
Um exercício interessante: quanto custa manter um touro em monta natural?
Este trabalho não pretende aprofundar-se nas análises econômicas, mas tão somente levantar os principais tópicos relacionados com os custos envolvidos. Manter um touro em monta natural no rebanho pode parecer a solução mais barata para um criador, mas esse raciocínio é enganoso. Para estimar o custo de cada cobertura ou de cada bezerro filho de um touro, precisamos de algumas informações e suposições.
As primeiras suposições referem-se aos custos. Suponhamos que um animal seja adquirido por um preço de cerca de US$1,500.00. O custo variável com mão-de-obra, alimentação, vacinas, medicamentos, sal mineral etc. pode ser estimado em cerca de US$360.00/ano, num total de US$2,160.00 nos seis anos de vida útil. O total dos custos, sem se considerarem os encargos, remuneração de capital, riscos, depreciação, reposição do animal e alguns custos fixos será de US$3.660,00 na vida útil do touro.
Um outro grupo de informações refere-se à produção de um touro, supondo-se que ele tenha uma vida útil de seis anos no rebanho, cobrindo 25 vacas por ano, num total de 150 acasalamentos em sua vida útil. Se supusermos que cerca de 70% dos acasalamentos serão férteis (o Quadro I mostra que no Brasil a situação atual é de 50% de fertilidade) e que a mortalidade média até o abate seja de 15% (o Quadro I mostra 25%), cada touro terá um noventa filhos abatidos em toda a sua vida útil, se considerarmos que todos os filhos vivos venham a ser abatidos.
Unindo-se as duas informações, teremos que o rateio do custo do touro pelos seus noventa filhos será de US$40.67/filho. Se considerarmos que o custo médio de uma dose de sêmen é de R$8.00, o custo de manter um touro em acasalamento natural no rebanho equivalerá a cerca de 5 doses de sêmen. A pergunta mais importante no entanto é a respeito da qualidade genética do reprodutor. Qual a garantia que o criador tem a respeito da qualidade de um reprodutor adquirido pelo valor citado? Se o mesmo for oriundo de um rebanho geneticamente avaliado, melhor, mas isto não ocorre com 99,9% dos tourinhos comercializados no país.
O prejuízo causado à pecuária do país pela utilização de touros não comprovadamente melhoradores é enorme, quase impossível de se mensurar.
Os impactos do uso da inseminação artificial
Os ganhos obtidos através da utilização intensa de inseminação artificial podem ser, para fins de facilidade de simulação e interpretação, divididos em ganhos diretos e ganhos indiretos.
Os ganhos diretos
Algumas pressuposições são essenciais ao raciocínio e à simulação.
As primeiras premissas estão ligadas ao valor genético dos animais. Assume-se que o valor genético médio das fêmeas será zero, tanto para produção de leite quanto para produção de carne. Com isto, o valor genético médio dos filhos será igual ao valor médio das DEP ou PTA dos pais. No caso de machos, somente deverão ser utilizados touros melhoradores, geneticamente avaliados e que tenham, em média:
Um outro grupo de premissas diz respeito ao número de doses de sêmen por prenhez, taxas de fertilidade e mortalidade do nascimento ao abate. As suposições são:
As simulações pressupõem ainda que se aumente a quantidade de vacas inseminadas em 30, 50, 70, 100, 200 e 500% e as variáveis onde o impacto foi estimado são o número de doses de sêmen vendidas por ano, a quantidade de Kg de leite e carne adicionalmente produzidas e a receita adicional gerada. Os resultados destas simulações são dados no Quadro II.
A análise detalhada do Quadro II traz interessantes detalhes. Pode parecer absurdo aumentar-se em 500% o número de vacas inseminadas no Brasil, mas isto levaria a 18,5% das vacas leiteiras, quando os países desenvolvidos inseminam mais de 60% de seus rebanhos de produção de leite. No caso de gado de corte, tal incremento na inseminação artificial elevaria a proporção de vacas inseminadas a cerca de 14,8%, o que em países desenvolvidos chega a mais de 40%. Este aumento aparentemente absurdo no número de inseminações artificiais apenas nos colocaria em posição intermediária entre os países desenvolvidos e os em desenvolvimento quanto ao uso desta biotecnologia.
Interessantes são os resultados obtidos com o aumento de 500% na inseminação artificial: cerca de 1.500 mil t de leite e 370 mil t de carne, num valor de cerca de US$372 milhões (leite) e US$278 milhões (carne). Isto significa que esse aumento nas inseminações levará a um aumento da produção de leite e carne com um valor de cerca de US$650 milhões por ano! Apenas em valores diretos, sem considerarem-se as reduções de custo por aumento da escala de produção. Será que os mercados nacional, regional (Mercosul) e internacional têm condições de absorver essa produção? Este é outro problema, de competitividade comercial. Com certeza esse aumento diminuiria os atuais custos de produção e, é importante ressaltar, o custo da inseminação é menor que o da cobertura natural.
Os ganhos indiretos
Os maiores ganhos advindos do uso da inseminação artificial, no entanto, não são obtidos de maneira direta. Para utilizar-se de tal tecnologia, um pecuarista tem que se estruturar em termos de alimentação e nutrição, pastagens e saúde animal, organização e escrituração zootécnica, além de informar-se e formar adequadamente seu pessoal. Isto eleva de maneira muito significativa o nível do rebanho, que passa a poder expressar de maneira mais adequada seu potencial genético. A diminuição das perdas por doenças clínicas e sub-clínicas, sub-alimentação e uso inadequado de tecnologia são muito difíceis de serem medidas, mas podem ser feitas algumas simulações, como as apresentadas no Quadro III. O atingimento das metas propostas no Quadro III não colocariam nossa pecuária no nível das mais desenvolvidas, mas elevaria o patamar tecnológico e teria profundos resultados econômicos e de produtividade, com alteração expressiva das condições gerais do agribusiness da pecuária de corte e leite.
Os números demonstrados no Quadro III são extremamente altos, mas expressam a realidade. Esses números devem ser ainda maiores, ao avaliarem-se os ganhos secundários, obtidos com melhoria da qualidade de mão-de-obra e outros ganhos advindos com mudança do patamar tecnológico. Atingir-se 50% das metas descritas naquele Quadro significaria um incremento de cerca de US$ 6 milhões da produção de carne, enquanto o sucesso em 100% das metas significaria um aumento de produção com valor de US$11.877,6 milhões, considerando-se apenas a produção de carne. Ganhos maiores seriam observados na produção de leite, pois a mudança de patamar levaria a um aumento de produtividade muito grande, principalmente pela especialização dos rebanhos.
A indústria de processamento e comercialização de sêmen agregaria ao seu faturamento cerca de US$120 milhões, a indústria de acessórios e suprimentos para inseminação quintuplicaria suas receitas, haveria um grande aumento nas vendas de insumos, medicamentos e vacinas. O produtor teria seus custos compensados pelo aumento de produtividade. O governo teria enorme aumento de arrecadação de impostos e poderia também colaborar para a diminuição de preços e custos com redução das alíquotas de impostos, tornando os produtos mais baratos e acessíveis e ajudando a absorver a produção.
É importante lembrar que a simples elevação de 1 Kg no consumo per capita de carne eleva nosso consumo em 158 mil t/ano, quantidade que seria adicionada à produção nacional pelo ganho genético observado com a utilização de 200% da inseminação artificial de hoje. Se cada criança brasileira ingerisse um único copo de leite por dia, o consumo seria de 4,4 milhões t/ano, cerca de 3 vezes o que se adicionaria com o incremento de 500% nas inseminações artificiais. Isto mostra que o mercado interno pode, com facilidade, absorver a produção que seria acrescida.
Um programa para se atingirem as metas
Como atingir as metas, sem a ajuda do poder público? Como financiar um programa desses?
A única maneira das metas de aumento da produtividade serem atingidas, diretamente com o aumento do uso de inseminação artificial e indiretamente com a mudança de patamar tecnológico, oriundo dessa utilização, seria uma maciça assistência técnica e difusão da biotecnologia da inseminação artificial em todos os municípios de pecuária expressiva do país. Os recursos necessários para implementação de um programa desta abrangência deveriam vir dos próprios pecuaristas. Suponhamos que cada Kg de carne contribuísse com US$0.03 e cada Kg de leite com US$0.005 para um fundo, gerido pelos próprios pecuaristas. Com as produções atuais, tal fundo teria uma receita de cerca de US$168 milhões oriundos da produção de carne e US$85 milhões da produção de leite, num total de mais de US$250 milhões/ano, aos níveis de produção de hoje.
Um programa gerido por este fundo, contratando 2.000 profissionais de nível superior e 2.000 técnicos agrícolas, com salários médios de, respectivamente, US$1,500.00 e US$700.00, teria um custo anual de cerca de US$100 milhões em salários e encargos, mais outros US$100 milhões em diárias e despesas de viagem, mais uns US$ 25 milhões de despesas administrativas. Restariam ainda outros US$25 milhões para serem aplicados em pesquisa e solução dos problemas da pecuária.
Considerações finais
O uso da inseminação artificial em larga escala traz enormes benefícios, diretos e indiretos, à pecuária de leite e corte do Brasil. No entanto, o para um expressivo aumento do uso desta biotecnologia, seria necessário implementar um grande e corajoso programa em todas as regiões de pecuária do país.
Conseguiriam profissionais envolvidos atingir as metas propostas pelo programa? Seria demais supor que cada um deles poderia aumentar o número de inseminações artificiais do país em 5.225 unidades? E o poder multiplicador que esses técnicos teriam? E os milhares de inseminadores que seriam treinados, muitos deles montando pequenas empresas de prestação de serviços, sendo remunerados diretamente pelos produtores e pelos fornecedores de produtos e insumos?
A mudança de patamar tecnológico e de competitividade de nossa pecuária exige mudança de hábitos, conhecimento, mudanças de manejo, sanidade, alimentação e de patrimônio genético dos animais. Isto só poderá ocorrer de maneira rápida com o uso rápido e intenso de material genético de alta qualidade através da inseminação artificial.
O correto equacionamento do problema exige vontade política, poder e capacidade de coordenação, esforço conjunto de todos os segmentos da economia envolvidos e muito trabalho. Mas as metas são absolutamente exeqüíveis, mas só podem ser atingidas com o envolvimento direto dos interessados.