O bem-estar animal tem sido preocupação crescente entre pesquisadores, produtores e consumidores de todo o mundo que passaram a exigir com maior intensidade uma conduta humanitária no tratamento dos animais, no que diz respeito à produção, transporte e abate.
Assim, para mostrar o que está acontecendo de mais atual no Brasil e no mundo frente a área de bem-estar animal, na cadeia produtiva bovina, o BeefPoint preparou algumas entrevistas com diversos pecuaristas brasileiros e diversos profissionais da área, em diversos países, os quais já adotam medidas de manejo que visam as boas práticas de manejo, compartilhando assim alguns casos de sucesso na pecuária de corte nacional e internacional.
Confira abaixo, entrevista exclusiva ao BeefPoint, com Jennifer Woods:
Jennifer Woods é mestre em medicina veterinária preventiva, com ênfase em bem-estar animal. Jennifer é especialista em manejo pecuário de Blackie, Alberta, Canadá. Ela obteve sua graduação em Ciência Animal na Universidade do Estado do Colorado e seu mestrado em Medicina Veterinária Preventiva na Universidade do Estado de Iowa.
Enquanto estudava na Universidade do Estado do Colorado, uma das professoras de Jennifer foi Temple Grandin. Esse foi o começo de uma relação que continuou com Grandin por mais de 20 anos como mentora, colega e amiga.
Jennifer tem mais de 25 anos de experiência na indústria pecuária e tem trabalhado como consultora da indústria desde 1998. Suas áreas de especialidade incluem eutanásia, manejo e comportamento animal, auditoria e avaliação do bem-estar animal (abate, fazenda, confinamento e transporte), resposta emergencial na pecuária, transporte e projeto de instalações. O trabalho de Jennifer já a levou para toda a América do Norte, Europa e Austrália.
Jennifer vive com seu marido Shawn e suas duas filhas, Ellie e Lane, em sua fazenda, onde cria ovinos da raça pura Southdown, tem um pequeno rebanho bovino e um cavalo. Em sua vida fora do trabalho, ela é líder do 4-H, pratica hockey e é uma esquiadora ávida.
BeefPoint: Por favor, conte sobre o trabalho que vem desenvolvendo na área de bovinocultura de corte e bem-estar animal no Canadá.
Jennifer Woods: Um grande marco foi alcançado dentro de nossa indústria de carne bovina, com a finalização dos novos Códigos de Práticas para Bovinos de Corte. Esse foi um projeto colaborativo entre produtores/agricultores, transportadores, veterinários, agências de aplicação e bem-estar animal, organizações de varejo e foodservice, processadores, governos e pesquisadores.
O Comitê de Desenvolvimento do Código e o Comitê Científico trabalharam juntos para desenvolver o Código baseado em ciência e consenso. O resultado é um Código que é cientificamente comprovado, prático e reflete as expectativas sociais para o cuidado “responsável” dos animais de produção.
Estamos agora começando a ver um desenvolvimento de programas de avaliação do bem-estar animal para o cumprimento dos códigos e para permitir auto-avaliações pelos produtores e para auditorias externas de outras partes interessadas (por exemplo, varejistas) – (www.nfacc.ca).
Temos visto um aumento significativo no financiamento relacionado ao bem-estar animal no que se refere à produção de carne bovina. O bem-estar durante o transporte, a mitigação da dor e procedimentos sem dor são algumas áreas que foram ou estão sendo atualmente avaliadas de uma perspectiva científica. Os resultados desses e de outros projetos foram usados para desenvolver nossos Códigos e continuarão a ser disseminados aos produtores.
O governo do Canadá também alocou financiamento para serviços agrícolas provinciais para fornecer subsídios à indústria pecuária para melhoria das práticas de produção animal. Os subsídios do Growing Forward estão disponíveis aos processadores, produtores e educadores, com a intenção de melhorar o manejo animal através de novas tecnologias, melhora no manejo das instalações, educação de funcionários ou implementação de padrões de bem-estar e programas de avaliação.
BeefPoint: Qual é a sua visão sobre as práticas de bem-estar animal em seu país?
Jennifer Woods: O bem-estar animal está definitivamente em primeiro plano na produção pecuária do Canadá. Como dito acima, a indústria tem sido muito pró-ativa no desenvolvimento de padrões de produção, financiamento de pesquisa e financiamento para a implementação e melhora do bem-estar animal na fazenda e a nível de abate.
Durante os 15 anos em que prestei consultoria para a indústria na área de bem-estar animal, houve um envolvimento significativo por parte dos produtores e de grupos da indústria em suas atitudes com relação ao bem-estar o animal.
Temos visto melhorias no bem-estar dos animais devido à melhoria nas instalações, práticas de transporte, iniciativas educacionais (por exemplo, o Códigos de Práticas, Diretrizes Inadequadas para Transporte de Bovinos) e programas de avaliação que começaram nas plantas de processamento, mas que começaram a ser feitos no transporte, confinamentos e fazendas. Todos os grupos de commodities agora têm comitê ativos de bem-estar animal, bem como muitas das unidades de produção.
BeefPoint: Em relação ao manejo de bovinos, quais os erros mais comuns cometidos pelos pecuaristas?
Jennifer Woods: Onde vejo os maiores desafios no trabalho com os bovinos, são nas coisas relativamente simples, as quais não recebem muita atenção ao efeito que terá no movimento de animais.
Exemplos: tentar apressar os animais, fazer muito barulho, movimentos rápidos/perseguição, aglomeração, enfim, maneja-los como um predador faria com eles. Como pessoas que manejam animais, precisamos fazer tudo o que podemos para nos minimizar como uma ameaça predatória e utilizar os instintos naturais dos animais para faze-los se mover.
Dentro das instalações tenho visto muitos cantos afiados, problemas de sombreamento e más condições de pisos, ou seja, coisas que levam o animal a hesitar. As instalações são frequentemente construídas como nós vemos, não como o animal vê.
A chave para um manejo efetivo dos animais é entender quais os comportamentos e instintos naturais do animal, junto com a forma como eles “veem” o mundo. Quando você faz com que os pecuaristas e manejadores de forma geral, entendam como os animais percebem suas ações e a influência das instalações sobre eles, eles podem frequentemente adotar facilmente novas práticas ou fazer mudanças em suas instalações para melhorar isso.
Entretanto, uma vez que as mudanças sejam feitas, pode ser muito fácil voltar à velha forma habitual de fazer as coisas, motivo pelo qual é tão importante monitorar continuamente o manejo e as instalações. Sem esse monitoramento, pode ser muito fácil voltar à velha forma de fazer as coisas sem ninguém notar.
BeefPoint: Você acredita que o pecuarista tem procurado empregar técnicas de manejo racional, treinar mão de obra, assim como reestruturar seus hábitos e tradições de anos?
Jennifer Woods: Sim, definitivamente. Estamos vendo produtores buscando se educar e educar seus funcionários. O bem-estar animal está sendo adotado em programas da indústria e planos de negócios individuais.
À medida que as velhas instalações de manejo estão sendo substituídas, os produtores estão usando o tempo para projetar novas instalações com consideração dada ao movimento e ao comportamento animal, versus apenas substitui-las com exatamente a mesma coisa. Assim como acontece com todas as coisas, você terá seus inovadores, seguidos pelos primeiros que adotarão, a maioria, e então os retardatários.
BeefPoint: Que mensagem você deixaria para os pecuaristas em âmbito de bem-estar animal?
Jennifer Woods: Você precisa fazer tudo o que pode para se educar continuamente sobre as melhores práticas e atitudes, percepções e expectativas dos consumidores. Sem esse engajamento contínuo, conscientização e melhora, perderemos nossa licença social para criar animais da forma que sabemos que é a melhor.