Na segunda parte desse artigo serão discutidos aspectos relacionados às características morfo-fisiológicas e aos teores de ácido cianídrico, tanino e amido.
1. Características morfo-fisiológicas
O sorgo apresenta inflorescëncia terminal do tipo panícula, sendo sustentada por um pedúnculo ereto ou recurvado (ráquis), proveniente do colmo principal ou de eventuais perfilhos. A forma e o tamanho da panícula são variáveis, podendo se apresentar aberta ou compacta e manifestar diferentes colorações quando maduras. Os frutos do tipo cariopse (grãos), variam significativamente no tamanho (18 a 30 mil unidades por quilo), na forma e na coloração, sobressaindo-se as cores cinza, amarela, roxa, vermelha e marrom.
O sorgo é uma planta tropical de crescimento estival que suporta melhor altas temperaturas do que a maioria das outras culturas. O desenvolvimento de variedades e híbridos de maturação precoce permitiu o cultivo do sorgo em regiões cuja precipitação pluviométrica anual não exceda os 380 mm e em condições de clima temperado, desde que possua estação estival quente suficiente ao seu desenvolvimento. É muito resistente à desidratação devido ao seu sistema radicular fibroso e muito extenso (podendo atingir até 1,5 m de profundidade, valor este normalmente 50% maior que o do milho), ao ritmo de transpiração eficaz (retardamento do crescimento) e características foliares das xerófitas, como a serosidade e a ausência de pilosidade, que reduzem a perda de água da planta.
É mais resistente à seca do que o milho, tolera mais um excesso de umidade do solo, onde um breve período de inundação não provocará perdas na colheita. Devido ao tamanho reduzido de suas sementes, exige um preparo de solo e cuidados na semeadura mais intensos que o milho, além de menor tolerância à seca da germinação até 20 a 25 dias de crescimento. Da mesma forma que o milho, um outro ponto crítico com relação à disponibilidade de água que apresenta na fase de polinização e granação (enchimento dos grãos), compreendida entre 50 a 60 dias após a germinação. Essas peculiaridades conferem ao sorgo adaptabilidade a solos de baixa fertilidade, todavia, é considerada uma cultura exaustora de nutrientes do solo, principalmente se a cultura for toda retirada da área, como ocorre na produção de silagens. Com manejo e fertilização apropriados pode propiciar altas produções na maioria dos solos.
2. Ácido cianídrico
O sorgo possui um heteroglucosídeo cianogënico, a durrina (C14H17O7N), que encontra no rúmen condições ideais para ser transformado por ação enzimática da emulsina em ácido cianídrico, glucose e p-hidroxibenzaldeído. Dependendo do nível de ácido cianídrico, pode haver morte do animal por asfixia.
O risco de intoxicação é maior quando o sorgo é utilizado para pastejo direto ou corte, principalmente nas rebrotas, pois a durrina concentra-se mais nas folhas superiores das plantas. Entretanto, com o avanço da maturidade ocorre uma redução dos níveis desta substância na planta, que só deve ser utilizada quando atingir aproximadamente um metro de altura ou estiver próxima do florescimento, porque seguramente este nível tóxico é bem baixo (10% do encontrado na fase vegetativa), não apresentado nenhum perigo aos animais.
Adubações nitrogenadas podem aumentar os valores de ácido cianídrico (HCN) na planta, dependendo do nível de nitrogênio do solo. Há também correlação positiva entre conteúdo de ácido cianídrico em sorgo e temperatura média diária, e negativa com a precipitação pluviométrica. Em países de clima tropical o problema é menos intenso do que em climas temperados, inclusive com animais pastejando plantas novas sem apresentarem intoxicação, provavelmente pelo metabolismo mais intenso das plantas de sorgo nesses climas.
Forragens na forma de feno (desidratadas) apresentam uma redução nos teores de ácido cianídrico mas podem apresentar intoxicação pelo maior consumo de matéria seca em menos espaço de tempo, principalmente em fenos de plantas novas cortadas após geadas. O processo de fermentação que ocorre com a silagem evita intoxicação pela decomposição dos princípios tóxicos em gases inofensivos, aliado ao fato de que no momento da ensilagem as plantas encontram-se com níveis reduzidos do ácido.
Em função dos teores de ácido cianídrico, os sorgos podem ser classificados quanto ao seu grau de toxicidade em “muito baixo” (0 a 25 mg/100g matéria seca), “baixo” (25 a 50 mg), “médio” (50 a 75 mg), “alto” (75 a 100 mg) e “muito alto” (100 mg).
3. Tanino
O tanino, complexo de polímeros fenólicos, é encontrado nos sorgos em níveis muito variáveis, mas pode inclusive servir como parâmetro para classificação dos mesmos em tipos com baixos ou altos teores. Variedades de sorgo cujas sementes apresentam pericarpo escuro se caracterizam por apresentarem elevado teor de tanino (1,3 a 2,0% ou mais), enquanto que as de cor clara, baixos teores (0,2 a 0,4%). Sorgos com altos teores de tanino são conhecidos também com anti-pássaros.
Os principais taninos encontrados nos grãos de sorgo são as leucoantocianinas. Proantocianinas tëm sido identificadas em folhas de muitas espécies e pigmentos de flores. Os taninos das folhas de sorgo não têm sido bem identificados. A sua concentração nas diversas partes da planta varia com o estádio de desenvolvimento. Monômeros de tanino são continuamente sintetizados nos frutos e folhas e são polimerizados em órgãos mais velhos. Esta condensação dos monômeros é causa da redução da adstringência. Aos taninos e seus monômeros, substâncias adstringentes presentes nos vegetais, são atribuídas a indisponibilidade da fração protéica por insolubilização, depressão de consumo voluntário e inibição do crescimento bacteriano.
Tem sido atribuído à silagem de sorgo, valor nutritivo e desempenho animal inferiores aos da silagem de milho. Fatores antiqualitativos como o teor de tanino nos grãos a nas demais partes da planta de sorgo têm sido apontados como alguns dos responsáveis por esta característica em função da correlação negativa entre o seu teor e a digestibilidade da matéria seca. O processo de ensilagem reduz o teor de tanino dos grãos e aumenta a sua digestibilidade, mas pouco influi sobre o seu teor em outras partes da planta. Entretanto, o tanino dos grãos representa a maior parte do tanino presente na planta; isto evidencia que o tanino dos grãos deve ser diferente do tanino daquele presente nas outras partes da planta. As ráquis apresentaram altos teores de tanino, entre 7,8 e 9,7% na MS.
4. Amido
O amido é a principal fonte de energia nas dietas para ruminantes de alta produção. Assim melhorar a utilização do amido é fundamental para aumentar a eficiência na produção animal. No Brasil, o milho é indiscutivelmente o mais utilizado, havendo modesta utilização do sorgo em algumas regiões do país. Outros cereais não tem expressão no Brasil como fonte de amido para ruminantes .
Os grãos de cereais, além de diferentes quanto ao conteúdo de amido também diferem quanto às suas disponibilidade e digestibilidade no trato digestivo, sendo a degradabilidade in situ da aveia (58,1% de amido), da cevada (64,3%) e a do trigo (70,2%) maiores do que milho (75,7%) e sorgo (71,3%), com uma tendência dos cereais com taxas mais altas serem aqueles com menores teores de amido. Parte dessas diferenças é atribuída ao tipo de amido (relação amilose/amilopectina), às interações amido/proteína é à possível presença de fatores anti-qualitativos nos grãos, como o tanino. As barreiras físicas para a digestão do amido incluem a cutícula da semente, a matriz protéica que envolve os grânulos de amido e a baixa solubilidade do amido, por si só. O amido é formado e armazenado em cápsulas de matrizes protéicas sendo as do milho e do sorgo reconhecidamente menos digestíveis do que as do trigo, cevada e aveia. Um aumento no valor alimentar do amido dos grãos depende, principalmente, da degradação ou ruptura da matriz protéica, processo conhecido comumente como gelatinização do amido.
A trituração, moagem ou laminação à seco rompem a cutícula mas normalmente têm pouco efeito sobre a matriz protéica que envolve o amido ou sobre a sua solubilidade, sendo que a degradabilidade do amido de sorgo melhora quando a matriz protéica é rompida e que moagens, prensagens e esmagamento seco não alteram ou alteram muito pouco a matriz protéica mas apenas a cutícula. Já tratamentos com calor e/ou umidade, como micronização, extrusão, hidrolização e floculação, associados ou não a prensagens, apresentam efeitos positivos sobre a digestibilidade de grãos de sorgo.
A indústria animal nos Estados Unidos considera que para o trigo, aveia e cevada não haverá qualquer retorno econômico ao se investir em processamento. Já no caso do sorgo, o processamento tem sido vantajoso, devido ao menor preço do grão e ao aumento do valor nutritivo causado pelo processamento. A possibilidade de sucesso com o processamento do milho depende, principalmente, do valor de aquisição do produto, uma vez que a melhoria não é tão expressiva quanto à do sorgo. O NRC (1984) apresenta valores de Elm, Elg, e NDT para o milho inteiro e laminado seco de 2,24, 1,55 e 90% e para o milho floculado a vapor de 2,38, 1,67 e 95%, portanto, com acréscimos de 6 a 8% com o processamento. Para o sorgo inteiro e laminado seco os valores são de 2,06, 1,40 e 84% e para o floculado à vapor de 2,30, 1,60 e 92%, portanto, com acréscimos de 10 a15%.
COMENTÁRIO: O sorgo possui características que lhe conferem maior resistência à seca e à disponibilidade de nutrientes, contudo não deve-se interpretar isso como menor necessidade de nutrientes, além do fato de culturas para silagem serem altamente extratoras, especialmente quando as produções são elevadas. Existe uma preocupação excessiva dos pecuaristas com relação a possíveis intoxicações pelo ácido cianídrico, pois em condições tropicais não há relatos de intoxicações. Isso se deve ao uso quase exclusivo do sorgo de linhagens de baixos teores de durrina para silagem e grãos, sendo poucas as propriedades que o utilizam para fenação ou pastejo. Com relação ao tanino, as empresas de sementes têm lançado materiais, na maioria dos casos, com baixos teores de tanino, o que praticamente também elimina esse problema.
Fonte: DEMARCHI, J.J.A.A.; BOIN, C.; BRAUN, G. A cultura do sorgo (Sorghum bicolor L. Moench) para a produção de silagens de alta qualidade. Zootecnia, v. 33, n.3, p.111-136, 1995.