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Pecuária orgânica certificada: uma alternativa sustentável para o Pantanal

Por Ivens Domingos1

No Brasil, durante a Conferência das Nações Unidas para o Desenvolvimento e Meio Ambiente (ECO – 92, popularizada no Brasil como Rio-92), organizações governamentais e não-governamentais já discutiam os impactos do desenvolvimento econômico sobre o meio ambiente e resgataram o conceito de sustentabilidade na agropecuária. Essa sustentabilidade deveria corresponder ao desenvolvimento econômico associado ao desenvolvimento social e a regras de proteção ambiental.

Em 1996, com a detecção, na Inglaterra, do primeiro surto de Encefalopatia Espongiforme Bovina (BSE), conhecida como doença da “Vaca Louca”, a comunidade internacional despertou para o problema da segurança alimentar. Despertou para a necessidade de se pensar a forma como nossos produtos de origem animal, como exemplo a carne, estavam sendo produzidos, beneficiando a alta produtividade e lucro em detrimento dos princípios de bem-estar animal, de qualidade e segurança dos alimentos, e de conservação do meio ambiente.

Dentro desse contexto, surgiu a Pecuária Orgânica no Brasil: uma alternativa produtiva diretamente relacionada a atender a essas “novas” necessidades. Já em 1997, durante o Fórum Nacional de Pecuária de Corte, o setor produtivo em geral, como o ocorrido na ECO – 92, reconheceu o manejo orgânico como uma alternativa de produção economicamente viável, socialmente justa e ambientalmente correta. A avaliação era que a produção de carne bovina orgânica apresentava um potencial de agregação de valor diferenciado sobre o produto convencional. No Mato Grosso do Sul, o tema foi abordado pela primeira vez durante o Encontro sobre Pecuária Orgânica da Sociedade de Buiatria, realizado em 1999. No encontro, foram iniciadas discussões sobre a aplicabilidade deste modo de produção como uma alternativa viável para o Pantanal.

Ainda hoje, muitas dúvidas existem quanto ao que é a pecuária orgânica certificada. Encontramos uma das definições sobre o sistema orgânico de produção no trabalho de Santos et all, (2002) da Embrapa Pantanal: “O sistema de produção pecuária de corte orgânica, é um sistema baseado numa visão holística, que está inserido dentro de princípios de agroecossistemas sustentáveis, cujo enfoque engloba dois componentes essenciais: ambiental e social; este sistema tem por objetivo a produção que mantenha o equilíbrio ecológico dos agroecossistemas com a satisfação, direta, ou indireta, das necessidades humanas”.

Ou seja, a produção orgânica busca a introdução de novos valores de sustentabilidade ambiental e social dentro do sistema produtivo, onde a propriedade rural é vista como um organismo equilibrado em todas as suas funções. O manejo orgânico visa o desenvolvimento econômico e produtivo que não polua, não degrade e nem destrua o meio ambiente e que ao mesmo tempo valorize o homem como o principal integrante do processo.

No entanto, é preciso ficar atento para não confundir o produto deste sistema, que é o “boi orgânico”, com o chamado “boi verde” ou “boi natural”. O “boi verde” é o animal que é advindo de um sistema de criação basicamente a pasto sem agrotóxicos, que pode ser suplementado com alimentos de origem vegetal e o confinamento destes animais é permitido até 90 dias antes do abate. O mesmo acontece com o “boi orgânico”, mas as coincidências acabam por aí.

O processo de criação do “Boi Orgânico” necessita de certificação. A certificação exige, entre outras coisas, a suplementação exclusivamente com alimentos de origem vegetal, dos quais 80% devem ser orgânicos; o uso restrito de medicamentos alopáticos, a proibição do uso de agrotóxicos e fertilizantes sintéticos e o cumprimento da legislação ambiental e do Código Florestal Brasileiro. No quadro abaixo estão sintetizadas algumas diferenças básicas no modo de produção:


Além das vantagens locais, a produção de animais que dará origem a uma carne sem resíduos tóxicos e produzidos sem comprometer o meio ambiente, trará a possibilidade de ofertar um produto de extrema qualidade. Segundo a perspectiva das associações do setor, a carne bovina orgânica tem, em um futuro próximo, a real possibilidade de alcançar bons preços, tanto no mercado externo, quanto no interno, diante da demanda cada vez maior por parte de consumidores preocupados com a segurança alimentar e com o meio ambiente. Do ponto de vista sócio-ambiental, vantagem ainda maior é poder contribuir com a preservação e conservação dos recursos naturais.

O WWF-Brasil acredita que a Pecuária Orgânica Certificada pode contribuir com a sustentabilidade ambiental do Pantanal e da Bacia Hidrográfica do Alto Paraguai (BAP) como um todo no Brasil.

Sua adoção, somada à implantação de uma rede de Áreas Protegidas, ao uso racional dos recursos naturais renováveis e ao Turismo Responsável, poderão garantir a manutenção da biodiversidade regional e dos processos ecológicos junto com o desenvolvimento sócio-econômico.

O Programa Pantanal para Sempre é um dos mais de 70 projetos do WWF-Brasil e vem atuando no fomento e estudo deste sistema produtivo na BAP desde 2003, quando teve início sua parceria com a Associação Brasileira de Pecuária Orgânica (ABPO) e EMBRAPA Pantanal em Mato Grosso do Sul. A intenção é dar continuidade às suas ações buscando envolver outros atores.

Como resultado concreto das nossas ações iniciadas em 2003, neste mês lançaremos em parceria com a ABPO o “Fundo Rotativo de Fomento a Pecuária Orgânica Certificada no Pantanal” e na mesma ocasião lançaremos também uma publicação denominada: “Cenário Atual da Pecuária Bovina de Corte Orgânica Certificada na Bacia do Alto Paraguai – Brasil”.

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1Ivens Domingos, Médico Veterinário, Técnico do Programa Pantanal para Sempre, WWF-Brasil

0 Comments

  1. Fabio Ramos disse:

    Prezado Ivens,

    O artigo está muito bom, evidência a pecuária orgânica como um modelo sustentável e que poderá viabilizar regiões que apresentam aptidão de preservação através de sistemas equilibrados e geradores de um alimento de alta qualidade.

  2. Luiz Marcos de Oliveira Penna disse:

    O autor estaria certo se paralelamente a esta certificação orgânica das propriedades pantaneiras existisse um mercado comprador para as mecadorias aí produzidas.

    Quando a experiência de hoje já mostrou que o fato ocorrido foi uma diminuição na produção já baixa no pantanal e uma mercadoria que encalhou.

    Tudo fácil de ser entendido, já que o ambiente pantaneiro é favorável à proliferação de insetos e tem seu produto, a carne proibida de entrar na Europa, principal mercado orgânico mundial.

  3. José Ultímio Junqueira Junior disse:

    É realmente uma pena que ONGs bem intencionadas como a WWF Brasil não consigam ter uma visão mais abrangente de que a proibição ou desincentivo ao uso de “fertilizantes sintéticos”, notadamente os nitrogenados, aumentam a necessidade horizontal de produção e consequentemente o avanço pecuário em áreas ambientalmente inalteradas.

    A introdução bem orientada de nitrogênio no sistema pecuário é a única forma de reduzir o desmatamento irresponsável.