Entre 1990 e 2019, aumento da produtividade pecuária evitou que 270 milhões de hectares fossem desmatados e ainda devolveu 30 milhões de hectares para outras atividades ou regeneração da flora
A crise de saúde pública e econômica, criada pela pandemia, colocou o agro em destaque. No entanto, no caso brasileiro, a sociedade ainda recebeu, como brinde, uma crise política, preparada pela classe eleita para conduzir a administração do país.
Em meio ao caos de desinformação e polarização, e mediante o risco de possível enfraquecimento da Ministra Tereza Cristina, cuja boa atuação é praticamente consenso entre todos os profissionais do agro, diversas lideranças foram acionadas para falar sobre os ganhos do campo nos últimos anos. E foram muitos os ganhos.
Cruzando as diversas bases de informações disponíveis, em 2018, a Athenagro divulgou pela primeira vez um dado que vem sendo atualizado anualmente, à medida que as informações oficiais são divulgadas.
A área utilizada pela pecuária e pela agricultura, somando todas as atividades, desde hortícolas até reflorestamento, somava 248,4 milhões de hectares em 2003. Naquele ano foram produzidas 610 milhões de toneladas de produtos vegetais e 40,2 milhões de toneladas de produtos de origem animal.
Em 2019 os brasileiros ocuparam 240,8 milhões de hectares para todas as atividades. A produção, no entanto, atingiu 1,1 bilhão de toneladas de produtos vegetais e 66,5 milhões de toneladas de produtos de origem animal. Produção vegetal e animal tiveram um incremento de, respectivamente, 81% e 66% em 16 anos. A área total para produção agropecuária recuou 7,6%.
Em 2003, os pecuaristas e agricultores retiravam cerca de 2,6 toneladas de produtos agrícolas para cada hectare utilizado, enquanto no último ano foram 4,9 toneladas por hectare, um aumento de 86% no desempenho por hectare. Como a produtividade está aumentando, a qualidade do solo também melhora, consequência de melhores práticas conservacionistas e condução dos tratos culturais.
Números do uso de defensivos e fertilizantes, apresentados de forma sensacionalista pelos críticos, ludibriam a opinião pública. É justamente a utilização responsável de tais produtos que permite obter tamanho desempenho no uso do solo e da água. Se fossem ruins como dizem, a produção não aumentaria, visto que plantas e animais são seres biológicos e, assim como o ser humano, sofreriam consequência do tal “envenenamento” alardeado pelos engajados em torno de bandeiras incompreensíveis.
O aumento da produtividade não é linear pelo desempenho de cada cultura. Para analisar as culturas, todas atividades precisam ser avaliadas separadamente. A produtividade da pecuária de corte, por exemplo, aumentou 55% entre 2003 e 2019.
A mudança no uso do solo é um dos fatores que explicam o desempenho do campo nesse quesito. Na média, uma área de pecuária de corte produz cerca de 65 quilogramas de carcaça por ano. Mesmo considerando a produtividade média da amostra do Rally da Pecuária, expedição anual que entrevista produtores em todo o Brasil, a produtividade será de 190 kg/ha, podendo atingir quase 1 tonelada por hectare entre os mais produtivos.
Quando essa área passa para soja, a quantidade de grãos retirada da área facilmente atinge 3 toneladas por hectare. Se ainda for plantada uma segunda safra de milho, a área renderá entre 9 e 10 toneladas por hectare. O mesmo raciocínio pode ser usado para cana-de -açúcar, eucalipto e outras culturas que avançam sobre área de pastagens.
Apenas para evitar confusões com o uso dessa análise: em termos de demanda humana, é evidente que a densidade nutricional e qualidade da composição dos alimentos não estão sendo consideradas. Mesmo quando se compara a proteína bruta de culturas vegetais com a proteína animal, não é considerada a qualidade da composição de aminoácidos em ambas as fontes. Essas comparações inadequadas podem ser atribuídas à má fé ou ignorância. Não é assunto do texto, mas em hipótese alguma, proteína vegetal substitui nutricionalmente a proteína de origem animal nas mesmas proporções.
Voltando ao raciocínio, no período, a área de agricultura aumentou cerca de 14 milhões de hectares, sendo que a área total de pastagens recuou quase 22 milhões de hectares. Mesmo computando o desmatamento, de acordo com números oficiais para as pastagens levantados pelo INPE/Prodes, a quantidade de área repassada para agricultura, somada à área perdida por infestação de plantas invasoras, é suficiente para registrar redução na área cultivada no Brasil.
Esse avanço é possível pelo aumento do aporte tecnológico na produção de carne, o que não ocorre de forma bem distribuída entre todos os produtores. Os pecuaristas mais ágeis melhoram seus sistemas de produção, obtendo maior rentabilidade e ampliando sua escala com produtividades cada vez mais elevadas. Do outro lado, os menos eficientes, grandes ou pequenos, vão perdendo parte de suas pastagens, tanto para a agricultura, como pelo início do processo de recomposição da vegetação natural.
Entre 2003 e 2019 foram repassados 2,2 hectares de pastagens para agricultura para cada hectare desmatado, segundo números oficiais. E foi iniciado o processo de regeneração em 1,3 hectare, para cada hectare desmatado. O repasse para agricultura intensificou-se a partir dos anos 2000, quando se concentrou praticamente 80% de toda a área que foi convertida.
Para analisar um período mais longo, depois de 1990, o total desmatado somou 40,7 milhões de hectares. Foram repassados 17,5 milhões de hectares para a agricultura e outros 53 milhões de hectares de pastagens foram perdidos por degradação, iniciando a regeneração da vegetação natural.
Enganam-se os que acreditam que essa dinâmica seja uma retração da importância pecuária. Analisando a história do avanço para o interior, é possível concluir que a área de pastagens estava fadada a ser substituída por outras atividades, à medida que as condições mínimas fossem chegando às regiões mais distantes dos grandes centros. Seja por demanda, seja por infraestrutura, sempre foi previsível que a pastagem cederia espaço para culturas agrícolas.
A pecuária nunca foi, e nem é, vetor de desmatamento, mas sim consequência do mesmo. Trata-se da atividade mais adaptável para uma região sem infraestrutura alguma.
Há quem analise a produção com base em indicadores do passado, sem considerar o avanço tecnológico. Se as premissas dessas análises estivessem corretas, a pecuária brasileira teria que ocupar atualmente 430 milhões de hectares. O cálculo é obtido pela produção atual de carne com base no nível tecnológico de 1990.
Somando ainda o balanço entre desmatamento e as áreas em processo de regeneração e repassadas para agricultura, é possível associar o avanço da produção pecuária com a conservação de 300 milhões de hectares nos últimos 30 anos.
Além da produção de carne, e de todos os avanços econômicos e sociais, a pecuária brasileira é responsável pela de proteção ambiental média de 10 milhões de hectares a cada ano.
Fonte: Por Maurício Palma Nogueira, engenheiro agrônomo e diretor da Athenagro e coordenador do Rally da Pecuária