Instalados em uma região onde o desmatamento do bioma amazônico era corriqueiro até poucos anos atrás, os produtores de gado bovino do Pará – ou pelo menos parte deles – parecem ter sido convencidos de que investimentos em pastagens, entre outras práticas positivas antes deixadas de lado, é um caminho sem volta para sustentar a produção.
Tendência nacional, a intensificação do uso de tecnologias na pecuária para elevar produtividade e lucros é, no caso do sudeste do Pará, também uma evidente resposta à pressão ambiental. Os produtores não podem mais simplesmente deixar pastos degradados para trás, abrir uma nova clareira na floresta e transferir seus rebanhos, sob o risco de perda de crédito e clientes.
Bruno Garcez, proprietário da Fazenda Nossa Senhora do Carmo, localizada em Cumaru do Norte, sente na pele a mudança. O município está embargado pelo Ministério do Meio Ambiente e, portanto, ele não pode receber crédito oficial, o que tem prejudicado seus planos de investir em melhorias. A propriedade de Garcez tem 20 mil hectares e abriga 20 mil cabeças. “Há muito tempo, o que o pessoal fazia quando a fazenda piorava aqui na região? Abria mata. Hoje isso não é mais possível”, diz Leandro Lucena Barros, filho de um megapecuarista do Pará e fundador da Libra Nutrição Animal, com sede em Redenção.
Ainda que o ambiente seja preponderante, não é único responsável pela maior “tecnificação” dos pecuaristas no Pará. Outros fatores contribuem para acelerar a tendência. Em primeiro lugar, os produtores estão mais capitalizados, já que os preços do boi têm se mantido elevados. Além disso, o avanço de lavouras sobre pastagens, em especial em municípios próximos de Mato Grosso, como Santana do Araguaia, praticamente obriga que os animais ocupem menos espaço, o que estimula os ganhos de produtividade.
Por fim, há um elemento nem sempre compreendido à primeira vista: o ataque de pragas e plantas invasoras sobre as pastagens. Nesse sentido, a relutância dos pecuaristas do Pará em investir em suas propriedades também tem sido quebrada “pela dor”, observa o agrônomo Maurício Nogueira, sócio e coordenador da divisão de pecuária da Agroconsult. “A baixa tecnologia no Pará já não é uma opção viável”.
Na prática, as pastagens do Estado que estavam em pior qualidade, com baixo volume de massa e porções de terra descobertas, facilitaram a disseminação do capim duro, uma planta invasora semelhante aos pastos que não é bem digerida pelo boi. Ao contrário de outras invasoras, como o capim de folha larga, o capim duro não pode ser combatido com os herbicidas disponíveis. Como não existem agrotóxicos com atuação seletiva apenas para eliminá-lo, os herbicidas que matariam essas plantas invasoras também dizimariam a própria pastagem.
“Eles tentaram de tudo para evitar o capim duro, mas o que está sobrando é aplicar tecnologia”, afirma Nogueira. Por tecnologia, entenda-se o investimento em adubos não apenas quando o pasto é plantado, mas também ao longo da vida útil da pastagem, o que não era feito quando o “custo de oportunidade” de avançar sobre áreas de florestas era maior. Mas os benefícios desse tipo de aporte vão além. De acordo com cálculos da Agroconsult, a rentabilidade no Pará do pecuarista que usa um “pacote tecnológico completo” será de R$ 955 por hectare neste ano, ante R$ 16 no caso da adoção de um nível baixo de tecnologia.
Nos cálculos do pacote tecnológico completo estão incluídos a adubação de pastagens para ampliar a lotação de gado por hectare, a melhora do nível de nutrição animal com o uso de ração baseada em grãos e suplementos minerais para acelerar o ganho de peso – inclusive com o uso de confinamentos – e aportes em reprodução. Mas no Pará, ressalta Nogueira, é o capim duro que fala mais alto.
Na Agropecuária Santa Bárbara, que reúne fazendas do Grupo Opportunity, do banqueiro Daniel Dantas, a degradação das pastagens e o capim duro se tornaram problemas graves. A empresa chegou a ter o maior rebanho bovino do país com mais de 500 mil cabeças, mas deverá encerrar 2015 com pouco mais de 200 mil, conforme Marco Antonio Miguel, gerente da Fazenda Espírito Santo, uma das propriedades do grupo. Ao todo, as fazendas da Santa Bárbara – que costumam ser alvos frequentes de ações do Movimento dos Trabalhadores Rurais Sem Terra (MST) – ocupam 500 mil hectares – área mais de três vezes maior que a da cidade de São Paulo.
“A Santa Bárbara tem um histórico de lotação fora do padrão”, afirma Miguel. Segundo ele, as fazendas do grupo chegaram a contar com 6 “unidades de animal” por hectare – uma “unidade de animal” é equivalente a 450 quilos -, mas agora não há saída a não ser reduzir o rebanho, melhorar as condições das pastagens e só então pensar em expansão. No fim do processo, o grupo deverá ter mais bois em uma área de pastagens menor, já que as fazendas em Santana do Araguaia e Cumaru do Norte vão ampliar a área plantada com soja, hoje em 15 mil hectares. Além disso, a Fazenda Espírito Santo, em Xinguara, já conta com um confinamento para 20 mil animais.
Nos municípios de Rio Maria e Redenção, as apostas em tecnologia também estão em alta. A Fazenda Rio Maria, que pertence ao frigorífico de mesmo nome, hoje tem um rebanho de 8 mil cabeças de gado bovino, mas o pecuarista Umberto Paulinelli já projeta 16 mil cabeças na mesma área, com melhorias no pasto. Já o grupo Floresteca, que tem uma propriedade em Redenção controlada por sócios americanos e planta árvores de teca voltadas à produção de madeira, também conta com gado de corte e está investindo em pastagens e confinamento.
Conforme José Maria Goldschmidt, consultor da Floresteca, o projeto teve de contemplar aportes em tecnologia diante das restrições à expansão de área e em razão das dificuldades impostas às pastagens pela sombra das árvores. No caso específico da Floresteca, a questão ambiental se somou à restrição de compra de terras por estrangeiros, o que a impediu de cumprir o objetivo de plantar 32 mil hectares de teca. Hoje, são 19 mil hectares plantados.
Fonte: Valor Econômico, adaptada pela Equipe BeefPoint.