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Plano argentino ainda não tem medidas para o crescimento

O pacote de emergência lançado pelo governo de Alberto Fernández busca estancar os efeitos sociais da recessão com aumento de impostos e a proibição prática da formação da poupança em dólares pelos argentinos, um costume nacional desenvolvido ao longo de muitos episódios de inflação que destruiram o peso. As medidas quase nada fazem para relançar investimentos privados (queda estimada de 14,5% em 2019), enquanto coloca alguma fé em que o crescimento possa se fortalecer por meio do consumo. É uma iniciativa de curto prazo em busca de outras (não se sabe quais) para tentar consertar o país.

Os investidores externos reagiram com moderado otimismo, com queda do riscopaís, mas as ações caíram – nenhum dos dois movimentos foi muito amplo. A reação positiva ocorreu porque havia expectativa de um plano que ampliasse o déficit público para financiar gastos com programas sociais, um dos maiores compromissos eleitorais de Fernández. Isso não ocorreu – essas despesas serão financiadas com uma chuva de impostos que podem elevar as receitas do governo em até 2% do PIB (El Cronista, ontem). O pacote não ampliará o buraco nas contas públicas.

O fundamental foi a definição das medidas pelo ministro da Economia, Martín Guzmán, de que o pacote emergencial não eleva o déficit público, mas tampouco a Argentina está em condições de ter um plano que aprofunde o ajuste fiscal. Com Macri, a situação fiscal caminhava para algum equilíbrio. O déficit primário é inferior a 1% e o déficit nominal, pelas altíssimas taxas de juros praticadas para estancar a inflação e a fuga dos dólares, é de 3,7% do PIB.

Estima-se que a maior parte do aumento de receitas fiscais virá das retenções sobre as exportações agrícolas (33% para a soja, 14% para o trigo e 9% para carnes) e do imposto de 30% sobre gastos com a compra de moeda, no país ou no exterior e de gastos dos argentinos fora do país. Não serão desprezíveis os ganhos com o aumento dos tributos sobre bens pessoais (imóveis, principalmente) cujas alíquotas subiram de 0,25% a 0,75% para 0,5% a 1,25% e podem atingir 2,5% para bens declarados no exterior.

Outra decisão vital é desestimular a poupança em dólar. Os 30% sobre compras em divisas devem perdurar por 5 anos. A contrapartida será o fim dos impostos sobre renda financeira para aplicações em pesos (fundos de investimentos, renda fixa e bônus soberanos). É duvidoso que as medidas acabem com o hábito argentino de entesourar dólares, mas é certo que provocarão ruídos no câmbio. Exportadores não agrícolas terão dólares para vender e o dólar paralelo abriu diferença de 20% sobre o oficial após o pacote. Os importadores poderão comprar divisas para pagamentos externos sem a cunha dos 30%, o que também abre brechas para lucrativas manipulações cambiais.

Do lado dos gastos, o governo dará dois abonos de 5 mil pesos cada, em dezembro e janeiro, para os aposentados que ganham o piso da previdência. O impacto estimado é nulo, porque todos os demais aposentados terão congelados por 180 dias os reajustes, o que é doloroso com inflação de 52,1%, até que seja definida nova forma de correção. No governos Kirchner, o reajuste para além do piso era discricionário e teme-se a repetição da fórmula agora. As tarifas públicas foram congeladas por seis meses – e já estavam paradas há seis meses, por determinação de Mauricio Macri.

Se o pacote, com algum otimismo, pode tirar o país da recessão, não vai longe na questão dos investimentos – de apenas 14% do PIB. Haverá reorganização dos débitos das pequenas e médias empresas, com perdão de juros, multas, seis meses de prazo de carência e 10 anos para quitação de dívidas – uma espécie de Refis. Mas o crédito bancário caiu 40% no ano para as empresas. Não há medidas propriamente de estímulo à economia, apenas as que buscam consertar males deixados por três anos de recessão e empurrar o consumo.

Os investimentos privados e públicos estão baixos e o país não poderá contar com poupança externa tão cedo. Não se sabe como a Argentina pretende equacionar sua enorme dívida externa (US$ 332 bilhões, 76% em dólares) nem seu plano para reestruturá-la. A ideia é de que só com o crescimento ela começará a ser paga e não há ainda motores evidentes que impulsionem a expansão. O alívio dos investidores veio da impressão inicial de que o Estado não fará política expansionista para tanto. De onde sairão os recursos para investir ainda é uma incógnita.

Fonte: Valor Econômico.

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