Não há como negar, 2004 não foi um ano bom de preços. Os frigoríficos exportadores discordam. Afinal, as vendas externas somaram 1,78 milhão de toneladas equivalente carcaça, com faturamento de US$2,46 bilhões. Aumento de 41% em volume e 62% em receita comparando com 2003.
O preço da tonelada equivalente carcaça exportada subiu, em dólares, 16%. A carteira brasileira de clientes saltou de 106 para 143 países. A liderança do ranking mundial de exportadores foi assegurada. O Brasil deu show de competência e competitividade no mercado internacional.
Internamente, porém, no mesmo período, a cotação média do boi gordo, considerando as 25 praças pesquisadas pela Scot Consultoria, reagiu, em dólares, 8%. No atacado, o equivalente físico, também em dólares, subiu 10%.
Lá fora foi tudo bem, mas aqui não. No caso dos produtores, o baque foi especialmente forte, em função da pressão dos custos, que acompanharam a evolução dos preços de insumos. Alguns fertilizantes, por exemplo, ficaram até 40% mais caros em 2004 em relação a 2003.
Somente os preços dos alimentos concentrados recuaram. Justamente porque o agricultor recebeu menos pela produção. Em síntese, em termos de preços para o produtor, 2004 não foi um ano bom.
Com relação à pecuária, vários fatores, em conjunto, atravancaram a valorização da arroba. Dentre eles destaca-se o significativo aumento da oferta de animais terminados. Movimento embasado, sobretudo, no aumento do desfrute dos rebanhos, principalmente de fêmeas, em função do ciclo de baixa dos preços do bezerro e do avanço da agricultura sobre áreas de pastagens. Com base em números do Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística (IBGE), a Scot Consultoria estima que o abate de vacas aumentou 35% de 2003 para 2004.
É preciso considerar também o crescimento de 15% no número de cabeças confinadas e semi-confinadas, graças à utilização mais intensa de tecnologia, preços relativamente baixos dos concentrados e boas perspectivas de valorização da arroba.
O clima também ajudou. Como choveu bem ao longo do primeiro semestre de 2004, tinha gado terminado em pastejo sendo negociado em julho e agosto, junto com animais de confinamento e semi-confinamento. As escalas de alguns compradores ultrapassaram, em plena “entressafra”, os 15 dias. Por fim, no final do ano, veio o “caso Margen”, e o mercado desabou de vez.
Aliás, vinha ainda em baixa até pouco tempo, pegando carona na valorização do real, no fraco desempenho das vendas internas de carne e na ligeira retração das exportações. Até que um protesto dos produtores passou a sustentar as cotações da arroba.
Mas o que esperar para o resto do ano? Para o curtíssimo prazo, a tendência é de preços estáveis.
Porém, estamos na safra. O normal seria que os frigoríficos não enfrentassem problemas de abastecimento, ainda mais com o abate de matrizes ainda elevado, conforme constatado em pesquisas da Scot Consultoria. Somando-se a esse fato a morosidade das vendas no atacado e o dólar baixo, tem-se um ambiente propício para a desvalorização da arroba. Essa seria a tendência para o curto/médio prazo.
Uma estratégia de venda compassada, que se estendesse durante toda a safra, seria o recomendado. Não adianta represar o gado hoje e soltar de uma vez amanhã. A cotação se mantém, ou sobe, quando não tem negócio, mas despenca no momento da venda. É um “tiro no pé”. Se bem que, no fechamento desta coluna, a oferta de gado já estava se normalizando.
Para o final do ano, cuja expectativa é de cotações da arroba mais elevadas, o mercado sinaliza cautela. Veja na tabela 1 a variação dos preços médios nominais entre maio (geralmente o “vale de baixa”) e outubro (geralmente o mês de pico) nos últimos 10 anos.
Tabela 1. Variações dos preços médios do boi gordo, em São Paulo, entre maio e outubro
É preciso fazer uma ressalva. As apostas da BM&F têm sinalizado que o boi não deve cair mais até maio, assim como aconteceu em 2004. Contudo, analisando-se uma série de preços mais ampla, constata-se que esse é um movimento atípico.
Caso a cotação do boi gordo recue R$1,00/@ ou R$2,00/@ até maio, o normal seria esperar preços próximos de R$65,50/@ para o final do ano, no mês de pico, ainda com base na variação de 12%.
O boi de R$70,00/@ esbarra, sobretudo, na valorização real. Hoje, tal cotação equivale a aproximadamente US$27,00/@. A maioria dos analistas de câmbio aposta num dólar entre R$2,70 e R$2,80 para o final do ano, o que jogaria essa cotação da arroba para US$25,50.
Apesar do recuo, nos últimos 10 anos a cotação média do boi gordo em São Paulo, em outubro, foi de US$21,24/@. Ou seja, 17% menos que a projeção.
Para que fosse registrada uma valorização dessa magnitude, seria preciso que o preço da carne reagisse significativamente e/ou que a oferta de matéria-prima (gado) recuasse a ponto de ameaçar o abastecimento das indústrias.
A primeira suposição esbarra, internamente, no ainda fraco poder aquisitivo do consumidor e na competição com o frango. Externamente, no acirramento da concorrência (notadamente com Argentina, Uruguai e Austrália, que vêm aumentando as vendas) e na dificuldade em se acessar os mercados “mais caros”.
A retração de oferta tem como principal contra-ponto o abate de fêmeas, que segue elevado. Nesse início de ano a Scot Consultoria voltou a registrar frigoríficos formando de 60% a 70% das escalas com vacas. Explica-se porque a defasagem da cotação da vaca gorda em relação ao boi gordo, que em dezembro do ano passado chegou a 9% em São Paulo, subiu para 13% em fevereiro.
Provavelmente, como os preços do bezerro ainda não esboçaram reação, os criadores não sentiram a possibilidade de virada de ciclo, o que levaria à retenção de matrizes. É possível que o mercado de bezerros passe a trabalhar em ambiente mais firme ainda este ano, por conta, justamente, de uma retração de ofertas. Mesmo assim, posterga-se a virada do ciclo para o ano que vem.
De toda forma, o abate de matrizes tende a diminuir ao menos um pouco este ano. O confinamento e o semi-confinamento, por conta dos resultados pífios do ano passado, não devem registrar o mesmo crescimento. As exportações, ainda que de forma mais comedida, continuarão a avançar e é possível que a demanda interna se recupere um pouco. Sendo assim, as cotações da arroba tendem a reagir, se aproximar dos patamares citados acima (entre R$65,50/@ e R$67,00/@, a prazo, para descontar o funrural), mas ainda não é o que satisfaria os produtores.
Uma hora o ciclo vira. Se não for este ano, deve ser em 2006. É pouco provável que as cotações do bezerro insistam em cair após 3 anos de abate de matrizes. A redução do desfrute deve sustentar a valorização da arroba, que pode se favorecer, quem sabe, da abertura de novos mercados para a carne bovina brasileira e de uma recuperação mais consistente do consumo doméstico.
Por fim, é preciso considerar o dinamismo do mercado pecuário. As previsões e estimativas são feitas com base na compilação de dados, no estudo de séries históricas, e no sentimento de quem lida dia a dia com o mercado.
Qualquer novidade de cunho político, econômico, sanitário, etc… Aqui ou no exterior, influencia significativamente a formação dos preços pecuários, alterando os cenários.
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Prezado Fabiano,
Como de hábito em todos artigos de sua lavra: excelente.
Tenho duas observações a fazer, não propriamente ao teor de seu artigo, e sim ao mercado em geral:
(1) “Por fim, no final do ano, veio o “caso Margen”, e o mercado desabou de vez.” Esta é um dos maiores embustes que já vi, e mostra como o “cartel” da Abiec funciona como um relógio suíço. Ora, se a saída de cena do frigorífico Margen como COMPRADOR deveria deprimir o setor, como o fez… Por outro lado a saída dele como VENDEDOR deveria ter o efeito inverso. Ou seja, uma coisa cancelaria a outra, ao longo do tempo. Não foi o que ocorreu. Por quê ?
(2) “Uma hora o ciclo vira. Se não for este ano, deve ser em 2006”. Concordo. É matematicamente certo que, mantidos os parâmetros atuais (“ceteris paribus”), em algum momento a pecuária de corte obterá expressiva valorização. A má notícia é que, mantido o poder regulador de demanda e de preços exercido pelo “Cartel Abiec”, esta melhora será apenas momentânea. E isto pela simples razão que um cartel – qualquer cartel – tem o poder de distorcer a sadia e livre concorrência, a seu favor.
Parabéns pelo artigo, e continue a nos iluminar com seus conhecimentos, neste momento de trevas.
Abraço,
Carlos Arthur Ortenblad
Seria extremamente informativo ao pecuarista, se o preço analisado em U$ fosse comparado com o preço em Euros. Afinal o dólar se desvalorizou em todas as moedas do mundo, e não seria justo o real ser comparado somente com o dólar.
Aí sim veremos o quanto a arroba se desvalorizou para o produtor.
Abraço,
Meus caros,
Novamente venho a participar e aportar algo que acredito seja interessante sobre a matéria aqui exposta, a qual parabenizo ao analista por sua simplicidade e objetividade.
Sigo a creditando que a CRISE tem seus dois lados a de indicar perigo e ao mesmo momento nos indicar oportunidades, as quais estão no mercado e que tem pessoas que seguem cegas às mesmas.
Importante seria entender que toda a atividade principalmente rural nos últimos tempos tem se tecnificado a passos gigantescos e a adaptação a estas mudanças sempre são assim lentas para alguns e com maior facilidade e rapidez para outros, eu me refiro a principalmente a tecnificação na área de comercialização dos nossos produtos, no caso do pecuarista seu boi gordo, o qual segue sendo negociado pela maioria como se fazia e sempre se fez (a moda antiga), pois queria levantar uma reflexão pra aqueles que acham que as coisas não mudam e lutam incansavelmente em contra a corrente isto é não utilizam as ferramentas que lhes auxiliam nas travas futuras de venda da sua produção, garantindo seus lucros.
A maioria dos frigoríficos possui uma equipe de PROFISSIONAIS para efetuar essa comercialização (compra) enquanto que a maioria dos pecuaristas ainda não entrou na realidade atual a qual se precisa ter mercado e depois produzir o produto, achamos que com produzir já basta, e a comercialização? Quem fará por nós?
Precisamos abrir o leque, ver que não dedicamos o tempo suficiente na parte de PLANEJAMENTO E PROGRAMAÇÃO DAS VENDAS ANUAIS, o que nos acarreta que chegamos com a mercadoria e o preço não compensa.
Precisamos usar mais BMF, e planejar da porteira pra fora o futuro da nossa comercialização.
Pois garantir margens de lucro é o que precisamos e não ficar esperando os preços subirem.
Acredito que estamos amadurecendo nesse sentido, mas precisamos por mais empenho e velocidade nessa tarefa a qual não é fácil.
Importante salientar que fizemos parte de uma cadeia produtiva e que precisamos viver em simbiose constante, para podermos crescer juntos, no caso me refiro que os frigoríficos estão trabalhando de formas a garantir suas margens, pois a maioria exportadora teve que se adequar às rígidas normas impostas pelos mercados externos, isso é se profissionalizou e se tecnificou em todos os sentidos.
Esperar não seria a palavra adequada, e sim buscar melhores preços para 2005.
Mais uma vez obrigado pela oportunidade.
Leandro Carlos Freling