Incertezas e tensa expectativa cercam a divulgação pelo governo no final de maio do Plano Safra 2019/2020. As negociações nos bastidores são intensas, pois os produtores temem que o novo governo, contrariando a praxe dos últimos anos, não irá nem aumentar o volume de crédito rural, nem reduzir as taxas de juros.
No Plano anterior, cuja vigência vai até julho, o montante de crédito foi de R$ 191,1 bilhões, sendo R$ 151,1 bilhões para o custeio e R$ 40,01 bilhões para os investimentos. A Confederação Nacional da Agricultura (CNA) pleiteia uma elevação que pelo menos cubra a alta dos custos de produção de um ano para o outro. E quer um corte linear de 0,5 ponto percentual em todas as taxas cobradas.
No caso do juro de custeio, como está hoje em 7%, uma baixa de 0,5 ponto traria a taxa para o mesmo patamar atual da Selic, de 6,5%. Nessa hipótese, os juros cobrados nas linhas de investimento recuariam do nível vigente de 5,25% a 7,5% para a faixa entre 4,75% e 7%. Estas taxas referem-se ao montante de R$ 153,7 bilhões enquadrado na categoria de “juros controlados”, ou seja, é um volume que embute subsídios cujas diferenças de taxas são equalizadas pelo Tesouro Nacional. Nesta safra, a equalização arcada pelo Tesouro consumiu algo entre R$ 8 bilhões e R$ 10 bilhões. As lideranças agrícolas defendem uma ampliação para pelo menos R$ 13 bilhões.
A assessora técnica da Comissão Nacional de Política Agrícola da Confederação Nacional da Agricultura (CNA), Fernanda Schwantes, diz que seria fundamental que o governo anunciasse um volume de crédito rural que fosse exequível e realista. “Mais até do que uma baixa nos juros, queremos garantir que o produtor encontre dinheiro nos bancos”, diz. Nas últimas safras vem ocorrendo um descasamento entre o montante de recursos supostamente em oferta nos bancos e o que está efetivamente disponível. “Isso vem acontecendo há três ou quatro anos. Causa no produtor uma perda de credibilidade no Plano Safra”, diz a assessora.
O descompasso acontece porque o crédito rural é definido com base nas projeções que os bancos fazem para a evolução dos seus depósitos à vista. E, frequentemente, as estimativas estão acima do que, meses depois, existirá de fato no caixa das instituições. Pela lei, os bancos precisam destinar 30% dos depósitos à vista para o crédito rural. Para que esse descasamento, que causa frustração nos produtores, deixe de existir, a CNA defende a ampliação para 34% da fatia dos depósitos destinada à agricultura.
De acordo com dados oficiais do Ministério da Agricultura, o desembolso do atual Plano Safra foi de R$ 129 bilhões entre julho de 2018 e março de 2019, com avanço de 8% comparativamente a igual período da safra anterior. Desse total, R$ 110 bilhões foram destinados aos produtores empresariais e R$ 18,8 bilhões à agricultura familiar. No primeiro caso, a alta foi de 6% e, no segundo, de 16%.
A tensão pré-anúncio do novo Plano Safra decorre da pouca disposição do atual governo em subsidiar operações tidas como danosas às políticas de ajuste fiscal. Nesse sentido, o sinal emitido pelo Banco do Brasil, principal agente do crédito rural, com quase 60% do mercado, foi eloquente. Nas linhas pré-custeio que anunciou como antecipação ao Plano Safra, a instituição rompeu com tradições do passado. Em 2018, o BB colocou R$ 10 bilhões a juros controlados no seu pré-custeio e definiu um limite máximo de financiamento por produtor de R$ 3 milhões. Neste ano, só está praticando juros de mercado, sem imposição de teto. “Como já consumiu toda a sua disponibilidade para a atual safra, o banco está tendo de financiar o précusteio com recursos próprios”, explica a assessora da CNA. A parcela referente aos juros controlados tem como funding a caderneta de poupança rural e fundos constitucionais.
Na visão do diretor de agronegócios do Santander, Carlos Aguiar, o país não passa por uma simples alteração de política agrícola, mas por uma verdadeira “mudança de paradigma” resultante do declínio da taxa de juro para piso histórico e da necessidade de revisão de subsídios públicos em face da delicada situação fiscal. “Quando o juro básico estava acima de 14%, era natural e necessária a equalização de taxas. Agora, não mais”, diz. As taxas do mercado livre oscilam de 9% a 15%, dependendo do porte, da organização contábil e do risco do tomador.
O Santander tem em sua carteira agrícola R$ 17 bilhões, dos quais apenas R$ 5 bilhões no âmbito do Plano Safra. Atualmente, os produtores capitalizados preferem usar recursos próprios para custeio e investimento. “Não faltará dinheiro para a agricultura, mesmo que o governo reduza o Plano Safra”, diz.
O diretor da área de agronegócio do Departamento de Empréstimos e Financiamentos do Bradesco, Roberto França, calcula em R$ 550 bilhões a demanda de recursos pela cadeia total da agricultura, ou seja, o volume do Plano Safra cobre apenas 35% do dispêndio. E como a carteira agrícola dos bancos atinge cerca de R$ 315 bilhões, o restante é complementado por capital próprio, fornecedores, cooperativas e tradings. “O governo é apenas um dos elos dessa intrincada engrenagem”, diz o executivo do Bradesco, instituição que por meio de 14 plataformas de negócios agrícolas detém 9% do mercado. O seu principal “funding” para o crédito livre vem das LCA, papéis isentos de IR que pagam entre 95% e 96% do CDI. Essa carteira, no montante de R$ 12 bilhões, permite ao banco cobrar juros de um dígito.
Fonte: Valor Econômico.