Depois de enfrentar a queda constante no preço da arroba do boi (chegou a R$ 220, no início do ano, em São Paulo) e uma escalada no abate de bovinos (34,11 milhões de cabeças em 2023), os produtores brasileiros de gado de corte começam a vislumbrar uma virada do ciclo pecuário. A perspectiva é de melhores negócios, com mais investimentos em insumos e tecnologia para aumentar a produtividade. “Para este ano, esperamos leve redução no rebanho, em consequência do segundo ano de elevados níveis de descarte de matrizes”, diz Antônio Jorge Camardelli, presidente da Associação Brasileira das Indústrias Exportadoras de Carne (Abiec). “Com a seca em diversas regiões e a desaceleração na produção, em decorrência da queda de preços, dificilmente o nível de desempenho das fêmeas vai compensar o aumento do abate”, explica. “Por isso, o ciclo pecuário deve entrar em alta em 2025, comportamento que pode se iniciar já no segundo semestre de 2024”, diz Camardelli.
Para Rafael Ribeiro, assessor técnico da Comissão Nacional de Bovinocultura de Corte da Confederação Nacional da Agricultura e Pecuária (CNA), as perspectivas para o mercado bovino são positivas. O rebanho bovino nacional, que chegou a 234 milhões de cabeças em 2023, terá crescimento mais lento neste ano, devido ao elevado nível de descarte de matrizes (24,6% maior no primeiro trimestre de 2024, em relação ao mesmo período de 2023). Com isso, os preços da arroba de carne, que caíram em 2023 e 2024, favorecendo vendas para o mercado doméstico, devem se recuperar, interna e externamente. “Com o preço da arroba subindo em 2025, e a China voltando a comprar mais, a tendência é de preços mais firmes”, diz Ribeiro.
Com a diminuição do consumo doméstico, que responde por 70% do destino da produção nacional, a tendência dos produtores é priorizar as exportações. Segundo Giovana Araújo, sócia-líder de agronegócio da consultoria KPMG, as receitas com as exportações neste ano, de janeiro a abril, acumulam alta de quase 30%. Em maio, o Brasil exportou 240,6 mil toneladas de carne bovina, o segundo mês consecutivo de recorde no volume exportado, o que movimentou US$ 1,056 bilhão, de acordo com dados do Ministério do Desenvolvimento, Indústria, Comércio e Serviços (Mdic). “A expectativa é de manutenção de demanda firme e maior competitividade nas exportações, decorrente da desvalorização do real”, diz. Nas projeções dos produtores, as exportações de carne bovina devem alcançar em 2024 o recorde de 3,36 milhões de toneladas, em relação aos 2,26 milhões de toneladas de 2023.
Segunda maior produtora de carne bovina no mundo, com receita líquida de R$ 136 bilhões em 2023 (aumento de 4,5% em comparação com 2022), a Marfrig não perde o otimismo em relação ao consumo doméstico e, segundo Rui Mendonça, CEO da operação América do Sul, tem diversas ações para capturar o máximo de valor e fortalecer a indústria brasileira de proteína bovina no cenário internacional, de maneira responsável e sustentável. “A estratégia de diversificação na exportação é fundamental no nosso negócio e permite direcionar produtos para os mercados de acordo com a demanda de melhor preço”, afirma. A Marfrig exporta para mais de cem países. Em 2023, a empresa conquistou mais de 30 habilitações.
O horizonte no mercado internacional de carne bovina segue igualmente promissor para a Minerva Foods, outro grande exportador de carne bovina na América do Sul, assinala Edison Ticle, CFO da empresa. “O desequilíbrio entre oferta e demanda global é um dos grandes vetores da nossa indústria”, diz. Segundo ele, em um de seus piores ciclos pecuários, os Estados Unidos se destacam como importante mercado importador devido à forte restrição de oferta que o país enfrenta agora e que deve permanecer pelos próximos dois a três anos. “Em contrapartida, a América do Sul se destaca pela ótica da oferta, beneficiando-se da conjuntura atual de seu ciclo bovino. As projeções indicam que o ciclo positivo do gado deve perdurar até meados de 2025, em particular no Brasil”, comenta Ticle.
Segundo ele, o cenário atual é favorável ao mercado doméstico. “A recuperação do nível de renda e emprego e a manutenção de um ciclo pecuário positivo amparam o momento de retomada do mercado brasileiro, que tem se apresentado como alternativa comercial muito atrativa, tanto em volume como em preço”, diz.
Mas a empresa aposta na estratégia de abertura de novos mercados, como o Sudeste Asiático, a África Subsaariana, Japão e Coreia do Sul. “Além da abertura efetiva de novos mercados e o estabelecimento de acordos sanitários, o governo brasileiro tem trabalhado para possibilitar acesso maior a mercados já abertos, através de renegociação de sistemas de cotas e/ou impostos de importação”, explica Ticle.
O Brasil tornou-se um grande produtor e exportador de carne bovina muito por conta do controle sanitário e da tecnologia aplicada à produção, dizem os empresários do setor. Em relação à questão sanitária, por exemplo, em abril o Brasil se declarou livre de febre aftosa, com o fim da última imunização em 12 unidades da federação. E em agosto vai submeter o pedido de reconhecimento internacional do status de país livre de febre aftosa sem vacinação à Organização Mundial da Saúde Animal (Omsa). “O Brasil hoje é uma vitrine e o grande desafio é manter essa qualidade de controle sanitário no mundo”, diz Ribeiro, da CNA.
Mas há outros desafios a superar.“Temos uma agricultura de baixo carbono e um Código Florestal que fazem do país um exemplo em produção sustentável, mas precisamos ampliar a regularização ambiental e fundiária na base da produção, para intensificar a oferta dessas garantias socioambientais ao mercado”, afirma Camardelli, da Abiec. Outra grande preocupação é com a entrega de produtos com sustentabilidade em toda a cadeia produtiva. A Marfrig, por exemplo, não compra animais de áreas desmatadas, de terras indígenas e de áreas embargadas, diz Mendonça. “Sempre que uma irregularidade é identificada, a propriedade é imediatamente bloqueada até que a situação seja totalmente esclarecida e regularizada”, afirma. Do ponto de vista da rastreabilidade, a companhia antecipou, de 2030 para 2025, sua meta de monitorar 100% dos fornecedores indiretos em todos os biomas brasileiros. A empresa desenvolveu também um mapa de mitigação de riscos socioambientais e um sistema de geomonitoramento, via satélite, em tempo real, que rastreia sua cadeia de fornecimento 24 horas por dia, para assegurar a conformidade das fazendas fornecedoras com os critérios da empresa. “Temos as maiores taxas do setor em controle de fornecedores indiretos no Brasil”, ressalta.
Para o CFO da Minerva Foods, a rastreabilidade completa do gado pelos pecuaristas esbarra, muitas vezes, na falta de mecanismos que possibilitem o monitoramento de toda a cadeia. Por isso, a companhia está empenhada em oferecer incentivos para superar esses desafios. “Mas o apoio governamental para disponibilizar dados oficiais de forma acessível e atualizada, além da criação de políticas públicas, é essencial”, diz. A Minerva, segundo Ticle, expandiu a adoção da tecnologia de monitoramento geoespacial para100% dos fornecedores diretos em todos os biomas onde atua (Amazônia, Cerrado, Pantanal, Caatinga e Mata Atlântica).
Fonte: Valor Econômico.