O ex-ministro da Fazenda Joaquim Levy é otimista com relação à descarbonização brasileira a médio prazo. Atual diretor de estratégia econômica e relações com mercados do Banco Safra, ele participou da Live do Valor de sexta-feira e disse que, pelo perfil das emissões de gases do efeito-estufa do país e sua geografia, a tarefa de reduzi-las é mais simples que a de outros países.
O caminho – redução do desmatamento; aumento da produtividade da agropecuária; e eletrificação de transportes e indústria – tem retorno que justifica do ponto de vista financeiro, diz Levy. Para o engenheiro naval que começou a se dedicar ao meio ambiente bem antes de as políticas ESG (sigla em inglês para padrões ambientais, sociais e de governança) ganharem espaço, as condições estão dadas. Só faltam planejamento e regulação adequadas para iniciativas verdes por parte do governo.
Levy detalha que hoje o Brasil joga na atmosfera cerca de 2 bilhões de toneladas de carbono equivalente por ano, quantidade inferior a de outros países desenvolvidos ou de emergentes superpopulosos, como Índia e China – que tem emissões até sete vezes maiores. Não bastasse, metade do volume brasileiro está relacionada ao desmatamento, sobretudo da Amazônia, o que é prontamente evitável mediante fiscalização. De resto, 20% das emissões estão ligadas à pecuária, 10% vêm da queima de combustível nos transportes e o restante reúne indústria e demais setores da economia.
“Nos outros países, o grosso das emissões vem de energia, do uso de combustíveis fósseis, o que é relativamente pequeno no Brasil. Se consideramos a pegada de carbono da economia em si, estamos super bem posicionados no mundo”, diz. A situação se inverte quando o ranking leva em conta as emissões ligadas à destruição de florestas: aí o Brasil alterna entre o quarto e quinto pior lugar no mundo, diz Levy.
Para ele, o primeiro ponto de ataque deve ser acabar com o desmatamento. Em seguida é preciso incutir na cabeça de agricultores e pecuaristas que é possível ter produção neutra em emissões. Tal passa pela recuperação de terras degradadas para desenvolvimento de pastos, o que aumenta a produtividade e libera hectares para regeneração de florestas. “Como o setor está com muito dinheiro, é possível fazer. Caso contrário, corremos o risco de sermos banidos do mercado mundial. Hoje está muito fácil dizer que não vai comer uma carne porque ela está associada a desmatamento”, diz.
Em paralelo à racionalização do uso da terra, Levy cita técnicas de compensação das emissões bovinas pela captura de carbono no solo, como a adoção de espécies de capim com raízes maiores, de até dois metros, capazes de fixar maior quantidade de carbono e alimentar mais o rebanho.
Outras frentes são a integração da agricultura com a floresta (agroflorestas) e da pecuária com a lavoura. “Além da safrinha pode haver uma terceira safra em que se usa a terra parada como pasto.” Assim pecuária é incorporada em fazendas de grãos e, no período de cultivo, os rebanhos são confinados e alimentados com resíduos das colheitas. “O Centro-Oeste tem 16 milhões de hectares para isso e ainda fazer mais dinheiro”, diz.
Levy diz que esse é o único caminho para que, em 20 ou 30 anos, a agricultura brasileira proteja seus mercados globais e permaneça vigorosa. “O maior risco do Brasil é achar que é o dono da cocada. A gente achou que era dono de mercados que perdemos, como o da borracha e mesmo o do café. Não podemos deixar que o desmatamento arruíne o regime de chuvas do Centro-Oeste ou a reputação da carne brasileira, que é de qualidade porque o rebanho cresce livre.”
Para os transportes, Levy defende investimentos públicos e regulação que atraia o privado para o esforço de eletrificação. Ele diz que já existe tecnologia para tal e que, embora o investimento inicial seja alto, o retorno financeiro mais do que compensa. Não à toa, países como Estados Unidos e os europeus caminham nesse sentido.
“A eficiência de um motor à combustão, de um carro a gasolina, é de 20%, enquanto a do motor de um carro eletrificado é de 85%. Para andar 1 km com motor elétrico, eu uso cerca de um terço da energia necessária ao motor à combustão. Isso é economizar. A questão é como chegar lá”, diz Levy sobre o desafio de se desenvolver baterias eficientes a preços acessíveis e a eletrificação de vias com cabos de energia, caminho escolhido por países como a Alemanha.
“Hoje o preço disso é motivo de susto, mas na verdade a gente sairia ganhando com essa operação [de conversão ao transporte elétrico] e ainda seria líder mundial no que vai ser a grande questão dentro de 20 a 30 anos”, diz.
No caso da energia, Levy afirma que o Brasil já está no rumo certo. Ele fala de um esgotamento do bem-sucedido modelo de hidrelétricas pela falta de novos rios aproveitáveis, mas diz que o Brasil vai bem na expansão do parque solar e eólico, sobretudo no Nordeste. O ex-ministro destaca que, em meio à escassez de energia das hidrelétricas, usinas eólicas têm contribuído com entre 15% e 20% da energia consumida no país.
Levy acrescenta que nos próximos 30 anos, para acompanhar o desenvolvimento econômico previsto, o Brasil terá de triplicar seu potencial de geração de energia, o que diz ser “factível”. “O potencial de produção de energia mapeado do Brasil é de 10 a 15 vezes maior do que o volume produzido hoje. Ampliar isso requer boa regulação, incentivos corretos e a integração adequada dos parques.”
Para o ex-ministro, além das vantagens naturais (sol e vento), o Brasil possui um sistema integrado, o que permite que a energia produzida no Norte e Nordeste seja aproveitada nas outras regiões e vice-versa.
“A gente tem abundância e conhecimento. Sabemos fazer. Se tiver regulação bem-feita, não vai faltar capital para isso e vamos poder eletrificar o nosso transporte e indústria com muito mais sucesso que a maior parte dos países”, diz.
Fonte: Valor Econômico.