Muito se tem discutido a respeito das ações de alguns agentes da cadeia da carne bovina, que estariam manipulando o mercado. Na verdade, o termo “manipular” soa meio pesado. O mercado é soberano, não reluta em impor sua vontade.
Acontece que algumas empresas, em função de um bom posicionamento estratégico (conquistado, muitas vezes, mediante esforço e competência), têm conseguido, através de estratégias eficientes de comercialização, maximizar os resultados quando o mercado lhes é favorável. Do mesmo modo, quando o ambiente se mostra adverso, trabalham com afinco para minimizar o impacto.
Os métodos que utilizam, ou a forma como atuam, por vezes são polêmicos. São muito agressivos e abusam do poder, reclamam algumas correntes de pensamento. Pode ser. Mas negócios, são negócios. Não se conquista espaço no mercado “brincando em serviço”.
Veja o exemplo do varejo. Quando o consumo empaca, o preço da carne nos supermercados cai. Contudo, dificilmente as grandes redes varejistas, no caso da carne bovina, reduzem sua margem para menos de 40% sobre o atacado (frigoríficos). Quando podem, trabalham com até 80%.
Num primeiro momento, foi o próprio dinamismo do mercado que as beneficiou. A maior participação da mulher no mercado de trabalho, e a consequente redução do tempo disponível para os afazeres domésticos, induziram à praticidade. As redes varejistas passaram a oferecer mais produtos e serviços. Com uma visita, num único dia, a um único estabelecimento comercial, a dona de casa, ou o casal, resolvem a maioria das suas necessidades de abastecimento. O açougue, por exemplo, perdeu espaço; carne agora é no supermercado.
E o processo de seleção continua. Os grupos mais eficientes, que aproveitaram melhor o “boom” do setor, estão eliminando os concorrentes. O funil está se estreitando mais. Segundo dados da McKinsey Consultoria, cerca de 60% de todo capital movimentado pelo varejo mundial em 2003 veio das 10 maiores redes do setor. No próximo decênio, o mesmo capital será concentrado pelas 5 maiores empresas.
No Brasil, 29% do mercado de varejo se encontra sob o teto de 3 grandes redes, conforme exposto na tabela abaixo.
Tabela 1.
Participação de mercado das 3 maiores redes de varejo do Brasil
Já o produtor parece perdido no meio dessa terra de titãs. Não sabe se rastreia ou não rastreia, se o boi rastreado vale mais ou menos que o não rastreado (hoje menos, infelizmente), sofreu com a arroba em baixa na entressafra, com custos em alta, com calotes, com promessas que não saem do papel (como a tabela nacional de tipificação de carcaças), etc. A insatisfação é grande.
Recentemente, o “caso Margen” chamou novamente a atenção para o problema da concentração de frigoríficos, agora sobre outra ótica: a dos abates. Enfrentando problemas na justiça, o grupo, que é um dos maiores do país, interrompeu as atividades, desencadeando um movimento de baixa no mercado físico do boi gordo.
Animais que iam ser vendidos ao Margen foram direcionados à outros frigoríficos. Como a maioria das indústrias já vinha trabalhando com abates reduzidos, as escalas avançaram, dando início às desvalorizações da arroba. O produtor, temendo novos recuos, partiu para a venda, e aí sim os preços literalmente despencaram. Veja tabela 2.
Tabela 2.
Variações das cotações da arroba, em algumas praças, na primeira quinzena de dezembro/04.
1. O viés de baixa da arroba foi acompanhado de uma ligeira desvalorização do real, algo em torno de 2% (o dólar, que ameaçou cair abaixo de R$2,70, chegou a R$2,78 no dia 9/12), e do aquecimento das vendas de carne no atacado – o equivalente físico reagiu 4% no período.
2. O Brasil tem cerca de 1,6 mil frigoríficos inspecionados, fora os chamados “marreteiros”. Toda essa rebordosa no mercado se deu em função da saída de apenas um deles, ou 0,06% do total.
Acontece que, com 21 plantas, estima-se que o Margen sustentava uma capacidade de abate de 13 mil animais por dia, ou 325 mil por mês, ou 3,9 milhões ao ano. Considerando que, em 2003, de acordo com estimativas da Scot Consultoria, o Brasil tenha abatido 38 milhões de cabeças bovinas, só o Margen, grosso modo, respondia por mais de 10% dos abates do país.
É mexer com os “grandões” e esperar o reboliço. Os números dão a dimensão da situação: as 7 maiores indústrias frigoríficas do país (entra aí, o Margen) ostentam uma capacidade de abate de próxima a 13,2 milhões de cabeças ao ano, ou seja, o equivalente a 35% do que o país mandou para o gancho em 2003.
Concentração de abates é dor de cabeça na certa para os produtores, com destaque para os paranaenses. Em outubro deste ano, o Margen adquiriu a planta do seu principal concorrente no Paraná, monopolizando as exportações de carne bovina no Estado.
Na época, como era de se esperar, a capacidade de abate do Margen aumentou consideravelmente, conferindo para si tranqüilidade para a aquisição da matéria-prima (boi ou vaca gorda) e para o atendimento dos pedidos. De imediato, derrubou a cotação do boi gordo. A defasagem do boi paranaense para o paulista, que vinha se situando na faixa de 2% a 3%, ampliou-se para 6%. Veja na figura 1. Vale recordar que no mesmo período do ano passado os preços vigentes em São Paulo e no Paraná eram praticamente os mesmos.
Em meados do ano os produtores rondonienses também atravessaram maus bocados. Um dos maiores grupos frigoríficos do país adquiriu mais de 60% do parque frigorífico do Estado. Como desgraça pouca é bobagem, os antigos donos não honraram algumas pendências. Os novos, então, resolveram não iniciar as atividades até que tudo se resolvesse.
Não deu outra. Choveu boi para os outros abatedouros, e a cotação da arroba foi ao chão. Por um período curto, é verdade, mas foi (figura 2). E não pára por aí. O Margen era o maior concorrente da referida indústria em Rondônia, que já está de olho na planta dele.
É notório que a classe produtiva, assim como têm feito o varejo e os frigoríficos, precisa se organizar. Tem quem acredite que essa organização seja uma utopia, em função da quantidade de pecuaristas (alguns milhões), o que seria um obstáculo à elaboração de ações conjuntas e, por questões históricas/culturais. Mas será mesmo que não dá pé?
Enquanto alguns insistem que sim, outros saem na frente. Cooperativas de abate, centrais de venda de gado administradas por produtores (já existe em São Paulo e no Mato Grosso), produção de carne diferenciada mediante acordo com a indústria (como no caso de animais certificados EUREPGAP), verticalização da produção…. São alguns exemplos de ações organizacionais e comerciais elaboradas por quem é dono do gado. E os resultados positivos já começam a aparecer.
A chance de se fechar um bom negócio é grande quando se senta junto a representantes de frigoríficos para oferecer bons volumes de matéria-prima padronizada, com oferta regular.
O segredo é ser atuante, ativo. Quebrar paradigmas. Disponibilizar tempo para planejar e executar estratégias comerciais é tão, ou até mais importante, do que ficar “apagando fogo” na fazenda. Disso depende o futuro e o sucesso da pecuária de corte livre como a conhecemos hoje.
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Como se tudo isto não bastasse, aqui em Rondônia houve a paralisação da unidade do Frigol de JiParaná em outubro, pelo menos honrou seus compromissos com pecuaristas e fornecedores, mas corre rumores que o grupo que vocês citam que não honram seus compromisos em meados do ano, vem mantendo contato com executivo do estado para voltar a atuar e com incentivo fiscais de certo.
Nós, como pecuaristas, não dispomos da mesma atenção dos mandatários, quando pedimos para revisão nas alicotas e pautas do ICMS para ajuste na distorção existente no estado, ocorrida devido a barreira sanitária que proibiu saída de animais apartir de 2001, hoje o pecuarita encontra-se com três problemas: excesso de animais por não conseguir comercializá-los, falta de pasto e falta de dinheiro.