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“Varíola Bovina”: pecuária e saúde pública

A expressão "varíola bovina" é comumente utilizada para descrever uma enfermidade vesicular e exantemática, caracterizada pelo aparecimento de lesões cutâneas localizadas no úbere e tetos das vacas. Existem três diferentes tipos de poxvírus que podem estar envolvidos na sua etiologia: cowpox e vaccinia (Orthopoxvirus) e o pseudocowpox (Parapoxvírus). Esses três poxvírus possuem um grande impacto na saúde pública e na atividade da pecuária, devido ao potencial zoonótico e pelas perdas econômicas em surtos envolvendo esses poxvírus.

A expressão “varíola bovina” é comumente utilizada para descrever uma enfermidade vesicular e exantemática, caracterizada pelo aparecimento de lesões cutâneas localizadas no úbere e tetos das vacas. Existem três diferentes tipos de poxvírus que podem estar envolvidos na sua etiologia: cowpox e vaccinia (Orthopoxvirus) e o pseudocowpox (Parapoxvírus).

O cowpox vírus é considerado exótico no Brasil possuindo distribuição restrita ao continente europeu. O vaccinia vírus foi utilizado nas décadas de 50 a 70 na campanha de vacinação contra a varíola humana, sendo fundamental na erradicação do vírus da varíola humana (smallpox) no mundo em 1980 (Foto 1 e 2). O pseudocowpox vírus é responsável pela pseudovaríola, também conhecida como nódulo do ordenhador (Lewis-Jones, 2004).

Esses três poxvírus possuem um grande impacto na saúde pública e na atividade da pecuária, devido ao potencial zoonótico e pelas perdas econômicas em surtos envolvendo esses poxvírus.


Foto 1. Smallpox – Varíola humama


Foto 2. Pesquisadores da Fiocruz na produção de vacinas antivaríola em 1954

Sinais clínicos

As enfermidades causadas pelos ortopoxírus (cowpox e vacccinia) e pelos parapoxvírus (pseudocowpox) são bastante semelhantes, principalmente quanto à evolução da sintomatologia. Entretanto, as infecções causadas por parapoxvírus geralmente são mais brandas (Mazur et al., 2000).

As lesões causadas pelos ortopoxvírus são indistinguíveis e se apresentam nas formas proliferativas, ulceradas ou em crostas. Quando os vírus atingem a pele, inicia-se o desenvolvimento de um eritema cutâneo caracterizado pelo aparecimento de pequenas manchas que evoluem para vesículas, podendo ulcerar, e crostas escuras nas tetas e mais raramente no úbere, que terminam por cicatrizar dentro de 15 a 20 dias (Breman & Henderson, 2002).


Foto 3. Lesões ulcerativas com formação de crotas

O vírus da pseudovaríola tem distribuição mundial e causa lesões clinicamente muito semelhantes às produzidas pelos ortopoxvírus. As lesões encontradas na pseudovaríola tanto nos homens quanto nos animais caracterizam-se por dor, edema, eritema, pequenas pápulas na teta que evoluem para crostas vermelho-escuras. A lesão se espalha radialmente e apresenta um centro umbilicado dando uma aparência anelar ou de ferradura. Raramente são observadas úlceras.

Transmissão

Os poxvírus causadores da “varíola bovina” possuem uma resistência considerável ao calor, a dessecação e são capazes de manter sua infectividade em restos celulares de crostas por longo tempo. A penetração dos vírus se dá por soluções de continuidade em lesões pré-existentes nas tetas e úbere das vacas (Fenner, 2000).

A transmissão destas enfermidades entre os animais ocorre principalmente através das mãos dos ordenhadores ou equipamentos de ordenha mecânica (Trindade et al., 2003). Entre fazendas, a doença é transmitida por introdução de animais doentes no rebanho e ordenhadores que ordenharam animais doentes em outras propriedades. Acredita-se que a manipulação de latões contaminados possa servir como fonte de disseminação. Trindade et al. (2007a) relatam que roedores silvestres podem funcionar como reservatórios do vírus.

Perdas econômicas na Pecuária

Lobato et al. (2005), em estudo de surtos ocorridos no ano de 2001 no Estado de Minas Gerais, descreveram os principais problemas causados pela doença: queda na produção de leite, que pode chegar até a 80%; ocorrência de infecção secundária, especialmente mamite em até 50% dos casos; gastos com medicamentos; acometimento de bezerros que mamam nas vacas doentes (Foto 4), levando a um emagrecimento desses animais; recursos humanos, pois o ordenhador se afasta por mais de uma semana, necessitando da contratação de um novo empregado.


Foto 4. Infecção secundária (mamite) e acometimento de bezerros

Saúde Pública

Em 1796, o médico inglês Edward Jenner retirou pequena quantidade de sangue das mãos de uma camponesa e inoculou em um garoto de oito anos, com o tempo, constatou-se que a criança havia se tornado imune à varíola. Jenner realizou esse experimento após observar que pessoas antes infectadas com vírus da varíola bovina (bem mais branda) nunca manifestavam a varíola humana: estava descoberta a vacina contra a enfermidade. A própria origem da palavra vacina vem do latim vaccinus, de vacca (vaca) (Ferreira, 2006).

A emergência ou reemergência desta zoonose após 30 anos do fim da vacinação contra a varíola bovina certamente marca um ponto de declínio da imunidade contra os orthopoxvírus, resultando assim em um importante problema na Saúde Pública. Também se mostra de grande importância a dificuldade que clínicos e outros profissionais da saúde tem de diagnosticar e lidar com essas infecções (Trindade et al., 2007b).

A transmissão dos animais aos seres humanos ocorre através do contato com as lesões presentes nas tetas dos animais doentes. No homem as lesões são semelhantes às descritas para os bovinos, localizadas principalmente nas mãos e mais raramente nos braços e antibraços (Mazur et al., 2000). As lesões anelares características principalmente da pseudovaríola recebem o nome de “nódulo do ordenhador” e são relativamente indolores, apresentando geralmente um prurido intenso, mas autolimitante com cura de quatro a seis semanas (Foto 5).


Foto 5. Lesões nodulares nas mãos de ordenhadores

Diagnóstico

Deve ser realizado em associação com os achados clínicos, histórico e anamnese, sendo sempre associado com o diagnóstico laboratorial para uma confirmação definitiva, uma vez que apenas os sinais clínicos isolados podem ser confundidos com diversas enfermidades vesiculares como por exemplo: febre aftosa, estomatite vesicular, diarréia viral bovina, herpesvírus bovino tipo 1 (IBR) e língua azul.

O diagnóstico laboratorial pode ser realizado a partir do isolamento viral, microscopia eletrônica e sorologia e, em alguns casos, por técnicas de biologia molecular, como a reação em cadeia da polimerase (PCR) (Trindade et al., 2003).

Controle e Prevenção

Não existe atualmente uma vacina comercial para o controle da “varíola bovina”. Após a infecção com o vírus vaccínia e o da varíola bovina, os animais desenvolvem imunidade duradoura. No entanto, o vírus da pseudovaríola parece ser menos imunogênico, e reinfecções podem ocorrer após alguns meses. Infecção prévia com o vírus vaccínia ou da varíola parece não proteger os animais da pseudovaríola (Kahrs, 2001).

Entre as medidas de controle que devem ser adotadas, destaca-se a separação dos animais doentes, linha de ordenha e higiene da ordenha. Iodo glicerinado deve ser utilizado nas lesões, que devem ser mantidas sempre limpas. O uso de luvas de borracha antiderrapante deve ser incentivado. A desinfecção das mãos do ordenhador entre vacas ordenhadas deve ser feita, podendo-se utilizar a “técnica dos três baldes”, que consiste em lavar as mãos no primeiro balde contendo água, passar as mãos no segundo balde contendo uma solução de água sanitária diluída (1 litro de água sanitária para três litros de água limpa) e, finalmente, enxaguar as mãos no último balde, contendo água limpa.

A solução de água sanitária deve ser freqüentemente trocada, pois a presença de matéria orgânica e a evaporação do cloro ativo podem diminuir a eficiência do produto para desinfecção. A introdução de animais no rebanho deve ser acompanhada por uma rigorosa inspeção nas tetas dos animais, buscando lesões compatíveis com a doença. (Lobato et al., 2005)

Deve-se tentar minimizar os traumatismos nas tetas, pois eles funcionam como solução de continuidade para infecção viral e podem aumentar durante a época da seca, se a pele estiver ressecada. Depois que a doença já se espalhou no rebanho pode-se apenas minimizar as infecções secundárias e dar tratamento de suporte aos animais.

Conclusão

A necessidade da investigação e do acompanhamento de focos de “varíola bovina”, assim como a implementação de programas de Educação Sanitária para as comunidades inseridas nestes focos, tem como objetivo minimizar os grandes prejuízos econômicos, e a ocorrência da doença nos seres humanos. Diante disso, há uma necessidade de uma efetiva interação entre os órgãos de Saúde Pública e Defesa Sanitária Animal para que seja realizado em conjunto atendimentos destes surtos com repercussão positiva na vigilância sanitária da saúde humana e animal.

Referências bibliográficas:

Breman, J.G.; Henderson, D.A. Diagnosis and management of smallpox. New Engl. J. Med., v.346, p.1300-1308, 2002.

Fenner, F. Adventures with poxviruses of vertebrates. FEMS Microbiol. Rev., v.24, p.123-133, 2000.

Ferreira, P. Fundação Oswaldo Cruz – FIOCRUZ. Agência Fiocruz de Notícias. Disponível em: http://www.fiocruz.br/ccs/cgi/cgilua.exe/sys/start.htm?infoid=310&sid=6 Acesso em 25.10.07.

KAHRS, R. F. Herpes mammillitis and pseudo lumpy skin disease. Poxvirus infections of the teats. Viral diseases of cattle. 2nd edition. Iowa State University Press, p.151-157, 201- 208, 2001.

Lewis-Jones, S. Zoonotic poxvirus infections in humans. Curr. Opin. Infect. Dis., v.17, p.81-89, 2004.

Lobato, z.i.p.; Trindade, G.S.; Frois, M.C.M.; Ribeiro, E.B.T.; Dias, G.R.C.; Teixeira, B.M.; Lima, F.A ; Almeida, G.M.F.; Kroon, E.G. Surto de varíola bovina causada pelo vírus Vaccinia na região da Zona da Mata Mineira. Arq. Bras. Med. Vet. Zootec., v.57, n.4, p.423-429, 2005.

Mazur, C.; Ferreira, I.I.; Rangel Filho, F.B. et al Molecular characterization of Brazilian isolates of orf virus. Vet. Microbiol., v.73, p.253-259, 2000.

Trindade, G. S.; Fonseca, F. G.; Marques, J. T. et al. Araçatuba virus: a vaccinia-like virus associated with infection in humans and cattle. Emerg. Infect. Dis., v.9, p.155-160, 2003.

Trindade, G. S. ; Emerson, G. ; Carroll, D. ; Kroon, E. G. ; Damon, I. . Brazilian Vaccinia viruses and their origins. Emerg. Infect. Dis., v.13, p.965-972, 2007a.

Trindade, G. S.; Drumond, B.P.; Maldonado, M.I.; Guedes, C.; Leite, J.A.; Mota, B.E.F; Campos, M.A.; Fonseca, F.G.; Nogueira, M.L.; Lobato, Z.I.P.; Bonjardim, C.A.; Ferreira, P.C.P.; Kroon. E.G. Zoonotic Vaccinia Virus Infection in Brazil: Clinical Description and Implications for Health Professionals. J. of Clin. Microbiol., v.45, p. 1370-1372, 2007b.

5 Comments

  1. Gecylene Pavão Almeida disse:

    Este artigo é muito bom, sendo uma boa fonte de informação, de uma forma resumida e bem explicativa.
    Parabéns aos autores pelo excelente artigo.

  2. KARLOS YURI FERNANDES PEDROSA disse:

    Cara gecylene, minha colega de trabalho, tambem concordo plenamente contigo, otimo artigo, muito rico, isso fortifica mais nosso conhecimento acerca do evento ocorrido em nosso estado recentemente.abraco e parabens aos autores pelo artigo.

  3. KARLOS YURI FERNANDES PEDROSA disse:

    Parabéns aos autores pelo excelente artigo, muito bom mesmo. Muito oportuno pois aqui no MA, tivemos recentemente um episódio em 2 municipios, e assim nos ajuda a conhecer mais sobre a doença.

    Minha colega de trabalho aqui no MA, Gecylene sabe bem disso.

    abraço a todos

  4. Jose Maria G. S. Costa disse:

    Esclarecedora matéria em se tratando de enfermidades de bovinos leiteiros, além de ser uma zoonose é de grande importância econômica, pois acarreta grandes prejuizos para a produção.
    Ainda não se tem confirmação de diagnóstico laboratorial positivo para a “Varíola Bovina” no estado doPará, talvez falta de encaminhamento de material suspeito para análise.
    Artigos técnicos dessa natureza são fundamentais para elucidação de dúvidas quando se trata enfermidades vesiculares dos bovinos, e de grande importância para nossas atividades de fomento e acompanhamento técnico aos produtores atendidos pala Gerência de Modernização da Produção Leiteira de Secretaria de Estado de Agricultura do Pará.

  5. aloisio de souza sabença disse:

    Muito boa a matéria. Bem instrutiva e importante

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