Inventário Inicial. 3. Levantamento do Rebanho
6 de outubro de 2000
O que pode aumentar o consumo de carne bovina
20 de outubro de 2000

A Europa contra ataca

Fernando de Mesquita Sampaio1

Em finais de setembro aconteceu o Congresso Mundial da Carne em Belo Horizonte, e um sério debate tomou a cena entre mercosulistas, americanos e europeus sobre os subsídios e protecionismos do mercado.

Traduzimos um artigo que saiu semana passada, na França, comentando o pega e comentamos os principais pontos:

Principais pontos

Os europeus sabem muito bem o potencial da América do Sul para o mercado mundial da carne, mas estão cheios da choradeira que foi apresentada no Congresso pelos representantes do Mercosul, pelo Carlos de Souza Meirelles, Gilman Rodrigues, Antonio Ernesto de Salvo e pelo Filipe Lampreia, que se queixam como sempre dos subsídios e das restituições feitas por Bruxelas aos produtores europeus.

Um dos brasileiros chegou a dizer que bem que nós gostaríamos de pagar subsídios mas não temos como, e eles dizem que o que queremos é que outros paguem pela nossa incompetência em gerar as contas do estado.

Quanto à política de restituições ela é clara e tem um cronograma a seguir, o que não pode se dizer da política de outros países produtores, por vezes suspeita e obscura, como os créditos à exportação americanos e as ajudas alimentárias massivas.

E dizem ainda que antes de chorar desse jeito e de criticar a Europa, devíamos ter notado que a Europa já é o maior mercado para a carne sul americana no mundo, e que representa 44% das exportações brasileiras e 25% das exportações argentinas. E que a preocupação de Bruxelas é manter a paisagem e a agricultura como está, e de manter a população rural no campo e com uma renda equivalente às outras classes sociais.

Phillippe Seng, 100% “american free market”, presidente do International Meat Office, parece estar perdendo um pouco de suas convicções liberais depois que alguns países, notadamente Austrália e Nova Zelândia começaram a imitar a política americana de protecionismo.

Meu comentário pessoal

Os europeus têm realmente medo de enfrentar uma competição a livre mercado, porque certamente vão sair perdendo, então fazem uma certa pressão psicológica sobre os outros países em questões como proteção ao meio ambiente (sobre os EUA) e sobre condições sociais de trabalhadores (sobre Brasil e terceiro mundistas em geral).

O que eles dizem é que se todos os países produtores seguissem as mesmas políticas ambientais e sociais, só ai a competição no livre mercado seria justa.

Para finalizar, e pisando no calo brasileiro, Jean Luc Mériaux, diretor da UECBV, diz: – pelo menos a gente não faz ninguém trabalhar a US$ 100 por mês…

A matéria na íntegra

Brasil, não seja orgulhoso…o clima é bom, a gente é alegre, se encontra à porta das igrejas e canta músicas doces e ritmadas.

Sim, mas quando se olha um pouco detrás do muro a terra é ingrata e acidentada, as religiões africanas e seitas reúnem milhões de adeptos e a miséria não para às portas das cidades, e subleva também a revolta dos sem terra.

Portanto o Brasil como ele é e como a gente sente que ele pode ser nos fascina : o espaço, os inúmeros recursos, os contrastes incríveis, as fronteiras constantemente alargadas, é isso que dá um ar de oxigênio aos europeus, vindos de um mundo marcado, ocupado, terminado.

Em pecuária, criações de zebus cruzados com raças européias, fazendas extensivas de grandes proprietários que fazem a fortuna nas cidades e que podem se oferecer este luxo a um bom preço, já que o pessoal não custa nada.

Por US$ 100 por mês a mão de obra é abundante, e grandes frigoríficos na periferia das cidades matam em média 1000 animais por dia.

No centro da cidade sem charme de Belo Horizonte, o palácio do Congresso do Minas Centro estava na sessão de abertura protegido por uma tropa, prudência nunca é demais, e cercado por um comando pacifico mas barulhento dos amigos dos animais (eles também têm !) para quem carne é igual a crime.

Depois de dois dias de debate no congresso, depois de passar por longos discursos de numerosos palestrantes, o que podemos guardar de bom ? Pelo menos uma boa nova, a Europa não deixa mais que lhe pisem sobre os pés, ela está mesmo em posição de contra atacar e chega a mexer com as cegas convicções dos sul americanos e até dos norte americanos, que não se sentem mais tão à vontade para criticar os resultados da PAC (Politica Agricola Comunitária, européia)

Certamente, a tempestade de criticas contras as restituições européias não vai acabar tão cedo.

É preciso ouvir os senhores Llavallol, Trapani, Martinez, Yorqui, Costas, todos responsáveis de países do Mercosul, ou ainda Carlos de Souza Meirelles, Gilman Viana Rodrigues ou o definitivo Antonio Ernesto de Salvo, presidente da CNA, algo como um Medef agricola brasileiro, ou ainda o ministro das relações exteriores Filipe Lampreia : A Europa lhes estrangula, Bruxelas desestabiliza o mercado mundial, as restituições são o veneno mortal do livre comércio e etc…

Essa musica é conhecida, mas notamos ainda algumas novas inflexões como essa de um palestrante brasileiro que disse “no fundo não somos contra os subsídios, mas nós não temos meios de criá-los…”

Terrível cegueira de um pais, de um Estado que em quebra quase permanente, incapaz de recolher impostos e de controlar suas despesas, gostaria muito que outros assumissem as conseqüências de sua incompetência.

Multifuncionalidade

A ” multifuncionalidade ” se faz ouvir.

Dois europeus se fizeram remarcar ao congresso por suas intervenções.

O primeiro é Silva Rodriguez, DG da Direção de Agricultura à Comissão Européia.

Ele já tinha sido visto uma ou duas vezes na França, calmo orador e soporífero debatedor, aparentemente o clima tropical lhe fez bem.

Em frente à todo o congresso ele explicou muito bem, e com vigor, que confundir a multifuncionalidade e protecionismo europeu era um erro sério.

Ele arriscou mesmo a cutucar os Estados Unidos sugerindo que mesmo eles agora descobriram a significação desta multifuncionalidade.

Sobre a OMC – Organização Mundial do Comércio, está fora de questão andar para trás : as preocupações dos cidadãos e do consumidor são o pivô do desenvolvimento do mercado e das ações políticas européias. E além disso, a legitimidade das decisões da OMC deve ser claramente demonstrada e o processo de decisão deve tornar-se fácil a seguir.

Quanto às restituições, a Europa quer continuar a diminui-las à condição que todas as ajudas sejam colocadas à mesa e reduzidas paralelamente.

Segundo palestrante europeu : Jean-Luc Mériaux. O diretor da UECBV fez uma apresentação magistral, mostrando que a Europa é o primeiro cliente da América do Sul para a carne, e que notadamente o Brasil vende 175 mil toneladas por ano, ou seja 44% de suas exportações, e a Argentina 85 mil toneladas, 25% de suas vendas externas no setor.

O protecionismo americano em pauta

Colocando em outros termos : antes de criticar o seu principal cliente vocês fariam melhor em olhar os números. E a propósito, as acusações se voltam contra vocês, diz com ênfase Jean-Luc Mériaux : nossas restituições fazem parte de um programa claro e transparente de redução progressiva, a União respeita estritamente seus compromissos e o calendário internacional convencionado, e muito geralmente sub utiliza suas quotas.

Não podemos dizer o mesmo de certas ajudas pouco transparentes postas em prática por certos países como créditos à exportação ou ajuda alimentar massiva.

E se fosse preciso um último argumento, saibam que na Europa nós queremos preservar a comunidade rural, e fazer com que os agricultores tenham direito à mesma renda que outras classes sociais. Em miúdos, a gente não faz ninguém trabalhar a US$ 100 por mês.

Sem subsídios e acesso livre

A Europa convenceu?

O presidente do International Meat Office, Phillipe Seng continua americano e fiel ao seu credo liberal : “no subsidies, free access”.

Mas depois que a Austrália, Nova Zelândia e mesmo alguns sul americanos que se inspiram no protecionismo de Washington, seu belo perfil de “Capitão dos Marines” se desvaneceu um pouco, e seu sotaque texano ficou quase distinto.

Daqui a pouco Phil, você vai ser um dos nossos.

François Marigny
Journal Les Marchés n°194
28 septembre 2000

________________________________________
1Engenheiro Agrônomo pela Esalq-USP,
especialista em produção e mercado de carne e
de leite, pela Ecole Supérieure d´Agriculture d´Angers e colaborador da equipe de engenheiros agrônomos da Scot Consultoria

Os comentários estão encerrados.

plugins premium WordPress