Dono do maior rebanho comercial de bovinos do mundo, o Brasil não tem -e nem pretende formular- um plano específico de combate à vaca louca, para o caso de a doença ocorrer no país, segundo reportagem de Fábio Eduardo Murakawa, publicada hoje na Folha de São Paulo.
“A vaca louca será tratada como qualquer outra doença exótica, como a febre aftosa”, afirma o secretário de Defesa Agropecuária do Ministério da Agricultura, Luiz Carlos de Oliveira. Segundo ele, não há motivos para mudar os procedimentos adotados atualmente pelo ministério, “porque o sistema atual já funciona muito bem”.
Esse sistema, explica, envolve escritórios regionais das secretarias da Agricultura, além de veterinários credenciados pelo governo e técnicos do Ministério da Agricultura. Apesar de não ter um plano específico para combater a vaca louca, a Secretaria de Defesa Agropecuária (SDA) divulgou na última semana uma série de medidas para evitar a entrada da doença.
O pacote veio em resposta a uma lista divulgada pela União Européia, classificando diversos países do mundo em um ranking de risco de incidência da vaca louca. Na lista, o Brasil foi colocado no nível 2 (intermediário), ao lado de EUA e Canadá.
Isso significa que, do ponto de vista dos europeus, há de fato uma possibilidade, mesmo que pequena, de a doença vir a afetar o rebanho do país.
O governo pretende agora fazer com que o Brasil alcance o nível 1, o que o colocaria em situação de igualdade com Argentina, Austrália e Nova Zelândia.
Dentre as medidas, o governo anunciou que serão rastreados 4.381 animais importados da França e da Alemanha entre 1990 e 1994, a exemplo do que, de acordo com o Ministério da Agricultura, já ocorrera com 179 bovinos vindos do Reino Unido entre 1980 e 1989. “Só estamos fazendo o rastreamento do gado desses países agora porque a vaca louca é mais recente por lá”, diz Oliveira.
Segundo ele, foram essas importações que colocaram o país em uma posição intermediária no ranking de risco.
“Acho positivas as medidas anunciadas pelo governo, mas elas demoraram para sair”, afirma Pedro Eduardo de Felício, professor da Faculdade de Engenharia de Alimentos da Unicamp, em Campinas (SP).
Segundo ele, o pronunciamento tem, acima de tudo, uma importância simbólica. “Tanto a população quanto os demais países têm de sentir que o governo brasileiro não está parado, ignorando os riscos.” De acordo com Felício, até o momento do anúncio do plano brasileiro, o governo vinha adotando uma postura incorreta e perigosa. “Em vez de mostrar que estava agindo, o Brasil foi fazer campanha de marketing de sua carne lá fora. Acho que o ranking europeu mostrou que também temos algo a fazer por aqui”, afirma.
Mesmo considerando remota a possibilidade de a doença chegar ao país, Felício sugere que seja criado pelo governo um plano de emergência para diagnosticar eventuais casos de vaca louca no rebanho nacional.
O plano incluiria equipes em plantão permanente, que se reuniriam para analisar a literatura existente, pesquisas e notícias recentes sobre o mal.
Ele sugere também a criação de um procedimento de emergência para o combate a um eventual caso de vaca louca, a exemplo do que foi feito pelos EUA.
Plano dos EUA
A julgar pelo plano de emergência formulado pelo Departamento da Agricultura dos Estados Unidos (Usda), o governo norte-americano tem uma visão bastante diferente da do brasileiro sobre como um eventual caso da doença deve ser tratado.
Desde 1989, os EUA vêm formulando o plano, cujo nível de detalhamento na distribuição de tarefas entre diversos órgãos poderia inspirar um roteiro para um filme de Hollywood (veja ao lado).
Além de técnicos de órgãos vinculados ao Usda, o plano envolve ainda uma equipe de monitoramento e informação, formada por especialistas de diversas áreas, desde vigilância sanitária até relações públicas e comércio exterior.
Essa equipe ficaria encarregada, entre outras coisas, de distribuir informações para a imprensa, contatar as embaixadas norte-americanas no exterior e de coletar informações sobre o caso.
Além de determinar os laboratórios onde serão feitos os primeiros testes para a confirmação da doença, já se sabe até mesmo quem falaria com a imprensa e quando e como isso será feito.
“Seria importante se o Brasil também tivesse um plano como esse”, afirma o professor Pedro de Felício.
Por Fábio Eduardo Murakawa, para Agrofolha, Folha de São Paulo, 06/02/01