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Como reagir ao protecionismo agrícola

Fernando Homem de Mello

Entre 1997 e 1999, em apenas dois anos, o total dos Subsídios Equivalentes aos Produtores (PSE) passou, nos países da OCDE, de US$ 328,8 bilhões para US$ 361,5 bilhões, com grande destaque para os países da União Européia, os Estados Unidos e o Japão. Esse expressivo crescimento é uma das razões para a continuação do período de baixos preços no mercado internacional de produtos agroindustriais. A Rodada do Milênio, em dezembro de 1999, em Seattle, nos Estados Unidos, foi um gigantesco fracasso. A expectativa, pelo menos no Brasil, era no sentido de que até 2003 seria possível, via negociações multilaterais, chegar-se a expressivas reduções nas variadas formas do protecionismo agrícola dos países industrializados. Grande engano.

E agora? O que o Brasil poderia fazer para atenuar, domesticamente, as distorções provocadas por esse protecionismo? As negociações agrícolas foram timidamente retomadas. No entanto, acredita-se que uma maior liberalização do comércio agrícola internacional só acontecerá, de fato, no contexto de uma nova rodada global de negociações. Esta fracassou em Seattle, nos Estados Unidos, e nada garante que ela será bem-sucedida em algum outro local. A literatura econômica internacional já indica que esse protecionismo é uma das causas para a subvalorização da agricultura em países menos desenvolvidos. Isso ocorreria como resultado da conseqüente redução dos preços agrícolas internacionais de equilíbrio.

O aumento do protecionismo agrícola dos países industrializados provocou sérias distorções: diminuição das importações desses países, aumento de suas exportações, reduções das quantidades por eles consumidas, diminuição das exportações dos países menos desenvolvidos e aumento de suas importações. Os fluxos comerciais foram significativamente modificados, pois os preços mundiais de equilíbrio dos produtos agrícolas foram reduzidos como resultado de décadas de políticas protecionistas.

Os estudos disponíveis indicam que o Brasil está com uma estrutura de tarifas de importação de produtos agropecuários desalinhada relativamente aos efeitos-preços negativos do protecionismo dos países industrializados. Adicionalmente, vários de nossos produtos de exportação, como açúcar, fumo, soja, carnes e suco de laranja, estão sendo implicitamente tributados pela existência de menores preços no mercado internacional, situação resultante desse protecionismo. Nossas distorções tributárias agravam esse quadro.

É claro que o Brasil deveria ter como prioridade a retomada eficiente das negociações no âmbito da OMC. Entretanto, a exemplo de Seattle, os novos argumentos de “multifuncionalidade” da agricultura européia, assim como o próprio tempo necessário para obter uma solução minimamente consensual e economicamente expressiva, indicam que o Brasil deveria adotar uma política comercial mais ativa, ainda que temporária. Essa política se aplicaria aos produtos por nós importados, como leite, algodão, milho, arroz, frutas, entre outros, produtos para os quais nossas atuais tarifas de importação podem estar abaixo daquelas que existiriam caso o Brasil procurasse compensar os efeitos negativos do protecionismo agrícola internacional. Evidentemente, isso deveria ser corroborado por novos estudos que atualizassem as magnitudes dos efeitos-preços negativos do protecionismo internacional.

O caso do leite, entretanto, é muito claro. Ele é um dos produtos, ao lado do açúcar, fumo, suco de laranja e carne bovina, em que maiores são as distorções dos preços internacionais de equilíbrio. Um estudo da OCDE e do Banco Mundial de 1993 (Goldin, I. et al, “Trade Liberalisation: Global Economic Implications”) indicava que as distorções no mercado internacional do leite só perdiam para as do açúcar. Na realidade, para compensar essas distorções, os países importadores, como o Brasil, deveriam adotar uma tarifa de importação de 53% para os produtos lácteos. Nos anos 90, o Brasil ficou longe disso, pois teve as alíquotas de produtos lácteos, no máximo, no intervalo de 19% a 33%. Essa é a origem da subvalorização da pecuária leiteira no Brasil, atividade, inclusive, de milhares de agricultores familiares.

Agora, ao contrário, está havendo, em função das regras acordadas no âmbito do Mercosul, uma previsão de redução das tarifas de importação de produtos lácteos de 27% para 16% a partir de janeiro de 2001. Isso está equivocado, pois o Brasil e os demais países do Mercosul deveriam elevar e não diminuir as alíquotas de importação até o limite do consolidado perante a OMC. É importante registrar que essa eventual elevação não é uma medida protecionista. Ao contrário do existente para outros setores, ela compensaria os produtores de leite pelos subsídios dos países industrializados. A nova alíquota de importação seria de natureza temporária, até que as negociações multilaterais chegassem a um bom termo.

É interessante notar que outros países estão fazendo isso com o leite e outros produtos. A Argentina, por exemplo, aumentou de 13% para 35% a tarifa de importação de carne suína, um produto constante da lista de exceções do Mercosul. Qual o argumento? “Isso compensa os subsídios concedidos pela União Européia, Canadá e Estados Unidos”, de acordo com a Associação Argentina de Produtores de Suínos. O Chile, por sua vez, deu passos iniciais para a “aplicação de salvaguardas ao leite em pó, ao UHT e aos queijos”. Falta o Brasil iniciar a adoção de uma política comercial mais ativa, que contribua para a correta valorização dos retornos aos investimentos na agricultura.
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Artigo publicado no jornal Gazeta Mercantil do dia 21/11/2000, da autoria de Fernando Homem de Mello, professor-titular do departamento de economia da FEA-USP e pesquisador da Fundação Instituto de Pesquisas Econômicas – Fipe.

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