Desde o início do plano real, a cadeia da carne bovina tem estado em crise devido à diminuição das margens entre o valor e o custo da arroba do boi produzida nos sistemas tradicionais de criação de bovinos de corte. Graças a essa crise, o setor vem sofrendo transformações rápidas em alguns elos da cadeia.
Grandes avanços têm sido incorporados nos sistemas de produção relacionados com a implantação e execução de manejos adequados e racionais da alimentação, da reprodução, da saúde e dos recursos genéticos. Uma característica importante nesse caso é que esses avanços tem ocorrido principalmente através da escolha de alternativas que podem ser determinadas caso a caso pelos proprietários e ou gerentes.
Apesar de bastante propalado, avanços reais em termos de uma integração saudável entre os elos da cadeia têm deixado muito a desejar. Parece estar fora de dúvida o fato de que qualquer avanço significativo na cadeia como um todo depende primeiro de uma análise profunda de como ela está funcionando para conhecer os problemas e resolvê-los colocando sempre os interesses da cadeia como um todo acima dos individuais (diferentes integrantes). Se essa análise existe e se os problemas já são conhecidos, muito pouco tem sido feito para resolvê-los adequadamente.
Não é um absurdo o fato dos integrantes da cadeia não praticarem um sistema de classificação e ou tipificação de carcaças como rotina para definir bases de comercialização e de orientação dos consumidores?
A pergunta, “quem teria mais interesse em um programa de classificação de carcaças” colocada aos usuários do BeefPoint, deu o seguinte resultado:
1. produtor e frigorífico = 26,7%
2. frigorífico e varejo = 57,8%
3. produtor e varejo = 15,6%
Pelos resultados, pode-se inferir que os usuários do BeefPoint, na época da pergunta, atribuiram maior interesse ao frigorífico e menor ao produtor, colocando o varejo em posição intermediária. Essa tendência de colocar o produtor como menos interessado não estaria na raiz do problema porque até hoje o sistema de tipificação de carcaças regulamentado pelo Ministério da Agricultura não é praticado como rotina? O setor de produção deve ser o mais interessado e participar através de órgão(s) representativo(s) da classe como financiador e fiscalizador do sistema de tipificação de carcaças. Se o sistema atual regulamentado não satisfiz, ele deve ser adaptado às condições exigidas. Para chegar à conclusão se ele serve ou não, ele deve ser amplamente usado.
Além disso, é sabido que a qualidade da carne colocada à disposição do consumidor pode ser de qualidade muito inferior àquela do animal antes do abate tanto na propriedade como no frigorífico. Fatores ligados a manejo pré abate, principalmente estresse, e a fatores pós abate, principalmente relacionados com o frio (capacidade e manejo das câmaras frias) são os principais responsáveis por essa queda de qualidade da carne entre a propriedade e o consumidor. O setor produtivo é o responsável direto até a saída dos animais da propriedade e deve ter mecanismos para fiscalizar e exigir que os outros fatores pré e pós abate não diminuam a qualidade da carne tanto em termos de segurança alimentar como de características degustativas (maciez, sabor, aparência, etc).
Um outro ponto é a atitude de uma grande maioria dos produtores em relação ao couro. Existem normas de marcação para aumentar a qualidade e o rendimento de couros, fáceis de serem seguidas e que não atrapalham o manejo de animais criados especificamente para o abate (novilhos e novilhas). A maioria não segue porque não existe uma remuneração diferenciada para o couro. Isso tem causado um prejuízo enorme ao país, pois virou um “loop”, isto é, as normas não são seguidas porque o couro não é remunerado, não se remunera o couro porque a qualidade e o rendimento não são bons. A mentalidade deve ser mudada, aliás parece que tem havido alguma evolução nesse sentido. Mesmo que temporariamente não exista uma remuneração diferenciada, só a satisfação e o orgulho de produzir um couro de boa qualidade e com isso estar contribuindo com a economia brasileira como um todo, mesmo que alguns espertinhos estejam levando vantagens, deveria motivar os produtores sempre produzir o melhor couro. Com o tempo o reconhecimento virá, pois ele é sempre consequência de atitudes e ações corretas tomadas anteriormente. Novamente, os órgãos representativos da classe produtora tem um papel importante em mostrar como deve ser feito e em motivar o produtor a mudar de atitude.
Embora existam muitos órgãos de produtores, a maioria não tem representatividade, isto é, o número de associados é pequeno porque a maioria dos produtores não gosta de contribuir, aqueles que contribuem participam pouco, e como consequência os que dirigem podem ter que ficar muito tempo, afetando o dinamismo e a renovação de idéias. Em alguns casos, chega-se a confundir o interesse de uma pequena minoria como sendo da grande maioria.
Temos certeza que esse quadro está mudando e que as mudanças serão cada vez mais rápidas por pelo menos duas razões principais: a globalização tem levado os interessados em diferentes setores a se organizarem para fazer valer os seus direitos; o perfil dos produtores de gado de corte está em rápido processo de mudança para melhor, com gente interessada em participar e contribuir para a tornar o setor altamente competitivo.