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Controle biológico e alternativo do carrapato dos bovinos

Por Cecília José Veríssimo1

Muito se tem falado a respeito do controle biológico de pragas na agropecuária. Na agricultura, o modo mais eficaz de controlar as pragas é a introdução de variedades resistentes. Na pecuária, existem “pragas” de difícil controle, como por exemplo, o carrapato que parasita os bovinos, espécie Boophilus microplus. Felizmente, para os pecuaristas, existem raças naturalmente resistentes a esse carrapato, que são todas as raças zebuínas. Essa espécie de carrapato é muito patogênica, principalmente para bovinos suscetíveis, como é o caso das raças bovinas de origem européia. Nos animais mestiços, a resistência ou suscetibilidade vai depender da quantidade de sangue europeu que o animal tiver: quanto maior o parentesco com raças européias, maior a suscetibilidade do animal, e vice-versa: quanto mais próximo ao zebu, mais resistente será o animal.

Os zebuínos, pela sua localização geográfica de origem (Índia e continente africano) e convivência milenar com esse parasita tropical, também originário dessas regiões, adquiriram importantes defesas contra a infestação de carrapatos, e mantém um perfeito equilíbrio hospedeiro-parasita, de modo que nos hospedeiros resistentes os prejuízos são mínimos ou não existem.

Já houve várias tentativas de se quantificar o prejuízo que esse carrapato provoca em bovinos resistentes. No entanto, esses animais possuem um eficiente sistema de defesa contra o parasita, que os impede de se fixarem e causar malefícios: eles são extremamente sensíveis às larvas do carrapato; quando elas estão tentando se fixar em sua pele, ficam incomodados, sentem coceira no local, e, coçam-se com a língua, retirando, dessa forma, grande quantidade de larvas, que uma vez ingeridas, são mortas. O processo continua nas outras fases do carrapato: ninfas e adultos – cada fase do carrapato (larva, ninfa, e adulto, macho ou fêmea) se passa em um único hospedeiro, dura cerca de uma semana, e totaliza 21 dias de ciclo parasitário, em média. Pouquíssimos carrapatos nos bovinos resistentes conseguem chegar até a fase de fêmea ingurgitada (a que se visualiza bem, e que parece uma mamona ou jabuticaba).

Depois que a fêmea se alimenta de sangue, e fica repleta, ela se desprende do animal, e cai no solo para ovipor. A quantidade de ovos postos por uma fêmea é diretamente proporcional ao peso que ela atingirá, o que, por sua vez, está diretamente relacionado à quantidade de sangue ingerido. Os animais resistentes têm defesas imunológicas que atrapalham a ingestão de sangue pelas fêmeas do carrapato, de modo que elas não alcançam o mesmo tamanho que alcançariam se estivessem se alimentando em um hospedeiro suscetível. Com isso, as poucas fêmeas de B. microplus que conseguem se fixar, e alcançar o estágio adulto, atingem um pequeno tamanho, e, consequentemente, irão pôr menos ovos. Isso tem uma implicação muito grande no ecossistema do parasito, o que diminui significativamente a população de carrapatos na pastagem. A fase em que a fêmea se alimenta de sangue é a mais patogênica para o hospedeiro. Portanto, bovinos resistentes podem ser considerados controladores biológicos do carrapato, pois não permitem que as larvas atinjam a fase adulta, e, por isso, impedem a reprodução do carrapato, quebrando seu ciclo parasitário.

No entanto, é preciso ficar-se atento, pois, mesmo em uma população de animais resistentes, podem existir animais suscetíveis, que permitam maior quantidade de carrapatos chegar à fase adulta. Mas se isso acontecer, basta eliminar do rebanho esses poucos animais mais parasitados. O mesmo procedimento não é recomendável para animais de origem européia. Nas populações de bovinos de raças européias, a maioria é suscetível ao parasita, embora existam, em baixa freqüência, animais resistentes. Caso os suscetíveis fossem eliminados, isso inviabilizaria a criação desses animais, e ficaria anti-econômico. Mas esse não é o caso das raças zebuínas, onde vale a pena descartar os animais nos quais se percebe um grande número de “mamonas” ou “jabuticabas” (fêmeas ingurgitadas).

Trabalho realizado recentemente pelo Instituto de Zootecnia (Secretaria da Agricultura do Estado de São Paulo), em Nova Odessa, SP, revelou que animais das raças zebuínas Nelore e Gir não precisam de carrapaticida para controlar sua baixa infestação, mesmo quando esses animais pastejam junto com bovinos suscetíveis (Holandês e mestiços europeu x zebu) (VERÍSSIMO et al., 2002a,b).

Das raças zebuínas, a Nelore parece ser a mais resistente, sempre tendo a menor infestação de carrapatos quando comparada a outras raças, inclusive zebuínas (VERÍSSIMO, 1993). Mas, como foi dito no início do texto, todas as raças zebuínas são resistentes ao parasita. E é por isso que animais mestiços, filhos do primeiro cruzamento entre um animal zebuíno e um europeu, recebem do pai ou mãe zebu a característica resistência ao carrapato, e do pai ou mãe europeu, as características produtivas, como ganho de peso ou alta produção leiteira, e, por isso, têm alta produtividade em nosso meio, onde o carrapato está presente. À medida que vai se introduzindo sangue europeu no mestiço (5/8, 3/4, 7/8 de sangue europeu), a característica resistência ao carrapato vai se diluindo e desaparecendo, o que torna o mestiço cada vez mais suscetível ao parasita, e, portanto, menos produtivo, já que o carrapato causa perda do apetite, anemia e intoxicação, que levam à perda de peso, diminuição da produção leiteira, e, até mesmo, morte do animal.

A resistência ao carrapato é uma característica hereditária, transmitida de pai para filho, portanto, deve ser estimulada a seleção para essa característica, já que os carrapatos causam inúmeros prejuízos aos bovinos suscetíveis e o seu controle com o uso dos carrapaticidas convencionais está cada vez mais difícil, em função da resistência que esses parasitas vêm adquirindo aos produtos químicos, ao longo de todos esses anos de contato com os produtos.

A seleção deve ser feita no campo, no verão, e quando o animal estiver com idade superior a um ano. Quantifica-se o número de carrapatos maiores que 0,4 cm (somente as fêmeas atingem esse tamanho) presentes em um dos lados do animal. Existem várias maneiras de se avaliar o número de carrapatos, desde que se estabeleça sempre o mesmo critério para todos os animais a serem avaliados, pode-se avaliar apenas o terço anterior de um dos lados do animal (cabeça, pescoço, região escapular, peito, axila e braço), ou contar o número de carrapatos presentes na parte posterior do animal (região do períneo). O importante é identificar os animais que têm muitos carrapatos e os que têm pouco ou nenhum. Essa seria uma boa providência, principalmente em raças mestiças de gado de corte, já que a infestação por carrapatos afeta muito o ganho de peso do animal. Devem ser feitas, pelo menos, duas avaliações da infestação de carrapatos nos animais a serem selecionados, que deverão estar juntos, na mesma pastagem. A infestação pode ser anotada na ficha de cada animal, para posterior consideração.

A aparência externa do animal pode ajudar na seleção dos animais resistentes. Trabalho realizado por pesquisadores do Instituto de Zootecnia (Secretaria da Agricultura do Estado de São Paulo), em Nova Odessa, SP, revelou que nos animais mestiços existe uma grande relação entre o comprimento do pêlo e a infestação por carrapatos. Portanto, deve-se selecionar aqueles animais com pêlo bem curto, semelhante ao pêlo dos animais zebuínos. Verificou-se também nesse trabalho, em um rebanho da raça Jersey, que, embora de origem européia, esses animais têm pêlos muito curtos e pequena infestação de carrapatos (VERÍSSIMO et al., 2004). Em outro trabalho, realizado também no Instituto de Zootecnia, em Sertãozinho, SP, a raça Caracu apresentou pêlos curtos e baixa infestação de carrapatos (FRAGA et al., 2003).

O controle biológico do carrapato por meio da utilização de fungos entomopatogênicos (Metarhizium anisopliae, Beauveria bassiana), e plantas com poderes acaricidas tem sido foco de pesquisas por todo o Brasil. Os fungos estão sendo, inclusive, comercializados, porém, os resultados de pesquisa com bovinos estabulados com o Metarhizium indicam uma eficácia em torno de 50% (CASTRO et al., 1997).

Os estudos com as plantas ainda estão no início, porém, trabalhos que utilizaram óleos essenciais e concentrados emulsionáveis de eucalipto (Eucalyptus) e rotenóides extraídos do timbó Derris urucu) mostram-se promissores no controle desse ácaro. Já, o Nim (Azadirachta indica), propalada planta com ação inseticida, testada na forma de óleo, extrato alcoólico ou aquoso, teve baixa ou nenhuma eficácia sobre fêmeas ingurgitadas e larvas do carrapato em ensaios de laboratório.

Quanto aos predadores naturais, verifica-se que vários predadores vertebrados (aves, ratos, camundongos e sapos) e invertebrados (formigas, aranhas, “tesourinhas”) foram apontados como predadores potenciais de fêmeas, parcial ou totalmente ingurgitadas, e ovos de B. microplus. Desses inimigos naturais, destacam-se aves, tais como a “garça vaqueira” (Egretta íbis) e as galinhas domésticas (Gallus domesticus).

Terapêuticas alternativas, como a homeopatia, vêm sendo utilizadas, mas ainda sem respaldo científico.

Vacinas desenvolvidas no Brasil estão sendo estudadas por vários grupos de pesquisadores. A mais avançada em seus estudos de desenvolvimento e que está prestes a ser comercializada é a vacina desenvolvida na Universidade Federal de Viçosa pelo grupo liderado pelo Prof. Joaquín Patarroyo Salcedo.

O uso da “flor de enxofre” no sal ou alimentos para controlar o carrapato já foi pesquisado. Em alguns trabalhos, essa prática diminuiu significativamente a infestação dos animais tratados em relação aos controle, embora o grau da infestação ainda tenha ficado acima do limite máximo aceitável para o gado.

Contudo, a criação de animais resistentes (todas as raças zebuínas), ou menos suscetíveis (Jersey, Caracu e todas as raças mestiças sintéticas selecionadas também para resistência ao carrapato), é a forma mais eficiente (controle efetivo da população de carrapatos), econômica (não há gastos com carrapaticida, perda de peso, leite, mortalidade) e ecológica que existe de controlar o carrapato dos bovinos Boophilus microplus (não há problema de intoxicação para animais e o homem, e de resíduos de produtos químicos no ambiente e no animal), portanto, deve ser incentivada.

Bibliografia

CASTRO, A.B.A. de, BITTENCOURT, V.R.E.P., DAEMON, E., VIEGAS, E.C. Eficácia do fungo Metarhizium anisopliae sobre o carrapato Boophilus microplus em teste de estábulo. Rev. Univ.Rural, Sér. Ciênc. Vida, v.19, n.1-2, p.73-82, 1997.

FRAGA, A.B., ALENCAR, M.M., FIGUEIREDO, L.A., RAZOOK, A.G., CYRILLO, J.N.S.G. Análise de fatores genéticos e ambientais que afetam a infestação de fêmeas bovinas das raça Caracu por carrapatos (Boophilus microplus). Revista da Sociedade Brasileira de Zootecnia, v.32, n.6 (suplemento 1), p1578-1586, 2003.

VERÍSSIMO, C.J. Prejuízos causados pelo carrapato Boophilus microplus. Zootecnia, v.31, n.3/4, p. 97-106, 1993.

VERÍSSIMO, C.J., OTSUK,I.P., ARCARO, J.R.P., DEODATO, A.P., BECHARA, G.H. Infestação pelo carrapato Boophilus microplus (Acari:Ixodidae) Canestrini, 1887, e comprimento do pêlo em vacas zebuínas, européias e mestiças. In: REUNIÃO ANUAL DA SOCIEDADE BRASILEIRA DE ZOOTECNIA, 41., Campo Grande, MS, 2004 (aceito para publicação).

VERÍSSIMO, C.J., OTZUK, I.P., DEODATO, A.P., LARA, M.A.C., BECHARA, G.H. Infestação por carrapatos Boophilus microplus (Acari: Ixodidae) em vacas das raças Gir, Holandesa e mestiça sob pastejo. Arq. Inst. Biol., São Paulo, v.69 (supl.), p.87-89, 2002a.

VERÍSSIMO, C.J., OTZUK, I.P., LARA, M.A.C., DEL FAVA, C. Infestação por carrapatos Boophilus microplus (Acari: Ixodidae) em vacas da raça Nelore. Arq. Inst. Biol., v.69 (supl.), p.29, 2002b.

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1Cecília José Veríssimo, Pesquisadora Científica do Instituto de Zootecnia (APTA/SAA-SP)

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