Fechado no piquete que divide com o “padrinho” Rei do Norte, o touro Acesso Negado, o animal de rodeios mais caro do país, descansa após sessões de acupuntura e ozonioterapia e observa os visitantes que fazem selfie com ele a uma distância segura. O animal de quase 5 anos e 560 quilos, que tem um porte bem diferente dos pesados touros que competem no Brasil, é uma das estrelas de um negócio milionário que está florescendo no país: a genética de touros de pulo, inspirada nos animais criados nos Estados Unidos.
“Há muito tempo eu procurava um animal jovem, menos pesado, mais ágil, que pulasse bem e mantivesse o pulo e o giro mais tempo, para iniciar o desenvolvimento de uma genética de touros de pulo, que deve comandar o futuro da atividade também no Brasil”, diz o empresário rural Tércio Miranda. A busca, ele conta, era por um animal ao estilo dos que se vê na Professional Bull Riders (PBR), a principal liga de rodeios dos Estados Unidos.
Além de cuidar de perto de uma boiada que participa de rodeios em todo o Brasil – e que vale, estima-se, mais de R$ 20 milhões –, ele cultiva 3.000 hectares de grãos no Paraná e cria cavalos puro-sangue árabes, atividades que herdou do pai, Lúcio Miranda. Com seu projeto de genética bovina, batizado de Acesso Negado Bucking Bull, ele pretende vender em leilões os filhos e embriões do touro milionário e de outros animais selecionados da Cia. Tércio Miranda, entre os quais estão Rei do Norte e Gatilho, os dois atletas bovinos de pulo que dividiram o título da Festa do Peão de Barretos do ano passado. O primeiro leilão de genética deverá ocorrer em fevereiro de 2025.
“Acredito que muita gente de fora dos rodeios vai começar a investir nesses animais como um negócio mesmo, e não mais como hobby”, aposta Tércio, que foi convencido pela esposa, Rosana Miranda, a fazer um investimento robusto no novo negócio. Os desembolsos já passam de R$ 10 milhões. O empresário diz que, em 2018, ao conhecer Rosana, uma fisioterapeuta apaixonada por animais, teve que provar que o bem-estar dos touros era a base do seu negócio. Ela atesta. “Tércio me mostrou como os animais eram bem tratados na fazenda, os cuidados nutricionais, as sessões de acupuntura e ozonioterapia, e eu fui me apaixonando também pelos touros”, relata.
No dia 16 de março, a Cia. Tércio Miranda acrescentou ao seu plantel, de 45 animais, outros 20, que o empresário comprou da Cia. 2M. Fazem parte da lista de reforços touros já consagrados nas arenas, como Canibal, Comendador, Sensação, Sem Juízo, Avião e Amendoim, além de uma geração de jovens promessas, como Arrogante, Fabuloso e Alucinante.
Acesso Negado, que é vigiado por câmeras 24 horas na fazenda em Votuporanga (SP), recebe os cuidados de quatro veterinários, além de nutricionistas e tratadores. Os mimos, que incluem até escalda-pés, se estendem também aos outros touros da boiada e a vacas de alta performance, como Vitrine, de 2 anos, que é filha de Acesso Negado e que, segundo Tércio, já impressiona e deve brilhar como futura mãe de campeões de pulo.
Comprado por R$ 1,087 milhão em leilão no ano passado, o pai de Vitrine tem outros dois filhos. “Recebemos muitos vídeos mostrando o porte, exibições e títulos do Acesso Negado em rodeios juvenis. Fomos para o leilão preparados para pagar o que fosse necessário”, diz Rosana. Segundo ela, neste ano, o casal já recusou R$ 2 milhões pelo animal, que não vai ser escalado para rodeios, mas exibido em desafios para mostrar sua genética.
Dono de quatro fazendas no Paraná e em São Paulo, Tércio comprou há um ano outra propriedade em Votuporanga, de 50 hectares. A fazenda está passando por adaptações e sendo equipada para receber os touros reprodutores, 300 receptoras e 50 doadoras puras de origem (ou PO, segundo o jargão dos criadores), além de toda a estrutura para a reprodução.
Marcos Guerra, veterinário com doutorado em reprodução de bovinos, é quem coleta o sêmen dos touros na fazenda de Tércio. Ele começou a trabalhar com o melhoramento genético desses animais em 2021 e tem como clientes peões campeões da PBR, como José Vitor Leme e Kaique Pacheco, que criam touros em suas fazendas em Decatur, no Texas, além do próprio cunhado, Guilherme Marchi, campeão mundial da PBR de 2008.
Guilherme Marchi, campeão mundial da PBR de 2008. “Conheci o Tércio por meio do Kaique, que vendeu a ele um touro (da raça) miura e me pediu para coletar o sêmen do animal. Ninguém conseguia fazer o serviço, já que o animal era muito ‘quente’, bravo e pulava demais”, conta Guerra, que montou uma central de touros reprodutores de todas as raças em Monte Aprazível (SP) e se reveza na prestação de serviço no Brasil e nos EUA.
O veterinário Bruno Cholfe, especialista em fisiologia do exercício, trabalha com touros de rodeio desde 2006 e atende os touros de Tércio desde 2018. Carregado de equipamentos como eletroestimulador, laser e ultrassom, ele visita a fazenda pelo menos uma vez por semana para preparar os animais para os rodeios e também cuida da reabilitação deles depois das provas.
Cholfe explica que usa técnicas de medicina integrativa para tratar lesões, luxações, aumentar a imunidade dos touros e também como prevenção. Além de vacinas e dos hemogramas trimestrais, os animais passam por avaliações terapêuticas a cada 15 dias.
“Bem-estar animal é o padrão, mas aplicamos outras tecnologias para proteção do investimento, afinal, todos são animais de elite”, diz Cholfe. Com os funcionários da fazenda, ele também trabalha para desenvolver técnicas de manejo que ajudem a evitar brigas por território e lesões graves nos piquetes.
Adriano Brusco, gerente de bois da fazenda, ex-peão e ex-juiz de rodeios em Barretos, diz que as técnicas de manejo foram fundamentais para a escolha do colega de piquete de Acesso Negado. O veterano Rei do Norte acolheu o jovem touro sem disputa.
O tricampeão mundial Adriano Moraes, que já criou touros nos Estados Unidos e faz o mesmo agora no Brasil, também aposta no investimento em genética como o futuro dos rodeios. “Não existe raça de touro de pulo e nem existe mais ‘touro de experimento’. Antes, a gente ia a uma fazenda, pegava os animais mais atléticos e montava para ver se eles pulavam. Acredito que, em cinco a dez anos, estaremos no caminho dos americanos. Temos criadores investindo no melhoramento genético e gente trazendo genética comprovada dos Estados Unidos para criação de touros mestiços que já estão pulando”, afirma.
Jay Daugherty, presidente da American Bucking Bull Inc. (ABBI), empresa que registra o pedigree dos touros de rodeio nos EUA, disse à Globo Rural que o controle da genética de touros começou por lá no fim da década de 1990, quando criadores foram incentivados a registrar seu estoque de rodeio (cavalo incluído) com verificação de DNA.
Segundo ele, hoje, a ABBI opera o maior registro de DNA de bovinos do mundo, com mais de 180 mil bois e vacas, e paga mais de US$ 2,5 milhões por anoem eventos competitivos que sancionam touros com registro de DNA. “O objetivo é desenvolver o talento dos atletas animais e aumentar seu valor”, diz.
Fonte: Globo Rural.