Sustentabilidade é prioridade para exportação de carne, afirma Imac
29 de maio de 2023
Balizador de preços do boi gordo GPB/DATAGRO – Boletim de 29-maio-2023
30 de maio de 2023

Demanda da China por carne com sustentabilidade pede diálogo e colaboração

Da economia à geopolítica, a visita do presidente Lula à China resultou em diversos acordos, que podem gerar investimentos da ordem de R$ 50 bilhões. O fato de a visita do Brasil coincidir com a reabertura do país asiático no pós-pandemia contribuiu para o sucesso da missão e para o clima de otimismo no ar. Um aspecto importante é que o combate à mudança do clima mereceu uma declaração conjunta exclusiva, o que mostra que este é um assunto central das estratégias de política externa entre os dois países. Demais temas, como agricultura, esportes e turismo, foram agrupados em outra declaração conjunta, que abordou propostas de cooperação e aprofundamento estratégico.

Sendo a China atualmente o maior emissor de gases de efeito estufa e o Brasil, o sétimo país neste ranking, é natural que ambos estejam engajados em buscar soluções para neutralizar suas emissões. Porém, enquanto a principal fonte das emissões chinesas é a energia – sobretudo em razão do elevado consumo de carvão mineral –, no Brasil a maior causa é a mudança do uso da terra, que responde por 49% das nossas emissões, seguida da agropecuária, com 25%, segundo os dados mais recentes do Sistema de Estimativas de Emissões e Remoções de Gases de Efeito Estufa (Seeg), do Observatório do Clima, referentes ao ano de 2021.

Durante os dez dias em que estivemos na China, acompanhando a delegação brasileira e dialogando com diversos atores governamentais, empresariais e da sociedade civil, ficou claro o avanço do tema da sustentabilidade dentro da China, que busca cada vez mais implementar uma economia de baixo carbono, de forma a atender seus compromissos de pico de emissões até 2030 e neutralidade até 2060. Conversamos com representantes do Ministério da Ecologia e Meio Ambiente da China e com think tanks relacionados, que lá exercem um importante papel de contribuição técnica para a formulação de políticas públicas. Visitamos a Universidade Tsinghua e a Universidade de Agricultura da China, onde conhecemos pesquisadores já dedicados à colaboração Brasil-China em mudança do clima e sustentabilidade. Em todos os ambientes, a crise do clima fez parte do debate.

Desde 2009, a China é nosso maior parceiro comercial, tendo no ano passado importado US$ 89,7 bilhões e exportado US$ 60,7 bilhões para o Brasil. Pela escala dessas trocas, que absorvem parcela significativa da produção brasileira, a atividade agrícola voltada à exportação para a China merece atenção especial no contexto dos esforços de redução de desmatamento e agropecuária de baixo carbono. Um mercado potencial e exemplar neste contexto é o da carne bovina, em que a China figura em primeiro lugar entre os compradores de produtos brasileiros. Cerca de 40% das importações chinesas de carne em 2022 tiveram origem no Brasil, o que equivale a 987 mil toneladas. E o consumo médio de carne bovina pelos chineses ainda é baixo, se comparado com outros mercados. Enquanto os chineses consomem 6 kg per capita por ano, os norte-americanos consomem 38 kg e os brasileiros, 26 kg, em média.

A China tem o grande desafio de satisfazer as necessidades alimentares e nutricionais de uma classe média estimada em 800 milhões de pessoas, segundo o Banco Mundial. Com maior acesso à renda, é esperado que esse imenso contingente queira diversificar sua dieta e incluir mais proteínas animais em seu cardápio.

Já o desafio do Brasil é atender a essa demanda sem causar desmatamento, com menos emissões, baixo custo e oferta contínua. Como conciliar esses objetivos é o grande nó a ser desatado, pois a China não quer ser acusada de não prestar atenção à sua cadeia de suprimentos e de contribuir para o desmatamento na Amazônia. Assim, o Brasil precisa desenvolver um diálogo de forma proativa com a China, para que possamos protagonizar soluções que sejam benéficas para ambos os países, sem correr o risco de sermos surpreendidos por regulações impostas unilateralmente, sem prévia negociação. Precisamos estar atentos e fazer parte deste diálogo em todas as instâncias: governamental, acadêmica, corporativa e na sociedade civil. Trata-se de tema de fundamental interesse para o Brasil.

Uma das iniciativas do Instituto de Manejo e Certificação Florestal e Agrícola (Imaflora), o Boi na Linha, é um exemplo de sistema de auditoria e monitoramento de desmatamento ilegal na cadeia da carne bovina. O programa reúne os principais frigoríficos do País, o Ministério Público Federal e organizações socioambientais, e poderia ser harmonizado com critérios e demandas chinesas para garantir produtos de baixa emissão e de procedência segura, sem qualquer relação com desmatamento ilegal ou impactos sociais negativos. Outra iniciativa, o Carbon on Track, desenvolve o balanço de emissões de produtos agropecuários e já conta com o caso de sucesso de um grande frigorífico. A plataforma demonstra que é possível produzir carne bovina sem contribuir para o aquecimento do planeta.

Para atender a essa demanda crescente sem promover a abertura de novas áreas, é preciso que o Brasil lance mão de uma série de tecnologias e boas práticas agrícolas já existentes, mas que precisam ganhar maior escala. Por exemplo, a intensificação sustentável, com o aumento da produtividade numa mesma área – atualmente, nossa produtividade média é de uma cabeça por hectare, mas poderia chegar a três cabeças por hectare, ou mais. Existem ainda sistemas de produção, como a integração lavoura-pecuária-floresta (ILPF), com árvores e culturas agrícolas sequestrando os gases emitidos, e o bom manejo de pastagens. Atualmente, o Brasil tem uma área de mais de 70 milhões de hectares de pastagens degradadas, que poderiam ser recuperadas e ocupadas pela agropecuária.

O Brasil presidirá o G-20 em 2024 e está pleiteando sediar a COP do Clima em 2025, em Belém do Pará. São grandes oportunidades de demonstrarmos avanços na redução de emissões de gases de efeito estufa, e a pecuária pode ser uma peça-chave nessa transformação. Para isso, precisamos desde já intensificar o diálogo com os parceiros chineses e assumir protagonismo nesta discussão que tanto nos é cara.

Fonte: Estadão.

Os comentários estão encerrados.

plugins premium WordPress