Depois de uma reunião de cinco horas, 47 representantes (65% dos 72 votantes) ligados à Federação da Agricultura do Rio Grande do Sul (Farsul) decidiram manter os rebanhos sem vacinação preventiva contra a febre aftosa, a fim de preservar o mercado internacional para as carnes brasileiras. Um total de 25 sindicalistas (35%) preferia a vacinação, com medo dos 149 focos identificados na Argentina até ontem.
No plenário da Farsul, em Porto Alegre, 29 presentes descartaram a vacina e 22 defenderam sua aplicação. Nos votos por fax, os contrários à medida venceram: 18 a três votos. Dos 129 sindicatos ligados à entidade, 72 votaram. A participação foi de 55%.
O presidente da Farsul, Carlos Sperotto, disse que esta foi uma decisão histórica da classe produtora. “Agora, vamos defender essa posição em todas as instâncias” afirmou, esclarecendo que tem carta branca dos sindicatos para reverter a posição caso surjam fatos novos. Um fato novo poderia ser o surgimento de um foco. Nesse caso, segundo ele, os produtores poderão defender até vacina ou rifle sanitário.
Sperotto explicou também que a decisão foi adotada em razão dos prejuízos no mercado internacional de carnes e da comprovação de que os focos de febre aftosa na Argentina não representam o perigo imaginado há poucos dias.
Em Santa Catarina, duas reuniões mostraram a divisão dos criadores. Os suinocultores pediram ao secretário de Agricultura daquele Estado, Odacir Zonta, o reinício imediato da imunização. Em outro encontro, 77 representantes de produtores rurais descartaram por unanimidade a volta da vacinação do rebanho. O presidente da Associação Catarinense dos Criadores de Suínos, Paulo Tramontini, divulgou nota defendendo a vacinação sob o risco de exigir indenização caso os produtores tenham prejuízos.
Mapa
Os sindicatos rurais localizados na fronteira com o Uruguai, como os de Livramento, Dom Pedrito e Bagé, foram contra a medida. O Uruguai é livre de aftosa sem vacinação há seis anos. Já os representantes de municípios na fronteira com a Argentina, como Uruguaiana, Alegrete e Rosário do Sul, queriam a vacina.
A posição dos municípios do nordeste gaúcho foi decisiva. O presidente do Sindicato Rural de Bom Jesus, Luiz Varella Júnior, levou uma carta de oito colegas da região contrários à imunização. Esses dirigentes, de André da Rocha, Cambará do Sul, Caxias do Sul, Ipê, São Francisco de Paula, Vacaria, Lagoa Vermelha e São José do Ouro, enviaram voto por fax.
O presidente da Farsul disse que vai conversar com dirigentes de associações de criadores, cuja maioria é favorável à vacina. O diretor da GAP Genética Eduardo Linhares tentou convencer colegas do perigo da proximidade com os focos da Argentina: – Nos submetemos à maioria. Agora estamos à mercê da sorte.
Prejuízos
O Ministério da Agricultura divulgou ontem uma nota técnica alertando para os prejuízos da vacinação no Rio Grande do Sul e em Santa Catarina. A nota afirma que a imunização não apresenta um efeito imediato no gado e provocaria a perda de mercados internacionais. O secretário de Defesa Agropecuária, Luiz Carlos de Oliveira, estará hoje na Assembléia, em Porto Alegre.
Uma das justificativas de Oliveira para lutar contra a volta da vacina é a exportação de suínos. O secretário lembrou que uma missão russa está no Brasil e deve visitar o Rio Grande do Sul.
Oliveira acredita que seria melhor enfrentar um foco do que os efeitos da vacinação, uma campanha calculada em R$ 25 milhões só na primeira etapa. O maior temor é que a Organização Internacional de Epizootias (OIE) considere inseguro o sistema de vigilância, levantando suspeitas sobre a ocorrência de aftosa. Enquanto o circuito não decidir o futuro do rebanho, o ministério não mandará à OIE o relatório sobre as providências em Jóia.
Cautela
O médico veterinário Walter Léo Verbist, em artigo publicado hoje no Zero Hora, afirma que não se pode colocar em risco o patrimônio genético, econômico e a sobrevivência dos produtores. “Por tudo isso, mesmo que a volta da vacinação desperte alguma desconfiança em nível internacional, é preferível a cautela. Não podemos colocar em risco o patrimônio genético, econômico e a sobrevivência dos produtores, apenas por uma questão de idealismo técnico. O técnico tem de ser sensível aos aspectos sociais e econômicos envolvidos”, defende.
Verbist defende a volta da vacinação, desde que o Governo Federal não isole o Estado, como no episódio de Jóia. “O conceito internacional é importante, mas é preferível perder alguns mercados hoje do que todos amanhã, se o vírus reaparecer”, declara.
Retrocesso
Em seu artigo, também publicado hoje no Zero Hora, a vice-Presidente do Conselho Regional de Medicina Veterinária, (CRMV/RS) Marilisa Costa Petry, afirma que a retomada da vacinação reflete insegurança sobre os serviços de vigilância e fiscalização, criando um cenário de desconfiança regional, nacional e internacional: “Retomar a vacina significa nos condenar a pelo menos mais dois anos para o reconhecimento de livres sem vacina. Por outro lado, é reconhecer que o sistema de vigilância é falho. Se é falho, como poderemos pensar em eliminar outras enfermidades dos rebanhos? A vacinação não substitui a necessidade de fortalecer um sistema de vigilância, atuante e permanente.”
Para a veterinária, a vacinação é um retrocesso sanitário: “Quem pede reconhecimento de evolução sanitária deve fazê-lo com conhecimentos técnicos e estruturas oficiais solidificadas e não, frente a um infortúnio, voltar atrás.”
(Por Jorge Correa, com colaboração de Lisiana dos Santos e Irineu Guarnier Filho, para Zero Hora/RS, 05/04/01)