Ed Hoffmann Madureira e Francisco Bonomi Barufi
O período anovulatório causado pela amamentação é considerado um dos principais problemas de manejo em gado de corte e de dupla aptidão em todo o mundo. Nos últimos anos, muitos dos trabalhos científicos ligados à infertilidade no pós-parto têm sido orientados para esse fenômeno e para os mecanismos regulatórios que controlam a recuperação pós parto do eixo hipotálamo-hipofisário. Neste artigo será abordado o nível atual do conhecimento nesta área, acentuando a importância fundamental deste fenômeno na regulação da eficiência reprodutiva. Uma ênfase particular será dada à integração dos sinais hormonais, sensoriais e comportamentais, os quais interagem para influenciar a reprodução no puerpério, e às tentativas de comporem-se estratégias de manejo reprodutivo a partir destes conhecimentos.
1. Recuperação do eixo hipotálamo-hipófise-gonadal
1.1. Repleção dos estoques de LH da hipófise anterior, feedback positivo do estradiol e opióides endógenos
A recuperação do eixo hipotálamo-hipofisário, antes da primeira ovulação pós parto, apresenta três fases. A primeira se inicia imediatamente após o parto, com duração de duas a quatro semanas, e se caracteriza pela repleção dos estoques de LH da hipófise anterior. A depleção do LH da hipófise anterior, em virtude da alta liberação de esteróides no final da gestação, é claramente o principal limitante da recuperação no pós-parto precoce, mas não é influenciada pela amamentação.
A segunda fase da recuperação se relaciona com um aumento da sensibilidade do hipotálamo ao feedback positivo do estradiol. A amamentação diminui esta sensibilidade, provoca aumento da concentração de opióides endógenos e diminuição da liberação de GnRH pela eminência média. Por fim, a terceira fase compreende a superação dos efeitos da amamentação.
1.2. Secreção de GnRH
Por muito tempo foi impossível efetuar a monitoração da liberação de GnRH pelo hipotálamo, em virtude da inacessibilidade dos vasos porta da hipófise. Recentemente verificou-se que a canulação do fluido cérebro-espinhal, coletado intensivamente do terceiro ventrículo, possibilita essa dosagem. Estudos iniciais evidenciam que após a desmama ocorre um aumento na amplitude dos pulsos e concentração média de GnRH, além de um provável aumento da frequência dos mesmos. Estas alterações na liberação de GnRH parecem estar ligadas à secreção de LH.
2. Integração dos eventos hormonais, sensoriais e comportamentais, levando à anovulação
Vários experimentos delineados para identificar os eventos relacionados à supressão da liberação de gonadotrofinas provocada pela amamentação mostraram que a glândula mamária e sua enervação não são propriamente importantes. A desenervação do úbere não provocou adiantamento da ovulação nem aumento da liberação de LH (suprimida pela amamentação), ou ainda alteração do desempenho lactacional. Entretanto, o contato oro-inguinal da vaca com o bezerro tem uma importância fundamental na supressão da ovulação.
2.1. Comportamento materno
O comportamento maternal inclui vários componentes fisiologicamente relacionados, num arranjo complexo de interações sensoriais, comportamentais e espaciais da vaca com seu próprio filho. Verificou-se que a substituição do bezerro, sob condições controladas, provoca o mesmo efeito que o desmame, ou seja, a diminuição da inibição da secreção de LH num período de 2 a 4 dias, com início da atividade ovariana. Conclui-se que o vínculo da vaca com o bezerro é o requisito fundamental para a não ovulação mediada pela amamentação.
Na tentativa de se identificar o fator que estabelece o vínculo entre a vaca e o bezerro, foi realizado um experimento em que algumas vacas foram provisoriamente cegadas e/ou tornadas anósmicas (sem olfato), e concluiu-se que a vaca é capaz de identificar seu filho com qualquer um destes sentidos, uma vez que a inibição da liberação de LH foi mantida mesmo no caso de ausência de um deles. A substituição do bezerro por um estranho ou a eliminação do olfato e da visão resultaram na desinibição da liberação pulsátil de LH.
2.2. Nutrição e fotoperíodo
É bastante evidente que a subnutrição e má condição corporal exacerbam os efeitos da amamentação e podem estender marcadamente o período anovulatório do pós-parto. Isto ocorre, pelo menos em parte, em virtude da influência negativa da privação energética na secreção de GnRH hipotalâmico. Há uma série de alterações metabólicas vinculadas aos efeitos neurológicos da amamentação no controle dos pulsos de GnRH. Vários trabalhos indicam uma associação estreita entre a disponibilidade de glucose, LH sérico e função reprodutiva. Quando as vacas são desmamadas, ocorre um aumento da disponibilidade de glucose, em conjunto com um aumento do IGF-I sérico, acompanhando o retorno à ciclicidade reprodutiva. Embora constate-se uma correlação do aumento do IGF-I sérico com a primeira ovulação, ainda não foi estabelecida uma ligação entre esses fatos.
Outros dois fatores adicionais que influenciam o anestro induzido pela amamentação são o fotoperíodo e a bio-estimulação pelo macho. Esses aspectos podem ser utilizados como ferramentas de manejo na tentativa de se reduzir o período anovulatório pós parto.
3. Conclusões e implicações
O anestro pós parto é um fator limitante na produtividade dos bovinos de corte. Se levarmos em conta que a atividade de cria no Brasil é efetuada, de um modo geral, sob condições extensivas em pastagens de Brachiaria decumbens, com concentração das parições no período da seca, podemos constatar que o componente nutricional é um severo fator agravante deste quadro.
Entretanto, tomando-se por base os atuais conhecimentos da fisiologia, podemos optar por uma série de esquemas de manejo no sentido de reduzir esse problema, tais quais:
* Limitação da mamada – sabe-se que se os bezerros tiverem acesso às mães mais do que duas vezes por dia, não se verificam aumentos na liberação de LH. Entretanto, o controle da mamada para duas vezes por dia (próximo aos períodos de observação de cio), ou ainda a remoção temporária dos bezerros por 48 horas, são meios comprovados para estímulo da retomada da ciclicidade.
* Efeito do macho – a presença de touros ou rufiões junto às vacas no pós-parto pode adiantar a retomada da ciclicidade. A presença de vacas em estro também é apontada como indutora de ciclicidade.
* Sincronização do estro – o uso de progestágenos para a sincronização do cio provoca um ligeiro aumento da liberação de LH, auxiliando assim na retomada da ciclicidade.
* Nutrição no pré e pós parto – ajuste da condição corporal na parição, ou ainda administração de dietas altamente energéticas no pós-parto, seja por um período mais longo, ou por um período mais curto (flushing) também parecem ajudar no restabelecimento da ciclicidade.
Adaptado de Willians, G. L. et al.. Mechanisms regulating suckling-mediated anovulation in the cow. Anim. Reprod. Sci., v. 42, p. 289 – 297, 1996.