Heloise Patrícia Quintino2, José Bento Sterman Ferraz3, Joanir Pereira Eler3, Elisângela Chicaroni de Mattos4, Luciana Neunhauss5
A endogamia é um sistema de acasalamento que consiste em acasalar indivíduos com certo grau de parentesco e conseqüentemente a obtenção de maior nível de homozigose. Esse fenômeno pode ocorrer involuntariamente – principalmente em populações pequenas, onde as opções de acasalamento são reduzidas – ou numa tentativa de obtenção de animais mais uniformes.
No entanto, a endogamia pode levar a sérios problemas reprodutivos e produtivos, levando ao que DICKERSON (1963) denominou de “depressão pela endogamia”. KENNEDY et. al. (1988), num importante estudo sobre a utilização de modelos animais na estimação de componentes de variância e avaliações genéticas em geral, sugeriram que os coeficientes de endogamia do indivíduo e de sua mãe fossem incluídos como covariáveis nas análises sob aquela metodologia, conceito utilizado por FERRAZ et. al. (1993).
A raça Marchigiana, uma das raças de Bos taurus de origem italiana que tem ganhado espaço na pecuária brasileira por sua grande capacidade de acumular músculos, sendo utilizada intensamente em programas de cruzamento. Como a população de bovinos desta raça é pequena no Brasil, com intensa utilização de determinados touros, existe a possibilidade dos níveis de endogamia estarem aumentando, podendo já estar afetando a produtividade dos animais.
Dada a importância e grande necessidade de conhecimento da genética da população dessa raça no Brasil, o presente trabalho teve como objetivo estudar o efeito da endogamia do indivíduo e de sua mãe no desempenho de bovinos da raça Marchigiana, As características analisadas foram pesos ao nascimento, aos 120 dias de idade, a desmama, aos 14 e 18 meses.
Materiais e métodos
Foram utilizados 51.627 registros genealógicos de animais da raça Marchigiana que tinham dados de produção controlados pela Associação Brasileira de Criadores de Marchigiana. O banco de dados é o mesmo que foi utilizado pelo Grupo de Melhoramento Animal da Faculdade de Zootecnia e Engenharia de Alimentos da Universidade de São Paulo na confecção do Sumário de Touros Marchigiana 2000. Do total de animais utilizados, 31.794 tinham pesos ao nascimento, 3.539 tinham peso à desmama, 3.709 tinham peso aos 14 meses e 1.937 tinham peso aos 18 meses de idade, que foram as características estudadas.
Os coeficientes de endogamia do indivíduo (F) e da mãe (Fmãe) foram calculados através da inversão da diagonal inversa da matriz de parentesco, já utilizada nos processos de análise para obtenção dos valores genéticos aditivos, expressos em diferenças esperadas de progênie e divulgadas no Sumário de Touros. Para os animais de genealogia desconhecida ou incompleta o valor de F foi considerado zero.
As análises foram realizadas com a utilização de modelos lineares, com o uso do Proc GLM do SAS, versão 6.12, considerando-se os efeitos fixos de grupos de contemporâneos (GC), classe idade da vaca ao parto (CIV) e as covariáveis idade à medição (efeito linear) e o nível de endogamia do indivíduo e de sua mãe (efeitos linear e quadrático).
Resultados e discussão
Os efeitos de GC não foram significativos para nenhuma característica estudada (P<0,05), o mesmo acontecendo com a CIV, mas a idade na ocasião da medição apresentou-se como importante fonte de variação. Do conjunto de dados, 7.067 animais apresentaram-se endogâmicos, com coeficiente de endogamia médio de 3,40%. Considerando-se o total de animais da população, o coeficiente médio de endogamia foi de 0,47%. O nível de endogamia das matrizes foi, em média, 0,54% quando considerado todo o rebanho e de 3,16% quando consideradas apenas as mães endogâmicas. Das 7.278 matrizes da população estudada, 1.238 eram endogâmicas, ou cerca de 17% do total de vacas, um índice que pode ser considerado preocupante, principalmente porque dentre os principais pontos afetados pela endogamia estão exatamente as características reprodutivas. Os efeitos da endogamia do animal e da vaca não foram significativos para nenhuma das características analisadas, indicando que apesar do significativo número de animais endogâmicos existentes, os níveis de endogamia ainda não chegaram a afetar a produtividade dos animais. No entanto, apesar dos resultados serem, no momento, tranqüilizadores, há que se ressaltar que os criadores devem manter contínua vigilância, tentando evitar o acasalamento de animais aparentados. O uso de programas de acasalamento dirigido, que considerem o nível de endogamia dos produtos pode ser extremamente útil. Parte da razão dos níveis baixos de endogamia detectado pode estar na falta de informações corretas de pedigree, que afetam diretamente o cálculo do coeficiente de endogamia. A incorporação de novas informações de pedigree, principalmente de gerações ancestrais, pode revelar novos laços genéticos entre os animais, alterando os atuais níveis de endogamia do rebanho. Recorrer aos registros existentes na Itália, país de origem da raça pode adicionar informações preciosas. A Associação Brasileira de Criadores de Marchigiana tem investido muito trabalho atualizando e checando a consistência de seus bancos de dados, melhorando de maneira acentuada a qualidade dos mesmos. Recomenda-se que este trabalho seja estendido e que as análises sejam feitas todos os anos, conjuntamente com as avaliações genéticas realizadas na raça. O monitoramento contínuo dos níveis de endogamia e a vigilância nos acasalamentos serão as únicas ferramentas nessa população de médio porte, que poderão evitar ou adiar os problemas de endogamia. Conclusões
O nível médio de endogamia do indivíduo na população estudada pode ser considerado muito baixo, porém deve-se ter cuidados nos acasalamentos, monitorando o parentesco dos animais destinados à reprodução, para impedir que o nível de endogamia aumente e que a porcentagem de animais endogâmicos passem a interferir nas características reprodutivas e produtivas do rebanho. Recomenda-se a repetição deste estudo nas próximas avaliações genéticas, bem como sua extensão para características reprodutivas.
Referências
1. DICKERSON, G.E. Experimental evaluation of selection theory in poultry. In: GENETICS TODAY, INT. CONGRESS OF GENETICS, 11. The Hague, Holand, 9/1963. Proceedings, p.747-761, 1963.
2. FERRAZ, J.B.S.; ELER, J.P.; MORETTI, A.S.; GHION, E.; MASOTTI, N. Effects of inbreeding on growth and slaghter traits of rabbits. Braz. J. Vet. Res. Anim. Sci., v.30, p.55-63, 1993.
3. KENNEDY, B.W.; SCHAEFFER, L.R.; SORENSEN, D.A. Genetic properties of animal models. J. Dairy Sci., v.71, p.17, 1988.
1 Pesquisa apoiada pela FAPESP, MEC/SESU, CNPq e Associação Brasileira de Criadores de Marchigiana. 2 Bolsista PET – Zootecnia/USP/MEC/SESU. 3. Professores da FZEA/USP. 4 Aluna de Pós – Graduação, bolsista da FAPESP. 5 Zootecnista, Associação Brasileira de Criadores de Marchigiana