Inventário Inicial. 6. Inventário
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Cadeia da carne bovina e suas atribulações
1 de dezembro de 2000

Legalização do uso de anabolizantes para produção de carne bovina

Na semana passada abordamos alguns casos de competição desleal dentro da cadeia da carne bovina que classificamos como recursos ilegais. Terminamos nossa abordagem com o seguinte comentário: “A proibição atual total de compostos com efeitos anabolizantes considerados não prejudiciais à saúde pela FDA dos Estados Unidos pode estar estimulando o uso dos mesmos e de outros considerados prejudiciais pelo referido órgão. Alguma coisa tem que ser feita.

A idéia nesse artigo é discutir com mais detalhes o problema do uso de anabolizantes na produção de carne no Brasil. A pergunta é “o que seria mais democrático e seguro para os consumidores, proibição total dos compostos permitidos pelo FDA americano e legalizados em vários países ou a legalização pelo menos daqueles que ocorrem naturalmente no organismo dos próprios bovinos?

É mais do que lógico esperar que toda proibição total de uso de compostos permitidos por organismos “ïdôneos” e países influentes tem grande possibilidade de levar ao uso ilegal, considerado pelos que usam como ilegal mas não “imoral”, principalmente quando a competição entre produtores fica mais acirrada em virtude da diminuição das margens de lucro. Além disso, existem aqueles mais inescrupulosos, que baseados no fato de que todos os anabolizantes legalizados em outros países estão proibidos, passam a usar produtos à base de compostos considerados prejudiciais à saúde humana e proibidos tanto pelo FDA americano como pelos principais países produtores e exportadores de carne bovina, pois perante a lei os riscos são os mesmos. Normalmente, esses produtos custam menos e apresentam resultados iguais e em algumas circunstâncias melhores do que os obtidos com o uso de produtos à base de compostos liberados pelo FDA americano.

O estradiol 17-beta, a progesterona e a testosterona são as substâncias (hormônios) naturais, produzidos naturalmente pelo organismo do bovino, que estão liberadas para confecção de produtos com efeitos anabolizantes. O zeranol (zearalenone) é uma substância natural (produzida por fungo em grãos úmidos em determinadas condições) que tem efeito estrogênico e cujo uso também é permitido pelo FDA. Duas outras substâncias não naturais resultantes de transformações nas moléculas de progesterona (acetato de melengesterol – MGA) e de testosterona (acetato de trenbolona – TBA) estão também liberadas pelo FDA. As substâncias mencionadas são usadas como único princípio ativo (estradiol 17-beta, MGA e TBA) ou em combinações (exceto o MGA que é administrado via oral no alimento) para confecção de produtos na forma de implantes a serem colocados especificamente na orelha dos animais tratados.

Os estibenes são substâncias artificiais com forte efeito estrogênico que estão proibidas em todo o mundo. Os dois princípios ativos que foram mais usados são o dietilestibestrol (DES) e o hexoestrol. Essas substâncias estão proibidas porque podem desencadear a formação de tumores, isto é, podem interfirir na informação genética.

Um outro grupo de substâncias com grande efeito anábolico, denominados beta adrenérgicos ou beta agonistas, que atuam redirecionando a partição de nutrientes no sentido de um grande aumento na síntese e deposição de proteína e diminuição na de gordura foram desenvolvidos, mas não estão liberados pelo FDA americano, e como mencionado na última semana, parece que só é permitido na Africa do Sul e alguns outros países menos tradicionais na produção de carne bovina. Exemplos desse grupo de substâncias são o zilpaterol (mais indicado para bovinos) e o clenbuterol (para ovinos). São efetivos por administração oral via alimento. O contato com essas substâncias sem os devidos cuidados pode provocar taquicardia, pois tem efeitos semelhantes à adrenalina. Seu uso ilegal foi constado na Espanha pela ocorrência de alterações cardíacas em pessoas que consumiram carne bovina proveniente de animais tratados com doses elevadas de beta adrenérgicos. Mais recentemente seu uso ilegal foi também verificado em Portugal.

É muito fácil detectar o uso ilegal dos compostos que não ocorrem naturalmente no organismo do bovino pela verificação de resíduos no tecido animal, uma vez que a presença, mesmo de traços, caracteriza o uso. Com o avanço da rastreabilidade, fica muito fácil identificar, através de análises de tecidos coletados em abatedouros e mesmo em pontos de venda, produtores que estão usando esses compostos como promotores de crescimento

Quanto aos compostos naturais que ocorrem no organismo do bovino, a constatação do uso é mais precisa através de exames de urina, o que dificulta sobremaneira um programa de fiscalização. A verificação de uso dessas substâncias nos tecidos, principalmente da carcaça, é mais difícil, pois há necessidade de separação por sexo. Machos castrados implantados com produtos à base de estradiol e progesterona podem apresentar níveis dessas substâncias nos tecidos iguais ou mesmo inferiores aos de fêmeas não tratadas. De outro lado, fêmeas implantadas com testosterona podem apresentar níveis dessa substância nos tecidos iguais ou inferiores aos apresentados por machos não castrados. Além disso, as quantidades dessas substâncias ingeridas através do consumo de carne de animais tratados é muito pequena (inferior a 1%) em relação à soma da ingerida através de outros alimentos e da produzida pelo organismo humano. A segurança do uso de produtos à base desses compostos é tão grande que estão autorizados pelo FDA americano sem exigência de tempo de carência, isto é, os animais tratados podem ser abatidos e a carne usada para consumo humano a qualquer momento.

A questão que fica é, não seria mais democrático e racional permitir o uso de substâncias seguras e além disso obrigar a identificação de seu uso nas carcaças e embalagens? Afinal de contas, podemos estar consumindo carne nacional ou importada produzida por animais que receberam anabolizantes e que não sabemos quais são. Como mencionado na última semana, a OMC autoriza a retaliação contra países que proibem a importação de carne com base na argumentação de uso de anabolizantes liberados pelo FDA americano.

Na pesquisa da última semana, mais de 70% dos usuários do BeefPoint que participaram da pesquisa acham que os anabolizantes permitidos pelo FDA americano não são prejudiciais à saúde.

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