José Bento S. Ferraz
A nova estação de monta se aproxima no Brasil Central Pecuário e mais uma vez os criadores se deparam com uma chuva de informações no momento de adquirir touros ou sêmen para seus rebanhos. Saber interpretar essas informações é essencial para que os criadores otimizem os seus recursos, evitando desperdícios e aquisição de material genético de nível mais baixo do que o necessário.
A economia globalizada desses tempos de fim de milênio levou a pecuária de corte brasileira a uma situação onde apenas criadores com alta produtividade permanecerão no competitivo mercado. Todos aqueles que não atingirem níveis adequados de qualidade e produtividade serão marginalizados do processo produtivo, podendo até ser eliminados do mesmo e sair do ramo. As palavras de ordem dos tempos atuais são aumentar a produtividade e melhorar a qualidade dos produtos, sempre a custos minimizados.
No caso de criadores que se dedicam ao comércio de material genético, apenas os que tiverem seus animais geneticamente avaliados conseguirão vender seus reprodutores e matrizes, pois o mercado estará cada vez mais exigente e vai requerer que o material genético disponível demonstre com clareza o seu potencial. Os ganhos genéticos de cada rebanho dependerão também do uso de animais geneticamente superiores nos processos seletivos dentro de cada plantel.
A seleção de animais feita pelos critérios tradicionais, através da escolha direta de animais mais produtivos, leva a ganhos genéticos muito abaixo daqueles ganhos que seriam obtidos caso os animais fossem selecionados com base nos seus valores genéticos. Já o uso de touros melhoradores, ou seja, aqueles que melhoram o patrimônio genético dos rebanhos é uma prática da maior importância nesse processo, desde que o criador saiba como identificá-los corretamente. Aí se coloca uma pergunta básica: por que o criador não se utiliza de animais melhoradores em seus rebanhos? E duas são as possíveis respostas:
– Porque não tem informação, ou
– Porque não sabe interpretar a informação
O rebanho brasileiro de bovinos é de cerca de 170 milhões de cabeças, das quais cerca de 80% são zebuínos ou animais com zebuínos em sua constituição genética. O melhoramento dos zebuínos para características de desenvolvimento ponderal e reprodutivo são necessidades imperativas para melhorar a competitividade de nossa pecuária.
Assim, é necessário que todos aqueles envolvidos no agribusiness da pecuária de corte tenham noções bastante precisas de melhoramento genético e de suas ferramentas, quer sejam a identificação de animais superiores através das avaliações genéticas, os processos seletivos e os sistemas de acasalamento.
Responder com precisão às dúvidas dos pecuaristas a respeito das informações a respeito da qualidade genética dos animais e do uso correto dessas informações é uma das responsabilidades dos geneticistas ligados aos programas de melhoramento genético de zebuínos no Brasil. Conhecendo estas técnicas, os profissionais envolvidos com a pecuária de corte poderão tomar decisões mais conscientes e ser mais eficientes em suas operações, mantendo-se competitivos e alertas para as mudanças de mercado que têm ocorrido com tanta rapidez.
Afinal, o que é avaliação genética e o que significa adquirir material genético (tourinhos, novilhas, embriões ou sêmen) geneticamente avaliado?
Avaliar a qualidade genética de um animal nada mais é do que estimar o seu valor genético aditivo, isso é, aquela parte dos componentes genéticos cuja transmissão se consegue prever e dessa forma avaliar o impacto na composição genética das gerações futuras.
Infelizmente, é impossível conhecer com precisão o valor genético dos animais. O problema é muito simples: o desempenho dos animais, também denominado de fenótipo é resultado do patrimônio genético que aquele animal possui, o chamado genótipo, somado aos efeitos de meio ambiente, existindo ainda uma interação entre os efeitos de genótipo e de meio ambiente. Alguns animais popdem ser superiores a outros em alguns ambientes, mas podem se tornarem inferiores àqueles em ambientes diferentes. Se simbolizarmos o fenótipo com a letra F , o genótipo com a letra G , o meio ambiente com a letra A e a interação entre o genótipo e o ambiente com as letras GA, o desempenho dos nossos animais, seja qual for a característica estudada (peso à desmama, peso a 1 ano, produção de leite, circunferência escrotal, etc.) poderá ser colocado numa equação muito simples:
Como não se pode conhecer com exatidão o valor genético dos animais, lança-se mão de técnicas de estimação desses valores. Pela análise da equação acima pode-se verificar portanto a necessidade de estimar-se o valor genético dos animais sem a interferência dos efeitos de meio ambiente e da interação genótipo-ambiente.
O valor genético dos animais depende da herdabilidade do caráter (quanto maior a herdabilidade maior a concordância entre o genótipo e o fenótipo), do número de informações (quanto maior este número, melhor a estimativa do valor genético), do parentesco entre o animal avaliado e as fontes de informação (quanto mais próximo o parentesco, maior a ênfase que a informação deve ter) e do grau de semelhança fenotípica entre o animal avaliado e as fontes de informação (uma forma de avaliar os efeitos de ambiente que são comuns a diferentes fontes de informação, os chamados efeitos permanentes de ambiente).
As metodologias de estimação de valores genéticos dos animais vêm se aperfeiçoando desde as primeiras décadas deste século, mas apenas a partir dos anos 80 houve um avanço muito grande nas mesmas e criaram-se ferramentas muito poderosas para a avaliação dos animais, principalmente após o advento dos chamados “modelos animais“, a mais moderna metodologia para avaliação genética existente. Nestas metodologias utilizam-se os registros de produção do animal que está sendo avaliado, mas também de todos os seus parentes, não importa o grau de parentesco existente. Assim, dados a respeito de primos distantes, avós, filhos, filhas, irmãos e irmãs de um reprodutor ou matriz são avaliados segundo complexos modelos matemáticos, o que resulta na melhor estimação possível de seu valor genético, o G de nossa equação.
As avaliações genéticas são expressas de algumas formas diferentes, dependendo da espécie animal avaliada e do país onde é feita a avaliação. Por definição, o valor genético aditivo esperado (Expected Breeding Value ou EBV) de um animal é o valor que ele teria como reprodutor ou ainda é igual a duas vezes a diferença que seus filhos têm em relação aos filhos de outros reprodutores, desde que os reprodutores que estejam sendo comparados sejam acasalados com vacas escolhidas ao acaso da população. A razão para dobrar essa diferença dos filhos é que os filhos só têm metade dos genes dos pais. Em última análise, o valor genético aditivo é o que os rebanhos selecionadores vendem, pois expressa o potencial genético dos animais vendidos. Este valor mostra o quanto os filhos de um animal seriam desviados em relação à média de todos os reprodutores em utilização, ou seja, quanto produziriam “a mais” ou “a menos” do que a média dos filhos dos outros reprodutores, que tenham sido utilizados na mesma população de animais onde estivemos estimando os valores genéticos.
Os EPD (expected progeny differences) ou as DEP´s (diferenças esperadas de progênie), maneira como são expressas as avaliações genéticas de touros de corte no Brasil, são, por definição a fração de uma superioridade de progênie devidas aos efeitos dos genes do reprodutor. Como metade do patrimônio genético dos filhos vem da mãe e metade do pai, os EPD ou as DEP equivalem à metade dos EBV. Assim, comprando-se um tourinho A com EPD ou DEP = +13,0 kg para peso aos 365 dias, com o tourinho B que tenha uma DEP de +3,0 kg significa que os filhos do tourinho A teriam 10 Kg de peso aos 365 dias a mais do que os filhos do tourinho B se acasalados com vacas escolhidas ao acaso.
Este conceito de EPD ou DEP é usado em geral pelos criadores de gado de corte, ao passo que os de gado de leite utilizam-se dos termos PTA (predicted transmiting ability ou habilidade prevista de transmissão), TA (transmiting ability, ou habilidade de transmissão), ou ainda PD (predicted difference) ou SC (sire comparison ou comparação entre reprodutores). Em essência, todos estes termos estimam a metade do valor genético de um reprodutor.
Uma outra informação importante para quem utiliza avaliações genéticas é a acurácia. A acurácia (do inglês accuracy, também conhecida como repetibilidade da avaliação) de uma estimativa é uma medida da correlação entre o valor estimado e os valores das fontes de informação, ou seja, mede o quanto a estimativa que obtivemos é relacionada com o “valor real” do parâmetro. Ela nos informa o quanto o valor estimado é “bom”, ou seja, o quanto o valor estimado é “próximo” do valor real e nos dá a “confiabilidade” daquela estimativa ou valor.
A acurácia depende do número de filhos de um reprodutor que foram medidos, mas, principalmente, do número de parentes medidos que esse reprodutor teve. Assim, é comum touros com menor número de filhos do que outros terem acurácias maiores, devido à contribuição de maior número de parentes na estimação de seu valor genético.
Este conceito de acurácia é muito importante para as decisões de um criador, pois indica o “risco” da decisão. Se o criador tiver um pequeno rebanho de alto valor genético, fica muito difícil utilizar-se um reprodutor cujo valor genético (DEP ou TA) tenha baixa acurácia, pois o valor estimado não é muito “confiável” e quando aumentarem as informações a respeito daquele reprodutor, por exemplo na próxima avaliação ou no próximo ano, aquele valor genético previsto poderá diminuir e o pequeno criador terá à venda então filhos de um touro inferior ao que ele achava que teria. Mas aquele valor poderá também subir e então o criador terá filhos de um bom touro. A acurácia nos informa em última análise a “segurança” que temos de que aquele valor estimado vá mudar ou não.
Mas se o criador tem um porte maior e gosta de correr riscos (e talvez ter maiores lucros), ele poderá investir adquirindo tourinhos (ou sêmen) com altos valores genéticos estimados e baixa acurácia, que em geral são mais baratos, e usar este material genético em uma parte de seu rebanho. Se o tourinho confirmar seu alto potencial e tiver maior acurácia na próxima avaliação, esse criador terá feito um bom negócio, mas se tiver um pior desempenho, parte dos seus produtos será originária de touros “inferiores”. Mas altas acurácias só são conseguidas a partir de muitas informações a respeito do animal que está sendo testado, em geral obtidas a partir de muitos filhos e filhas do touro, e isto significa mais tempo entre o nascimento desse reprodutor e seu uso no rebanho, o que aumenta o intervalo entre gerações e diminui o ganho genético por ano. Assim, o uso de animais jovens, com baixa acurácia, pode aumentar o risco, mas se a avaliação estiver sendo bem feita, o mérito genético do rebanho como um todo cresce mais rapidamente do que se utilizar touros “provados”, com altas acurácias. A decisão é estritamente técnica e deve ser tomada caso a caso.
Concluindo, o criador e os técnicos envolvidos no Agribusiness da pecuária de corte devem estar sempre atentos às avaliações genéticas, sabendo interpreta-las e utilizá-las para o progresso de seu negócio. O conhecimento dos termos como DEP´s, acurácia, modelo animal, matriz de parentesco, etc., facilitam o entendimento da literatura técnica e científica disponível e a comunicação entre os envolvidos.
Uma maior aproximação entre os elos da cadeia da pecuária de corte se faz necessária e a troca de informações, como essa estimulada pelo BeefPoint, são essenciais ao crescimento de nosso conhecimento.