O uso da cana-de-açúcar como recurso forrageiro para alimentação de ruminantes durante o período de escassez de alimentos é quase tão antigo quanto à introdução desta planta no Brasil. As razões principais para esse fato foram e ainda são:
a. Alta produção por unidade de área e conseqüente menor custo de produção quando comparada a outras culturas;
b. Coincidência da disponibilidade (colheita) dessa cultura com a época de escassez de forragem nas pastagens, de maio a outubro na maioria das regiões;
c. Facilidade de manejo.
Entretanto, os estudos sobre a utilização da cana-de-açúcar como volumoso para ruminantes durante o período seco são relativamente recentes (como exemplo podemos citar os trabalhos de JARDIM e colaboradores,1951; CORREA et al.,1962; CASTRO et al.,1967; NAUFEL et al.,1969; VIEIRA (1975); NOGUEIRA et al.,1977 e BIONDI et al.,1978, sendo a maioria conduzida por pesquisadores do Instituto de Zootecnia /SAA e ESALQ/USP). Nessa época, muitos dos trabalhos não levaram em consideração uma adequada correção das limitações nutricionais desse volumoso, o que acabou por restringir o desempenho animal e consequentemente desmotivar o uso dessa planta pelos pecuaristas. Estas principais limitações nutricionais são:
a. Baixo teor de proteína (aminoácidos sulforados são os mais limitantes);
b. Baixo teor de lipídeos (gordura);
c. Alto teor de carboidratos de rápida fermentação no rúmen e ausência de amido (degradação ruminal mais lenta e precursor de glucose);
d. Baixo teor de minerais (principalmente o fósforo);
e. Fibra de baixa digestibilidade;
f. Baixo consumo de matéria seca (fatores anteriores associados).
Também havia nessa época, em função das limitações anteriormente citadas, uma preocupação em buscar uma cana forrageira que apresentasse alto teor de proteína e menor teor de carboidratos solúveis, portanto, totalmente oposto ao que procuravam os melhoristas para a cana denominada industrial. Essa cana forrageira tem sido caracterizada por apresentar uma proporção maior de pontas em relação ao colmo, com um conseqüente maior teor de proteína bruta e menor teor de sacarose. Tradicionalmente, o produtor têm tido preferência, para alimentação, por um tipo de cana caracterizado por ser mais mole e que azede pouco, isto é, menor teor de açúcar.
No final da década de setenta foram publicados inúmeros trabalhos sobre a utilização de cana-de-açúcar com ênfase na adição de uréia, trabalhos estes realizados principalmente no México e na América Central, liderados por PRESTON. À partir dessa data, a EMBRAPA (CNPGL, Coronel Pacheco, MG) iniciou uma série de experimentos sobre o uso da cana-de-açúcar com adição de uréia na alimentação de gado leiteiro durante o período seco, com ênfase na fase de recria de bezerros e novilhas. Na primeira metade da década de 90, inúmeros trabalhos de pesquisa foram conduzidos no Instituto de Zootecnia/SAA por LEME e DEMARCHI, além de outros inúmeros colaboradores, para avaliar a possibilidade de um processo de fermentação e posterior secagem da cana-de-açúcar, denominado de sacharina, aumentar o desempenho animal. Concluiu-se que o processo em si pouco acrescentava ao valor nutritivo quando comparado à já tradicional cana-de-açúcar acrescida de uréia, contudo, muitos produtores de carne e leite obtiveram aumentos significativos de produção, não pelo processo em si, mas pela segurança no uso de nitrogênio não protéico e pelo atendimento de deficiências protéicas e minerais desses rebanhos com o uso de uréia e suplementos minerais na confecção da sacharina, além da possibilidade de armazenamento de cana excedente na forma de feno.
Atualmente, motivados por aumentar a eficiência da colheita, além da possibilidade de armazenamento da cana excedente, que muitas vezes não pôde ser colhida pela indústria, diversos grupos de trabalho, entre eles os de ANDRADE e colaboradores, NUSSIO e colaboradores e VALVASORI e LUCCI, vem desenvolvendo vários trabalhos de pesquisa na área de conservação da cana na forma de silagem, levantando problemas com o processo fermentativo (principalmente produção de álcool), colheita, armazenamento e desempenho animal (consumo de matéria seca, digestibilidade e produção de carne e leite). Momentaneamente os resultados de desempenho animal com uso da silagem de cana são inferiores aos encontrados para a cana-de-açúcar in natura.
Desde o início dos trabalhos desenvolvidos pela EMBRAPA, a recomendação de uma cana para fins forrageiros ou alimentação animal têm sido pelas variedades industriais disponíveis na região, normalmente mais produtivas, resistentes às principais pragas e doenças e com alto teor de sacarose, já que havia sido determinado que a busca por uma cana forrageira com alto valor protéico e baixo teor de sacarose não estava resultando em ganhos de digestibilidade, e portanto, sendo infrutífera. Concluiu-se nesse período que o teor de açúcar da cana estava diretamente correlacionado com a qualidade nutritiva da mesma, portanto as canas industriais poderiam ser tranqüilamente recomendadas e utilizadas.
Como alternativas para correção dos problemas nutricionais da cana-de-açúcar podemos citar algumas, que podem ser aplicadas simultaneamente ou não. Essas sugestões são variáveis em função das exigências nutricionais dos animais a serem alimentados e dependem de uma avaliação de toda a ração do animal, ou seja, de todos os alimentos que serão oferecidos para nutri-lo:
a. Adição de uréia (0,5 a 1,0% da matéria original ou aproximadamente 45-50 g nitrogênio não protéico / 100 kg PV) e enxofre. Pode-se utilizar uma mistura de uréia e sulfato de amônio (8,5:1,5);
b. Cama-de-frango (equivalente à uréia). Possui 80% de nitrogênio degradável no rúmen. Utilizar aproximadamente 15 a 25% da matéria seca total ingerida pelo animal. Não utilizar associado a uréia sem uma recomendação técnica adequada, já que possuem as mesmas propriedades. Presença de carcaças de frangos podem estar associados ao botulismo, além de hormônios e aditivos das rações das aves poderem aparecer no leite (aspecto sanitário e de qualidade do leite precisam ser considerados);
c. Polidura de arroz – Excelente alternativa, porém com baixa disponibilidade no mercado. Possui alta valor protéico, contém aminoácidos essenciais, alto teor de gordura e amido. Normalmente utilizado com quantidades próximas a 1,0 a 1,5 kg / animal / dia;
d. Farelo de Arroz – semelhante à polidura de arroz.
e. Farelo de Algodão – Bons resultados, tanto por corrigir o déficit protéico quanto o de amido.
f. Caroço de Algodão – Aproximadamente 20% da matéria seca total consumida pelo animal. Fornece principalmente gordura (energia);
g. Grãos de soja – Aproximadamente 15% da matéria seca total consumida pelo animal poderia ser fornecida por essa alternativa;
h. Rolão de Milho ou grãos de milho moídos e uréia;
i. Farelo de Milho (Refinazil ou Promil) – Possuem teor de proteína elevado (20% da MS);
j. Mistura mineral – Seguir recomendações do fabricante quanto ao seu uso;
k. Outras alternativas regionais.
Com relação ao manejo da alimentação com cana-de-açúcar, podemos identificar alguns tópicos que merecem ser analisados dentro dos sistemas de produção, entre eles:
a. Fornecer sempre a cana inteira, com colmos e folhas;
b. Adaptar o animal sempre que iniciar ou reiniciar o uso de uréia;
c. Mínimo de duas refeições diárias, preferencialmente na forma de dieta total;
d. Quando utilizar apenas cana + uréia, utilizar o método de diluição em água (1,0 kg uréia para 2 litros de água) e usar cochos com cobertura e drenagem;
e. Procurar subdividir o rebanho em lotes uniformes com relação às suas exigências nutricionais ou desempenho.
Comentário BeefPoint: Apesar do seu reconhecido valor como recurso forrageiro para o período de escassez de pastagens, a cana-de-açúcar ainda está longe de atingir níveis de utilização compatíveis com o seu potencial. Sistemas de produção de leite com médias de rebanho abaixo de 20 kg / vaca / dia podem ser perfeitamente manejados tendo como base esse volumoso. Mesmo sistemas mais produtivos podem utilizar a cana como volumoso para categorias animais menos produtivas, tais como novilhas, vacas em final de lactação e vacas no período seco. Da mesma forma, sistemas de produção de carne que requeiram suplementação volumosa podem recorrer à cana e obter excelentes ganhos de peso por animal e principalmente por área. O que é absolutamente necessário é que o pecuarista tenha uma visão ampla da ração ou dieta utilizada e que a mesma procure atender adequadamente as exigências nutricionais dos animais, o que garantirá que todas as deficiências da cana sejam solucionadas. Apesar da qualidade da cana-de-açúcar ser inferior a muitos outros volumosos, a sua produtividade por área e o seu baixo custo podem trazer ao pecuarista retornos econômicos satisfatórios quando passamos a avaliar a produtividade animal não mais individualmente (kg / animal / dia) mas por área (kg de carne ou leite / hectare)