A evolução da cadeia produtiva da carne bovina brasileira está acontencendo com muito maior rapidez do que poderia ser imaginado há alguns anos atrás. Essas mudanças estão relacionadas ao uso crescente de tecnologias de produção e de gerenciamento.
Em primeiro lugar deve-se destacar a importância da crise que afetou o setor logo após a introdução do plano real. As margens de lucro diminuiram bastante, e como a produtividade era muito baixa, o retorno econômico da atividade ficou muito apertado. Em outros tempos, quando ocorriam crises, os produtores apelavam para o governo que normalmente interferia no mercado através de políticas de subsídios. Nessas condições não havia nem interesse e nem necessidade dos produtores de procurarem outros meios para superar essas crises. Como no decorrer do plano real o governo não usou de paliativos para socorrer o setor, ficou evidente que a solução para a crise tinha que vir de dentro da própria cadeia da carne. Começou-se a procurar e usar tecnologias tanto de produção como de planejamento e gerenciamento. Para se planejar há necessidade de se estabelecer metas, isto é, tem que se pensar no sistema como um todo. Além disso, só planejar bem não é suficiente, é necessário executar o planejado. Aí entra a tecnologia em gerenciamento. Para planejar e gerenciar eficientemente a execução, conhecimento é o ponto chave. Portanto conhecimento passou a ser valorizado. E estamos só no começo desse reconhecimento.
Outro aspecto importante que está ocorrendo é aumento das exigências dos consumidores. Até recentemente, vários movimentos para valorização da carne bovina no mercado interno falharam ou tiveram pouca repercussão porque os produtores achavam que o mercado devia pagar mais por um produto supostamente melhor (por exemplo os programas de novilho precoce, citados no comentário da semana passada). Entretanto, tanto os consumidores como principalmente os abatedouros não tinham nenhuma motivação para pagar mais por um produto que o mercado não conhecia. Como cada um dos setores da cadeia da carne bovina, produção, abate e varejo, sempre tiveram como principal objetivo, entre suas relações comerciais, levar a maior vantagem possível, sem se importar com a sobrevivência dos outros, essas relações entre esses diferentes setores da cadeia têm sido mais parecidas com batalhas de vida ou morte do que de negócios entre agentes interdependentes. Felizmente, o tipo de relacionamento está começando a mudar (estamos ainda bem no começo), graças ao aumento das exigências dos consumidores e por ser a carne bovina, quando bem trabalhada em termos de qualidade e preço, um produto que atrai clientes para as lojas das grandes cadeias de supermercados. Os clientes estão desenvolvendo critérios de qualidade relacionados tanto ao valor nutricional e à sanidade, como aos aspectos relacionados à produção, tais como conforto dos animais, resíduos de medicamentos e outros compostos químicos, manutenção e ou melhoria do meio ambiente, e aspectos sociais ligados à legislação trabalhista e à qualificação constante da mão de obra. Para assegurar a qualidade exigida pelos consumidores, há necessidade de normas adequadas serem estabelecidas e serem auditadas periodicamente.
A mudança no relacionamento mencionada anteriormente está caminhando no sentido de se estabelecer parcerias bem definidas entre produtores, abatedouros e mercado varejista (supermercados). Um aspecto novo e positivo que está ocorrendo é que a iniciativa está começando a ser tomada pela ponta de varejo (supermercados) e não por produtores isolados ou associações de produtores, que têm poder de barganha com os abatedouros muito menor do que as grandes cadeias varejistas. Todas as iniciativas tomadas isoladamente pelo setor produtivo ou fracassaram ou tiveram muito pouco êxito. De outro lado, aparentemente, os abatedouros nunca tomaram iniciativa no sentido de valorizar e de divulgar a carne bovina. Além disso, essa iniciativa do varejo indica que está havendo de fato uma demanda para produtos, no caso de carne bovina, de qualidade e com histórico de produção. Embora óbvio, parcerias só têm chance de dar certo se todos os parceiros tiverem condições de sobreviver no seu negócio. Isso não quer dizer que não haverá competição, pois ela é inerente e essencial ao sistema capitalista em que vivemos. Um aspecto dessas parcerias é que dentro de normas de produção definidas por acordo espontâneo entre as partes, está sendo mantida a liberdade de decisões técnicas e gerenciais, que são pontos importantíssimos para o estímulo de uma competição saudável entre os componentes de cada setor da cadeia da carne bovina. Conseqüentemente, o que está e vai acontecer cada vez com maior intensidade é uma natural seleção e sobrevivência dos mais eficientes.
Um desafio interessante é que o mercado consumidor mais exigente já está demandando tanto fornecimento como qualidade constante dos produtos comercializados. Os sistemas de produção têm que evoluir para produzir carne de qualidade em quantidade durante o ano todo. O setor de varejo dá muita importância a essa exigência, pois sem manutenção de qualidade e de constância de fornecimento, fica difícil cativar clientes. Sem essa característica de constância de quantidade e qualidade, é praticamente impossível fechar parcerias. As iniciativas de parcerias ou acordos tomadas pelo setor de produção estiveram pouco atentas para esse fato, sendo ele entre outros, responsável pelo mencionado insucesso ou sucesso muito pequeno dessas iniciativas.
Não temos dúvidas que a cadeia da carne bovina apresentará crescimento fantástico nos próximos anos e que sua importância dentro da economia brasileira será cada vez maior.