José Bento Sterman Ferraz e Joanir Pereira Eler
As maneiras de se evitar o aumento da endogamia
Os estudos que avaliam o aumento das taxas de endogamia devido ao uso de tecnologias reprodutivas, bem como estratégias para evitar que esse aumento venha a comprometer o progresso genético são diversos.
Os estudos iniciais de esquemas MOET apontavam para grandes vantagens observadas nos ganhos genéticos em bovinos leiteiros (Nicholas & Smith, 1983) e em ovinos (Smith, 1986). No entanto, estudos de médio e longo prazo mostraram que esses ganhos iniciais eram prejudicados, particularmente em populações pequenas, pelo aumento das taxas de endogamia, o que era ainda exacerbado pelos procedimentos de seleção que se utilizavam de estimativas que se utilizavam de informações de parentes, como as geradas através de metodologia BLUP (Villanueva & Simm, 1994).
Estudos conduzidos por Luo et al. (1994) mostraram que significativos aumentos em ganho genético, mas também em níveis de endogamia podem ser obtidos quando se diminui o intervalo entre colheitas de embrião ou se conseguem aumentos de taxa de sobrevivência embrionária. Esta observação indica com clareza que cuidados especiais devem ser tomados para evitar-se aumento dos níveis de endogamia.
Algumas soluções foram propostas para evitar-se o aumento das taxas de endogamia, principalmente em esquemas como fertilização in vitro e produção de embriões in vitro (Wooliams & Wilmut, 1989; Toro & Perez-Enciso, 1990, Quinton et al., 1992).
Os acasalamentos de vários touros com cada vaca, em esquemas fatoriais, parecem ser uma interessante maneira de se evitar o aumento dos níveis de endogamia (Wooliams, 1989). Outros importantes estudos têm tentando mostrar outros esquemas de obtenção de ganhos genéticos, com manutenção de níveis aceitáveis de endogamia, com uso de grande número de touros por vaca, em esquemas fatoriais (Villanueva et al., 1994).
A importância da transferência de embriões e de outras biotécnicas aplicadas à reprodução animal têm sido intensamente estudadas, para maximizar suas vantagens, mantendo sob controle o problema do aumento da endogamia, considerando-se as biotécnicas, os tamanhos ideais dos rebanhos ou a associação com outras técnicas, como a seleção assistida por marcadores genéticos (Colleu, 1998; Montaldo et al., 1998; Tilquin et al, 1998). Um interessante estudo de Villanueva et al. (1998) determinou metodologia para dimensionar o número ideal de clones por genótipo para se maximizar o ganho genético sem aumentar em demasiado as perdas pela endogamia.
A necessidade de se proceder a avaliações genéticas
A seleção de animais feita pelos critérios tradicionais, através da escolha direta de animais mais produtivos, leva a ganhos genéticos muito aquém dos ganhos que seriam obtidos caso os animais fossem selecionados com base nos seus valores genéticos. Infelizmente não é possível conhecer com precisão o valor genético dos animais (Ferraz, 1996). O problema é muito simples: o desempenho dos animais, também denominado de fenótipo é resultado do patrimônio genético que o animal possui, o chamado genótipo e dos efeitos de meio ambiente, existindo ainda uma interação entre os efeitos de genótipo e de meio ambiente, já que alguns animais são superiores a outros em alguns ambientes, mas se tornam inferiores àqueles em ambientes diferentes. Para facilitar o entendimento, podemos simbolizar o fenótipo com a letra F, o genótipo com a letra G, o meio ambiente com a letra A e a interação entre o genótipo e o ambiente com as letras GA, o desempenho dos nossos animais, seja qual for a característica estudada (peso à desmama, peso a 1 ano, produção de leite, circunferência escrotal etc.) poderá ser colocado numa equação muito simples:
Essa equação nos mostra que, infelizmente, o fenótipo que medimos nos animais não demonstra diretamente sua qualidade ou potencialidade genética. Essa produção ou medida F estará sempre influenciada pelo meio ambiente A e pela interação genótipo-ambiente GA.
Avaliar a qualidade genética de um animal nada mais é do que estimar o seu valor genético aditivo. Jamais conheceremos com precisão o valor que um animal tem como reprodutor, mas, através de metodologias diversas, é possível estimar esse valor. É, entretanto, necessário que a estimativa seja livre dos efeitos de meio ambiente e da interação genótipo-ambiente. O valor genético dos animais depende da herdabilidade do caráter (quando maior a herdabilidade maior a concordância entre o genótipo e o fenótipo), do número de informações (quanto maior este número, melhor a estimativa do valor genético), do parentesco entre o animal avaliado e as fontes de informação (quanto mais próximo o parentesco, maior a ênfase que a informação deve ter), além dos chamados efeitos permanentes de ambiente.
As metodologias de estimação de valores genéticos dos animais vêm se aperfeiçoando desde as primeiras décadas deste século, mas apenas a partir dos anos 80 houve um avanço muito grande nas mesmas e criaram-se ferramentas muito poderosas para a avaliação dos animais, principalmente após o advento dos chamados “modelos animais”, a mais moderna metodologia para avaliação genética existente. Nestas metodologias utilizam-se os registros de produção do animal que está sendo avaliado, mas também de todos os seus parentes, não importa o grau de parentesco existente. Assim, dados de desempenho de primos distantes, avós, filhos, filhas, irmãos e irmãs de um reprodutor ou matriz são avaliados segundo complexos modelos matemáticos o que resulta na estimação de seu valor genético, o G de nossa equação.
Os modelos animais consideram simultaneamente efeitos fixos (sexo, idade da vaca, fazenda, grupo de contemporâneos etc.) e efeitos aleatórios (como os efeitos diretos dos genes dos animais, os efeitos dos genes de sua mãe, os efeitos permanentes de ambiente que uma vaca fornece à sua progênie etc.). Os efeitos aleatórios dos genes dos animais (direto e materno) são estimados com base nas informações fornecidas pelos registros de produção de todo e qualquer parente do animal, “ligados” através da inversa da matriz de parentesco é adicionada. Assim, o valor genético estimado de cada animal é obtido considerando-se as contribuições de cada parente.
Os valores reprodutivos, ou valores genéticos aditivos são expressos de diferentes maneiras, dependendo da espécie animal. Em suínos esses valores são expressos como EBV (estimated breeding values), em bovinos de corte como Diferenças Esperadas de Progênie (DEP ou EPD, correspondente à metade do EBV) e em gado leiteiro como Predicted Transmiting Ability (PTA ou TA).
Utilizando-se da metodologia adequada, todos os animais de determinada população podem ser devidamente avaliados, estimando-se, com maior ou menor precisão (dependendo das fontes de informação) o valor genético aditivo de cada reprodutor e matriz, facilitando a escolha daqueles que passarão pelas biotécnicas que intensificam a reprodução. Segunda Penna et al. (1998), em interessante trabalho sobre núcleo MOET na raça Guzerá, “é necessário intensificar o escrutínio genético na raça para identificação de animais superiores.
Adicionalmente, informações a respeito de eventuais problemas que possam ser de origem genética e que venham a existir na família de vacas doadoras de material genético podem ser essenciais para a redução dos riscos da transferência de embriões.
Conclusões
A transferência de embriões e outras biotécnicas têm um grande potencial para promover expressivas alterações nas taxas de ganho genético das populações, especialmente nas espécies uníparas e de longo intervalo de gerações. No entanto, seu uso traz alguns riscos, cujos efeitos devem ser conhecidos para que se evite uma perda de eventuais benefícios.
Procedimentos de avaliação cuidadosa do material genético a ser utilizado e técnicas para evitar o aumento das taxas de endogamia são essenciais para a decisão a respeito de qual material genético deve ser disseminado na população e em que quantidade esse material pode ser utilizado.
Transferindo embriões de vacas não avaliadas geneticamente poderemos estar aumentando a freqüência de genes menos desejáveis e utilizando esses animais intensamente, pode-se aumentar os riscos de crescentes níveis de endogamia na população, prejudicando toda e qualquer eventual vantagem de incremento nas taxas de progresso genético.
Bibliografia citada
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Wooliams, J.A. Anim. Production, v.48, p.31-35, 1989
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O trabalho publicado é interessante. O custo que o produtor tem em montar um programa de T.E é alto, ele tem que saber qual o potêncial genético do material que deseja trabalhar antes de iniciar o trabalho de T.E .