Holanda detecta aftosa em duas fazendas
22 de março de 2001
Abate de rebanho europeu valoriza o couro brasileiro
26 de março de 2001

Aftosa na Europa

Fernando Sampaio1

Na primeira quinzena de março, o ministro da agricultura francês Jean Glavany dizia que seria um milagre se o continente escapasse da epidemia de febre aftosa, que afeta as criações britânicas desde finais de fevereiro passado.

Dia 13 de março, os primeiros casos de febre aftosa são confirmados na região de Mayenne, oeste da França.

A aftosa é provocada por um vírus, descoberto em 1898 pelo pesquisador alemão Friedrich Loeffler, que identifica a doença em 1910. Seus trabalhos causam uma epidemia nas fazendas vizinhas provocando a ira dos agricultores que o expulsam da região. Loeffler terminaria suas pesquisas em uma ilha deserta do Báltico com acesso proibido aos viajantes.

Nos anos 50 a França conhece sua primeira grande epidemia de febre aftosa. A vacinação é adotada em 1961.

Em 1967 uma outra grande epidemia arrasa a pecuária britânica onde 442.000 animais são abatidos e se alastra pelo resto da Europa.

Uma última epidemia acontece em 1981 na região francesa da Bretanha e na ilha de Wight, pertencente à Inglaterra.

A vacinação é abandonada oficialmente em 1.° de janeiro de 1992 pelo conjunto de países da Comunidade Européia, apesar do parecer contrário de veterinários.

Todo cuidado é pouco!

Segundo Yves Leforban, secretário da Comissão Européia de luta contra a febre aftosa e especialista da FAO, “O retorno na Europa de uma vacinação preventiva sistemática e anual é muito improvável e praticamente excluído, essencialmente por razões de comércio internacional. Isto seria por a Europa praticamente em condições de não mais exportar seus animais”.

Apesar de altamente contagiosa entre os animais de casco fendido (bovinos, suínos, caprinos e ovinos) a doença a priori não é transmissível ao homem, a não ser raramente.

Para os animais e para as fazendas e granjas de criação, no entanto, as conseqüências econômicas são trágicas. Animais doentes são abatidos e destruídos sistematicamente, assim como todos os animais na propriedade onde foi detectado o foco.

A origem desta atual epidemia está em uma granja de porcos do Nothumberland (norte da Inglaterra) pertencente aos irmãos Waught, ao que parece desobedientes alunos da escola de higiene e saneamento de instalações agrícolas. Um dos irmãos, Robert Waught, diz não ter notado nenhum sintoma ao enviar seus porcos ao abate em um frigorífico de Essex, 500km mais ao sul. A estirpe do vírus é asiática e foi identificada pela primeira vez há onze anos na Índia. A contaminação seria causada pelos alimentos que os Waugh davam aos seus porcos: restos de cantinas escolares e restaurantes.

A organização Farmer´s for Action que luta há anos pela proibição da importação de carne de países estrangeiros lembra que vários grandes grupos da indústria alimentar continuam a fazê-lo, e que o risco é grande quando se trata de países como Zimbábue, Botsuana, África do Sul ou Uruguai, esporadicamente atingidos por epidemias de aftosa.

Rugby & Vento?

O transporte de animais vivos entre os países europeus está temporariamente suspenso desde o começo da epidemia. Suspenderam-se também os mercados de animais vivos. O único transporte de animais permitido é entre as fazendas de criação e os matadouros e de uma fazenda à outra. Suspenderam-se também as corridas de cavalos (alguns ingleses, fanáticos por jogos de aposta estavam organizando corridas de carrinhos “movidos” a hamsters…). O Torneio de Rugby das Seis Nações (Inglaterra, Irlanda, Escócia, Pais de Gales, França e Itália) está temporariamente suspenso. Teme-se que o deslocamento de jogadores e torcidas (e muitos torcedores de rugby aqui são agricultores) entre os países possa ajudar a disseminar a doença. Também estão sendo desinfectados carros e passageiros de barcos e aviões provenientes da Grã Bretanha. O Reino Unido gasta atualmente 60 milhões de libras esterlinas por semana no combate à doença.

A meteorologia no continente é controlada a cada minuto a fim de que a vigilância seja acentuada nas regiões que recebem o vento das zonas afetadas, já que o vento é o principal vetor do vírus da aftosa.

Na França, 20 mil ovinos foram importados do Reino Unido no mês de fevereiro, alguns provenientes de focos da doença.

As fazendas de destino encontram-se sob vigilância e em nome do princípio de precaução 50 mil animais já foram abatidos.

Embora estes seis primeiros casos na Mayenne não sejam suficientes para que um embargo seja decretado (dentro da U.E.) sobre as exportações francesas, o temor de que isto aconteça persiste.

No ano passado a França exportou 2,482 milhões de animais vivos, que representaram 1,28 bilhão de Euros. Especialistas do INRA (Instituto Nacional de Pesquisas Agrícolas) dizem que recorrer à vacinação de urgência terá consequências econômicas drásticas em relação à exportação, primeiro porque a duração de um embargo às exportações de um país atingido pela febre aftosa é aumentado em caso de vacinação, assim como a área da zona sob embargo.

Em segundo, o uso da vacinação pode ser visto como uma incapacidade das autoridades sanitárias em eliminar rapidamente a epidemia.

Embargo

Da Agência Reuters em Roma: a FAO lança um alerta sobre o risco de propagação à escala mundial da febre aftosa e convida a comunidade internacional à tomar medidas mais firmes de luta contra a doença.

Ela propõe controles mais rigorosos sobre imigrantes e turistas e sobre alimentos importados, assim como dejetos de navios e aviões.

Pimenta nos olhos dos outros é refresco.

Camuflados sob forma de proteção sanitária esconde-se um enorme jogo de interesses entre os mercados.

Nós aprendemos isso depois que o Canadá criou caso com a nossa carne.

A partir do dia 13 de março, os Estados Unidos e Canadá proibiram a importação de carnes e animais provenientes da Europa e passam o pente fino em todas as bagagens e encomendas que chegam do velho mundo.

São confiscados produtos lácteos e cárnicos, e inclusive sanduíches.

Os setores mais atingidos são o suíno e ovino, já que as importações de carne bovina estavam proibidas por causa da BSE.

Suíça, Austrália, Nova Zelândia, Japão, Coréia do Sul seguem o exemplo e proíbem a entrada de carnes e animais vivos europeus em seus territórios.

Em Bruxelas, veterinários da União Européia por sua vez recomendam a proibição da importação de carne argentina, em razão de um novo foco descoberto no nosso vizinho.

Usando a aftosa como desculpa, Marrocos, Hungria, Tunísia e Eslovênia proíbem a importação de cereais europeus, proibição considerada como injustificada pelo porta-voz da Comissão Européia, uma vez que cereais não transmitem o vírus da febre aftosa…

Consequências

Embora não contagiosa ao homem, a febre aftosa vem agravar a paranóica espiral de pânico em que mergulharam agricultores, indústrias e consumidores europeus.

À epidemia soma-se a crise da vaca louca, às farinhas animais utilizadas em alimentos para o gado, às contaminações pela dioxina, à epidemia de peste suína na Inglaterra do ano passado, às discussões sobre a presença de organismos geneticamente modificados nos alimentos, aos casos de Listeria encontrados na França e ao uso de defensivos agrícolas.

Entre os produtores o pânico só não é maior que o pessimismo.

Equilibrando-se entre o custo de produção, as subvenções e ajudas do governo e os preços do mercado, muitos não acreditam no futuro da agricultura européia e desaconselham os filhos a seguirem a profissão.

Os que tiveram seus rebanhos totalmente abatidos aguardam ansiosamente ajuda do Estado.

Cúmulo da depressão, em algumas cidades francesas e inglesas a polícia confisca as armas dos agricultores para prevenir suicídios.

O mercado, que ainda não saiu do brejo da vaca louca, enfrenta altos preços das carnes e uma desconfiança cada vez maior do consumidor.

De Jean Glavany, ministro francês da Agricultura, em entrevista dada ao jornal “Le Parisien”: “Não podemos objetivamente excluir o pior, mesmo que todos os esforços e as medidas drásticas tomadas pelo governo e principalmente pelos serviços veterinários visam a evitar o pior”.

Ou seja, apesar de todas as medidas, não se sabe como a epidemia vai evoluir, mas certamente todo o setor de carnes europeu, desde produção até a agroindústria será ainda mais fragilizada, e maior será a necessidade de importação.

Do ponto de vista do consumidor, no rítmo em que vão as coisas “a hora do almoço” poderia virar título de um filme de terror.

Paradoxalmente vivemos numa época onde a segurança alimentar é vigiada e controlada como nunca foi antes.

O que percebe-se, é que o público em geral está rejeitando cada vez mais o modelo de agricultura industrial, que valoriza a intensificação máxima da produção agrícola.

Embora ainda marginal, a demanda pela carne de produção orgânica, assim como outros produtos da agricultura orgânica, aumentam progressivamente.

Também aparece uma demanda por carnes alternativas como avestruz, crocodilo, canguru e outras, mesmo que provavelmente esta expansão seja momentânea em razão da situação atual do mercado.

Analistas dizem que o setor agrícola europeu vai se dedicar cada vez mais à produtos de alta gama, com qualidade garantida e selada, rastreabilidade controlada, respeito ao meio ambiente e ao bem estar dos animais, não transgênicos, com omega3, orgânico, label rouge e tudo mais que os marketeiros de plantão conseguirem inventar.

Obviamente este tipo de produto é para quem pode pagar. A grande massa será alimentada mesmo com produtos importados, e porque não do Brasil?

________________________________________
1Engenheiro agrônomo e especialista em produção animal e mercado de carne e leite pela Ecole Supérieure D´Angers – França,. É membro da equipe de colaboradores da Scot Consultoria.

Os comentários estão encerrados.

plugins premium WordPress